quarta-feira, 23 de setembro de 2009

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Alma Mater #5 - Aspásia

 

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Aspásia de Mileto (Ilustração de Pierre Gustave Eugene Staal)

Quando iniciei as pesquisas para contar mais uma biografia de uma das Grandes Mulheres do Passado, já havia delineado como ponto de partida contar um pouco mais da Grécia Clássica me redimindo assim da superficialidade no texto sobre Safo de Lesbos.

Todavia, conforme fui me aprofundando, percebi que a linha que pretendia seguir começou a apresentar bifurcações que hora se entrelaçavam com a reta que havia dado início a tudo. Consciente dessa situação, passei a anotar os tópicos relevantes e quando dei por mim a lista estava definitivamente ficando enorme!

Curiosamente, essa semana eu havia proposto ao FiliPêra escrever sobre Sagrado Feminino e Sexualidade da Mulher o qual recebi carta branca para tocar pra frente. Eu pretendia pensar nisso só depois de falar de Aspásia mas a biografia dessa Grande Mulher me fez rever essa decisão.

Por tanto, vou abordar todos os temas recorrentes a vida de Aspásia e em breve sairá o primeiro artigo do Alma Mater que não focará em uma única mulher, mais sim falará do Sagrado Feminino e o porque das mulheres ao longo da História terem sido demonizadas e como isso se estende até os dias de hoje.

Mas antes de dar início gostaria de deixar para todos os leitores uma frase do filósofo espanhol George Santayana para reflexão:

“Aqueles que não conseguem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo.”

ASPÁSIA DE MILETO

Antes de iniciar a biografia de mais uma das Grandes Mulheres do Passado vejo a necessidade de falar da Grécia Clássica.

Os acontecimentos anteriores e durante a vida de Aspásia em Atenas, assim como a observação da vida das mulheres na sociedade grega são imprescindíveis para a compreensão do papel exercido por ela em seu tempo.

A Grécia na Antiguidade

Para um melhor entendimento dos períodos citados, deixo abaixo a cronologia básica:

 

1550 a 1100 a.C.

Período Micênico

1100 a 750 a.C.

Idade das Trevas

750 a 480 a.C.

Período Arcaico

480 a 320 a.C.

Período Clássico

320 a 30 a.C.

Período Helenístico

30 a.C. a 529 d.C.

Período Greco-Romano

Uma curiosidade que muitos desconhecem é que os gregos chamavam a si mesmos de helenos, e o território onde habitavam de Hélade, e isso perdura até os dias de hoje, pois oficialmente o nome do pais é República Helênica. As palavras “Grécia” e “grego” são de origem latina e era a forma que os romanos designavam os habitantes e o território habitado pelos helenos.

A Grécia na Antiguidade não foi uma nação homogênea, sendo formada por cidades-estados independentes e cada qual possuindo seu próprio sistema de governo, leis, calendários e moedas, mantendo em comum o idioma apesar dos inúmeros dialetos. As mais importantes na época de Aspásia foram Atenas e Esparta.

 

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(Grécia na Antiguidade)

Essas duas pólis foram de extrema importância no período conhecido como Clássico que inicia-se em 480 a.C. e vai até 320 a.C. e que foi pontuado por duas guerras: As Guerras Médicas ou Medo-Persas, onde uniram forças contra o Império Persa Aqueménida, e a Guerra do Peloponeso onde tornaram-se rivais. E é justamente no espaço de tempo entre essas duas guerras que surgirá a figura de Aspásia, que posteriormente terá forte participação nas decisões de Estado.

A primeira Guerra Médica ocorreu entre os gregos e os medo-persas pela disputa da Jônia, na Ásia Menor.

A Jônia era uma colônia grega, porém, a expansão persa sob o poder de Dario I tomou o controle da região. Em 499 a.C. as colônias gregas lideradas por Mileto e com o apoio de Atenas, revoltaram-se, mas foram vencidas entre 497 a 494 a.C. Mileto foi destruída e Dario I resolveu punir Atenas, enviando seu poderoso exército ao continente. Todavia, os atenienses, liderados por Milcíades, saíram vitoriosos na batalha de Maratona em 490 a.C.

Após esse primeiro confronto foi criada a Liga de Delos, uma liga marítima organizada e liderada por Atenas e formada principalmente por cidades-estados que encontravam-se próximas do Mar Egeu no intuito de se protegerem de novas investidas persa.

Esparta, no final do Século VI a.C., já havia tomado a frente para criar e liderar a Liga do Peloponeso formada por quase todas as cidades peloponesas com exceção de Achaea.

Essas duas ligas uniram-se em 480 a.C. contra um inimigo em comum, o Império Persa e seu Imperador Xerxes I, filho e sucessor de Dario I, tornando-se a Liga Helênica.

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(Liga Helênica)

Essa segunda Guerra Médica hoje é mais conhecida por um episódio que recentemente foi levado aos cinemas em uma obra adaptada da HQ do escritor Frank Miller, o filme 300.

Quem não se emocionou com a história do Rei Leónidas I e seus corajosos soldados espartanos que sacrificaram suas vidas para conter os avanços do numeroso exército de Xerxes na Batalha das Termópilas?

O sacrifício dos 300 de Esparta não impediu a invasão da Ática, que já havia sido evacuada para Salamina, sob as ordens do general ateniense Temístocles. Em 479 a.C., na Batalha de Platéias, os gregos derrotam os persas, os sobreviventes medo-persas tentam se retirar para a Ásia Menor mais são dizimados pelo exército de Alexandre I da Macedônia.

Ao término das batalhas, as duas ligas se separam e a tensão entre Atenas e Esparta, que já existia muito antes da chegada dos persas, retorna dessa vez com muito mais força, o que resultará mais a frente na Guerra do Peloponeso.

Após as Guerras Médicas, emerge em Atenas a figura de um homem que mudará para sempre a história da democracia ateniense, sob sua liderança a cidade irá florescer e prosperar, e o período que cobre o final das guerras até a sua morte ficará registrado nos anais da História como o Século de Péricles. Péricles foi um político e grande estadista ateniense que subiu ao poder em 461 a.C., após conseguir condenar seu rival Cimon ao exílio.

Quando a Liga de Delos foi criada, em 477 a.C., tinha como objetivo construir uma frota potente e numerosa, seus membros poderiam contribuir com navios ou dinheiro. A maioria das cidades-estados optaram pela segunda opção. Como Atenas era a cidade líder, ficou responsável pela administração desses bens. E é justamente do dinheiro enviado por seus aliados que Péricles irá fazer Atenas crescer e prosperar.

Suas obras para embelezar a cidade foram muitas, a mais notável permanece parcialmente em pé até os dias de hoje e seguramente é a maior referencia que a Grécia possui de sua Era de Ouro, o Partenon, construído na Acrópole de Atenas.

 

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Paternon

Com o uso do dinheiro da Liga de Delos, Atenas crescia e tornava-se a cidade-estado mais forte, e conseguinte passou a considerar um ato de traição qualquer pólis que tentasse se retirar, além de posteriormente taxar como impostos as contribuições dos aliados.

E é em meio a ascensão da cidade pela liderança de Péricles que surge Aspásia e através dela a sociedade ateniense conhecerá o poder do feminino e por um átimo no Tempo a figura da mulher grega será vista sob um novo olhar...

 

A Mulher Grega na Antiguidade

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas

Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas

Elas não têm gosto ou vontade

Nem defeito nem qualidade

Têm medo apenas

Não têm sonhos, só têm presságios

O seu homem, mares, naufrágios

Lindas sirenas

Morenas”

Mulheres de Atenas

Letra e música de Chico Buarque

 

O trecho acima é apenas um pequeno fragmento da música de Chico Buarque, mas é o suficiente para retratar como era a vida das mulheres na Grécia na Antiguidade. E ao contrário do que alguns pensam, a intensão do autor não foi estimular as mulheres de hoje seguirem de fato o exemplo das atenienses e sim fazer uma ironia e alertar para que não se sujeitem ao mesmo. Para entender melhor o papel da mulher grega daquela época usarei como base a vida das mulheres de Atenas. E como exemplo metafórico lanço mão das duas mais famosas epopéias da literatura clássica: A Ilíada e A Odisséia.

As duas obras são atribuídas ao poeta Homero e juntas compõem os textos mais reverenciados na Antiguidade ao ponto de terem sido consideradas fontes de sabedoria e ensinamento.

Em a Ilíada temos o feminino fortemente representado na figura de Helena, esposa do rei espartano Menelau. Ela é sem sombras de dúvidas o “pomo da discórdia” entre gregos e troianos. Contudo não se deve deixar de lado uma outra personagem feminina, a Deusa Afrodite responsável direta pelos acontecimentos que levaram a Guerra de Tróia. Em a Odiséia figura a Rainha Penélope esposa do herói Odisseu e junto a ela a Deusa Atena, protetora desse bravo guerreiro.

Essas quatro figuras femininas em síntese representam os dois lados de uma moeda: a forma como a sociedade grega observava suas mulheres. Helena e Afrodite compõe o perfil das mulheres possuidoras de beleza ímpar, a primeira é considerada a mais bela mortal e a segunda a mais bela das imortais, que são inteligentes e argutas, demonstrando possuírem caráter dúbio, utilizando-se de subterfúgios para conseguirem o que desejam.

Por conseguinte Penélope e Atena representam o ideal de mulher, são leais, que honram os seus homens; da parte de Penélope sua fidelidade ao marido vem do compromisso do casamento e por parte de Atena o compromisso com um dos seus protegidos. Seguramente elas refletem o conceito da pureza e castidade: enquanto Penélope, sem sucumbir aos muitos pretendentes a sua mão e por extensão a sua cama, aguarda pacientemente o marido retornar da guerra, o que só ocorre vinte anos após sua partida; Atena é a Deusa que repudia totalmente o sexo em detrimento da razão.

Helana, Afrodite, Penélope e Atena são em última análise, a forma representativa das mulheres gregas divididas em dois grupos sociais: as esposas e as prostitutas.

 

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Busto de Aspásia (Museu Pio-Clementino – Vaticano)

A sociedade grega da Antiguidade claramente possuía um caráter sexista, e a posição da mulher era infinitamente inferior ao do homem.

Elas não usufruíam da mesma educação dedicada ao sexo oposto, ficando restritas a educação considerada própria para uma mulher, todas ligadas as atividades domésticas, local onde passavam a maior parte de suas vidas. Ainda solteiras na casa do pai e posteriormente na casa do marido.

Os casamentos não eram por amor e sim por negócio, sendo elas a mercadoria de troca. A escolha do pretendente era feita pelo pai. Na falta deste, por um irmão, avô ou um tutor legal e tinha o seu valor taxado onde o pretendente pagava em forma de dote. Sua função principal era de reprodutora e o casamento servia para legitimar esse aspecto.

Crianças do sexo masculino eram celebradas pois significavam a continuidade da linhagem paterna, crianças do sexo feminino não eram bem recebidas, significavam antes de qualquer coisa despesas, principalmente no futuro quando fossem casar, por tanto, não era raro o infanticídio de recém-nascidas.

A vida doméstica não mudava se comparada ao lar de seu pai, não possuíam o direito de se movimentar livremente dentro de casa, ficando a maior parte do tempo restritas ao gineceu, recinto próprio para o uso feminino.

Não deveriam dirigir a fala com muita frequência ao marido, na verdade eram estimuladas a manterem-se em silêncio. Não compartilhavam sequer o mesmo momento das refeições e se o esposo recebia amigos, ela jamais deveria comparecer ao festim.

Para tudo o mais eram consideradas insignificantes. Não possuíam direitos politico-jurídico, se ficavam viúvas não herdavam os bens do marido e eram obrigadas a casar novamente para ter um homem à administra-los ou ficar sobre a tutela de um filho ou de algum parente do sexo masculino.

Esse é o quadro geral da figura da mulher grega tomando como base conforme dito anteriormente, as atenienses. Cabe aqui acrescentar o papel da mulher espartana já que citei que não faz muito tempo o cinema trouxe à luz da Sétima Arte a obra adaptada de Frank Miller, Os 300 de Esparta.

A figura da rainha espartana Gorgó, esposa de Leônidas I, ao surgir nas telas como uma mulher forte e determinada, provavelmente lavou a alma de muitas mulheres. Heródoto e Plutarco citaram com admiração essa Grande Mulher, mas a verdade sobre a vida das mulheres espartanas está bem longe da utopia Hollywoodiana.

Alguns observadores históricos consideram que em Esparta as mulheres gozavam de um pouco mais de “liberdade” do que as atenienses, porém a histografia nos revela que não era bem por ai. As meninas, desde criança, eram estimuladas, para não dizer obrigadas, a praticar exercícios físicos e a participar de jogos; a real intenção era de que desenvolvessem excelente musculaturas, um corpo perfeito e rígido, sinal claro na concepção espartana de fertilidade.

Em público trajavam vestimentas curtas no intuito de exibirem seus corpos modelados pelos constantes exercícios, e assim mostrarem-se como mercadoria a ser avaliada por possíveis pretendentes. Existia também a crença de que os filhos nasceriam sadios e vigorosos se ambos os país fossem fortes, enfim, a mulher não passava de uma máquina parideira comparável a uma égua robusta.

Os homens quando não estavam em guerra, passavam seus dias em constantes treinamentos militares, relegando suas esposas a um segundo plano. Mas aqui, longe do controle sobre os corpos das mulheres como os atenienses tinham, as espartanas eram livres para tomar os homens que quisessem desde que esses fossem espartanos também. O intuito é de que elas dessem mais filhos para o Estado, independente de quem fosse o genitor, mas esses deveriam ser exclusivamente esparciatas.

As crianças nascidas dessas relações fora do casamento eram consideradas filhos de seu marido e quanto mais parideiras elas fossem, mais atraentes se tornavam. Os filhos homens viviam ao lado da mãe até os sete anos, depois eram separados e passavam a pertencer ao Estado que iria treina-los desde cedo nas artes da guerra.

As filhas mulheres também iniciavam aos sete anos o treinamento militar, contudo dormiam em casa. Tomavam aulas de educação sexual com suas mães e após a primeira menstruação iniciavam nas práticas do sexo.

Quando atingiam a idade entre 19 e 20 anos, pediam autorização ao Estado para casar e passavam por um teste, onde deveriam comprovar sua fertilidade ao engravidar de um escravo. A criança nascida dessa relação, assim como o escravo em questão eram posteriormente mortos.

Caso não conseguissem engravidar eram enviadas aos quarteis para assim como os homens, servirem no exército. As emoções não eram bem vindas, não havia estímulo para as artes. Uma frase dita pelas mulheres espartanas sintetiza exatamente a forma com lidavam com os sentimentos: "Meu filho, volta com teu escudo, ou em cima dele" (o que significa ao pé da letra: retornar glorioso ou morto).

Enfim, a tal “liberdade” espartana no final das contas não era muito melhor do que a opressão ateniense. Esse é o quadro da vida das mulheres casadas, atenienses e espartanas, como visto não era o que se pode chamar de inclusivo e justo. Por outro lado havia o segundo grupo de mulheres, que aparentemente estariam em oposição a condição social das casadas, porém, como dito anteriormente ambos os grupos fazem parte da face da mesma moeda.

E é em uma passagem da obra apócrifa Contra Neera, atribuída ao orador e político grego Demóstenes, que encontramos a melhor síntese para expressar o papel da mulher grega na sociedade:

"Temos cortesãs para nos dar prazer; temos concubinas para com elas coabitarmos diariamente; temos esposas com o propósito de termos filhos legítimos e de termos uma guardiã fiel de tudo o que se refere à casa".

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Aspásia – Pintura de Marie-Geneviève Bouliard (Museu de Belas Artes de Arras)

A prostituição feminina era praticada de três formas diferentes, mas antes de descreve-las apresento mais uma curiosidade, a origem etimológica da palavra prostituta:

Prostituta

Palavra de origem latina que remonta ao tronco linguístico indo-europeu.

«lat[im] prostitŭo,is,ī,ūtum,ĕre 'colocar diante, expor, apresentar à vista; pôr à venda; mercadejar com a sua eloquência; prostituir, divulgar, publicar', de pro- 'na frente, diante de' + statuĕre 'pôr, colocar, estabelecer; expor aos olhos', de stātus,us 'repouso, imobilidade; atitude, postura (de um combatente); assento, situação; estado das coisas, modo de ser', do rad[ical] de stātum, sup[i]n[o] de stāre 'estar'»

Em Histórias de Palavras - do Indo-Europeu ao Português

Ernesto d´Andrade

(Lisboa, A. Santos)

Segundo o Professor de Língua Portuguesa Paulo Tortello a explicação seria:

“Para melhor mercadejar o corpo, dispunham-se as meretrizes em altas cadeiras ou mesas à entrada dos lupanares.” (Lupanares era a forma como os romanos chamavam os prostíbulos ou bordéis)

 

Pois assim sendo, retorno a condição da prostituição feminina na Grécia antiga.

As três classes de prostitutas eram: As Dicteríades, as Auletrides e as Hetaerae.

As Dicteríades, ou Pornais, estavam na escala mais inferior, sendo formada pelas mulheres paupérrimas e, em sua grande maioria eram escravas. Cobravam valores baixíssimos e parte do que recebiam ia para as mãos de seus donos (proxeneta). Esses por sua vez, poderiam ser cidadãos, já que a exploração desse tipo de “trabalho” era considerado uma forma de rendimento como outra qualquer. Elas eram obrigadas a usar peruca amarela ou tingir os cabelos na mesma cor para quando saíssem as ruas se distinguissem das mulheres nobres.

O famoso legislador Sólon abriu bordéis estatais em seu tempo, que em sua grande maioria estavam situados em zonas de atividade. A clientela era formada principalmente por marinheiros e cidadãos pobres. Durante muito tempo as Dicteríades trabalharam nesses locais, porém, com o taxamento de impostos “sobre serviços”, foram surgindo os bordéis privados. Assim como as mulheres casadas, eram vetadas a participar de eventos públicos e não podiam possuir bens pessoais.

As Auletrides eram as prostitutas independentes, estavam acima das Dicteríades e atendiam a classe média. Eram excelentes dançarinas, cantoras ou instrumentalistas musicais. Proviam em sua maioria de famílias muito pobres e eram vendidas ainda meninas para proxeneta ou para “madames” que as instruíam desde cedo. Eram habitualmente contratadas para trabalhar em festas privadas e orgias, com uma clientela formada principalmente por jovens entre 21 a 30 anos. Assim como as mulheres casadas e as Dicteríades, não podiam participar de eventos públicos e também não podiam possuir bens pessoais.

As Hetaerae, ou amigas intimas, eram a elite, as cortesãs de luxo de extremo refinamento. Pode-se dizer que eram a versão grega das gueixas japonesas. Possuíam instrução completa, eram versadas em Ciências, Filosofia, retórica, política, artes, música, dança, teatro, instrumentos musicais, línguas estrangeiras, além de serem belíssimas.

Eram treinadas a partir dos 18 anos e proviam das famílias nobres. Safo de Lesbos foi uma das grandes mestras em seu tempo (anterior ao de Aspásia), tendo fundado uma escola para essas moças. Participavam de eventos públicos, banquetes ou debates de filosofia e política. Possuíam liberdade de locomoção dentro e fora de Atenas e nas Cidades-Estados aliadas.

E é como uma das mais famosas hetaerae da Antiguidade que Aspásia entrará para a História.

Só para complementar antes de adentrar de vez a vida de Aspásia, é preciso que fique claro que, apesar de exercerem papeis diferentes na sociedade, mulheres casadas e prostitutas não diferenciavam muito umas das outras, todas carregavam o triste destino de terem nascido em um tempo e lugar onde o feminino era depreciado.

Mesmo as hetaerae, que gozavam de certas regalias e eram muito admiradas, tinham que conviver com fato de que nunca seriam equiparada ao nível dos homens por serem mulheres. Quanto a vida pública, as mulheres de todas as classes eram permitidas participar de alguns festejos como as celebrações em honra a Deusa Deméter e de sua filha Perséfone e as festas dionisíacas.

Vale ressaltar ainda que esses dois grupos de mulheres representavam as duas pontas de uma reta, no meio desse caminho existiam as sacerdotisas com a função de Oráculo, as chamadas Pítias, mas destas irei falar no artigo sobre Sagrado Feminino.

 

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Escultura de Aspásia (localizada na Grécia)

“Nos tempos de Péricles, Aspásia foi a mulher mais famosa de Atenas.

O que também poderia ser dito de outra maneira: nos tempos de Aspásia, Péricles foi o homem mais famoso de Atenas.”

Fragmento do livro Espelhos – Uma História Quase Universal, de Eduardo Galeano

 

A vida de Aspásia, assim como de todas as Grandes Mulheres do Passado, nos chegou em pequenos fragmentos.

Sabe-se que nasceu provavelmente em 470 a.C., na colônia de Mileto, na atual Turquia. Era bela, inteligente e bem falante. Em 450 a.C. migra para Atenas, onde passar a viver como estrangeira residente onde posteriormente conhece Péricles, com quem iria manter uma intensa relação.

Tornaram-se amantes por volta de 440 a.C. e a paixão entre os dois alçou um patamar que não era bem visto pelos opositores do líder ateniense. Ele era casado e sua esposa da qual não se sabe o nome, lhe dera dois filhos. Contudo, não resistiu ao amor profundo que sentia pela amante, uma lei criada por ele mesmo que impedia um cidadão ateniense casar com um estrangeiro não foi motivo suficiente para impedi-lo de se divorciar da esposa para viver ao lado de Aspásia.

O amor que viviam quebrava regras de comportamento, diziam que Péricles raramente se ausentava de seu lado e quando assim o fazia, dava-lhe um beijo a porta da entrada de casa, na saída e na volta, isso aos olhos de todos.

Os historiadores de seu tempo alegavam que a residência de Aspásia tornara-se um grande pólo de cultura, onde se debatia livremente as artes, a ciência, a filosofia e política, muito semelhante ao que mais tarde seriam os salões franceses do Iluminismo.

Tornou-se professora de retórica e sua casa era frequentada por grandes nomes, entre eles o filósofo Sócrates, que a admirava “pela rara sabedoria política”. Péricles dizia que era Aspásia quem escrevia os grandes discursos lidos por ele.

Ela era como uma rainha sem coroa, a Primeira-Dama não reconhecida oficialmente mas que com certeza possuía forte influencia sobre o marido. Em 440 a.C. a cidade-estado de Samos entra em guerra com Mileto pela posse da cidade de Priene. Atenas impõe que as batalhas cessem e que a arbitragem seja decidida por ela no que é ignorada por Samos. Péricles então assina um decreto enviando uma expedição e nessa campanha muitos soldados atenienses morreram até Samos ser derrotada.

De acordo com Plutarco, Péricles só tomou a decisão de atacar por aconselhamento de Aspásia, que era natural de Mileto. A influência dela sobre o líder grego começou a incomodar tanto seus inimigos, que esses tramaram para destruir de vez o casal.

Um processo público foi seguido de uma denúncia contra Aspásia no Areópago pelo crime de ter ofendido os deuses. Um crime muito sério na época e que podia ser punido com a morte. Compareceu perante um tribunal composto por 1500 homens para responder esta acusação. Péricles toma a sua defesa e durante três horas faz um discurso apaixonado, utilizando sua eloquência, prestígio e até mesmo suas lágrimas para garantir a absolvição de sua amada.

Não muito tempo depois eclode a Guerra do Peloponeso. O dramaturgo Aristófanes, um dos inimigos declarado de Péricles, acusa Aspásia, em sua comédia Acharnians, de ser a responsável por influenciar o líder ateniense de levar Atenas a entrar em guerra com Esparta.

Não existe respaldo histórico para tal acusação, independente da influência de Aspásia sobre Péricles. A verdade é que Esparta a muito buscava um motivo para um confronto com Atenas, pois temia-lhe o crescente poder e riqueza, e esse motivo se deu quando Corcira, colônia de Corinto, buscou aliança com Atenas. Corinto era aliada de Esparta o que em tese obrigaria Corcira por extensão fazer o mesmo. Com os dois lados em tensão permanente, foi preciso apenas Corinto pressionar Esparta para que a guerra fosse deflagrada.

Com a invasão de Esparta a Ática, Péricles convence os atenienses a refugiar a gigantesca população dentro das longas muralhas que ligavam Atenas ao seu porto. Porém, as más condições de higiene, e o fato de ser um espaço pequeno demais para tantas pessoas, acarretou em uma grande epidemia que se abateu sobre eles, matando quase um terço da população. Entre os mortos encontrava-se o próprio Péricles e seus dois filhos do primeiro casamento.

Pouco antes de morrer, os atenienses mudaram a lei que limitava a cidadania aos nascidos de pai e mãe atenienses para uma que considerava a cidadania apenas por parte de pai concedendo assim ao filho que Aspásia tivera com Péricles, a cidadania e conseguinte, legitimando-o como único herdeiro.

Após a morte do marido, ela casou-se com um general ateniense, Lysicles, que sob sua influência e ensinamentos tornou-se um excelente orador, assumindo um posto de magistrado. Com ele, teve mais um filho e ficou novamente viúva em 428 a.C., quando o esposo morreu em batalha.

Pouco se sabe o que aconteceu com Aspásia após a segunda viuvez. Acredita-se que tenha se retirado da vida pública e continuado a administrar suas aulas de retórica. Sua morte é datada em aproximadamente em 401 a 400 a.C.

Os escritores mais importantes do mundo antigo, como Platão, Xenofonte, Plutarco e Cícero mencionam em suas obras o nome de Aspásia com elogios as suas qualidades. Contudo, essa Grande Mulher do Passado, apesar da imensa colaboração para o desenvolvimento da cultura em Atenas e certamente para todo o mundo posterior, foi relegada aos calabouços da História sendo lembrada - quando é lembrada - apenas como a concubina de um dos homens mais exaltados na histografia mundial.

Abaixo seguem cinco vídeos que compõe o documentário realizado pelo canal History Channel: Construindo um Império – Grécia.

Nele vocês encontrarão o surgimento, o apogeu e o declínio de Atenas, assim como a história de Aspásia e Péricles.

 

Parte 2 - Parte 3 - Parte 4 - Parte 5

13 Comentaram...

Anônimo disse...

Cara Dolphin, tudo bem?

Uma dúvida, o que foio período das Trevas na História grega? Gostaria das referências bibliográficas, uma vez que sou historiador e não conheço este momento.
Obrigado e trata-se apenas de uma dúvida já que a antiguidade não é minha especialidade.

Dolphin disse...

Olá Anônimo!

Juro que eu ia colocar a bibliografia junto com as fontes secundárias, mas como terminei ontem o artigo e bem tarde, o cansaço me fez ficar preguiçosa. Remediarei isso ainda hoje!

Mas vamos a sua dúvida.

O Período chamado de Idade das Trevas teve inicio após o fim da civilização micênica. Ocorreu um empobrecimento cultural, a escrita simplesmente desapareceu e houve uma diminuição na população.

O interessante é que apesar de tudo isso as obras de Homero são desse período. O que leva a reflexão... se a Guerra de Tróia realmente ocorreu é possível que o estrago causado durante tantos anos de combate tenha contribuido muito para esse retrocesso.

E olha que curioso, acabei de receber um e-mail com esse link aqui:

http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/0,,MUL1312968-7084,00-ARQUEOLOGOS+TURCOS+ENCONTRAM+CADAVERES+DA+GUERRA+DE+TROIA.html

Me perdoe escrever tão pouco mas além de corrida, eu pretendo em um futuro próximo escrever sobre Sagrado Feminino e irei com isso falar de Creta e a cultura minóica e provavelmente me estender até a Idade das Trevas para falar com mais profundidade sobre as personagens femininas das obras de Homero.

E quanto a Antiguidade não ser a sua especialidade, tranquilo, confesso que História Contemporânea é o que calcanhar de Aquiles!

Não poderia perder a deixa de fazer um trocadilho! ^_~

Anônimo disse...

AMÉM!!

Carol Rezende disse...

Queria parabenizar ao Dolphin pelo belo post escrito. Ficou muito bom mesmo, e é muito válido sabermos das mulheres que tanto influenciaram no mundo.

Mais uma vez: Parabéns!

Panthro Samah disse...

Muito bacana, mandei pra umas amigas minhas.

Nilto, o Junio disse...

Muito maneiro, muito maneiro mesmo, mas acho que podia ser um pouco mais sucinto(minha opinião), por favor não pensem que é uma atitude machista, mas é que esse tipo de post(lógico) atrai a atenção da mulherada, mas também é de suma importancia que os cuecas leem, e já que fala de mulher e "coisas de mulher" e por ser um post pra muitos grande demais, muitos caras deixam de ler. Mas ficou do caralho

Velho da Montanha disse...

Muito Boa essa sua seria, sem duvida uma leitura Gostosa e Vibrante, eu admiro as mulheres na história, tenho um grande Prazer em ler sobre elas e saber Como Deram sua contribuição.Acompanho com grande inTeresse.

Parece que existem duas Dolphins, uma que escreve esta séria e outra que faz comentários, mas isso é normal, todas as mulheres tem tripla personalidade, parabens.

Dolphin disse...

Passando rapidinho para dar bom dia!

Ao amigo Anônimo, decidi que colocarei em breve um adendo aqui no Alma Mater com toda a bibliografia consultada até agora para falar de Hipátia, Safo, Boudicca e Aspásia.

Carol, obrigada e te espero para trocarmos figurinhas lá no twitter! =D

Junim, obrigada também pelo carinho mas quanto a escrever menos para atrair o interesse dos boys realmente não considero relevante.
Veja, não escrevo pensando apenas nas leitoras que por sinal nem são tantas assim, de fato gostaria de ver muito mais garotas por aqui não só lendo a minha coluna mas todo o conteúdo do blog.
Enfim, os boys precisam deixar de lado o desinteresse pelo hábito da leitura e praticá-lo constantemente. Ler é saudável, melhora a ortografia, a gramática, expande a mente e aumenta o nível de saber.
Eu estou dando a vocês o meu melhor ao escrever essa coluna, você não faz idéia do quanto é cansativo e trabalhoso buscar fontes sérias, separá-las, compará-las, formar opinião e por fim escrever um texto de fácil compreensão. Não vou mesmo diminuir a quantidade de caracteres para agradar um grupo e isso não é sexismo ou revanchismo ok? Mas vamos combinar, o que você me pede não parece muito com o que o patriarcado vem fazendo a séculos com a história do feminino, diminuindo-a para agradar aos homens? ^_~

Mauro, você é um caso a parte. Primeiro de coração, obrigada pelo elogio ao artigo e a coluna. Mas quanto a dizer que existem duas Dolphin, eu poderia brincar dizendo que é por ai já que sou do signo de Gêmeos, mas não, e nem tenho tríplice personalidade como você afirmou que as mulheres tem. Nem dupla e nem tripla, como toda mulher eu tenho uma multipla personalidade, culpa da castração terrível que o Patriarcado nos infringiu ao longo de mais de cinco mil anos, fomos desfragmentadas em nossas psiques. Mas falarei disso no próximo artigo do Alma Mater sobre Sagrado Feminino onde farei questão de trazer o maravilhoso trabalho de Carl Jung sobre inconciente coletivo. Todavia, quanto aos meus comentários ao qual você se refere, sejamos sinceros, você pede pela para que eu seja irônica e debochada.
Posso usar o mesmo argumento, parece que existem dois Mauros, um que se comporta daquele jeito horrível e outro que se mostra de extrema educação e finura aqui. Reparou que quando você quer, você recebe carinho e atenção na mesma medida? Gentileza gera gentileza dizia o inesquecível José Datrino, o Profeta Gentileza. Pense nisso, ok!

Beijos à todos e obrigada mais uma vez!

Velho da Montanha disse...

Eu estudei Jung, aprecio as ideias dele, vou aguardar, mas acho um desperdicio vc postar isso em um site de molekes que não pensam em nada além de pornografia e videogame.

Vc devia ter um site próprio.

Cristine Martin disse...

Sensacional, Dolphin!

Adorei seu artigo, voc~e fez uma bela pesquisa. Ao mostrar o contexto histórico e social antes de mergulharmos na biografia de Aspásia, você nos trouxe, além de uma história interessante, uma verdadeira aula de História!

Vou aguardar o artigo sobre o Sagrado Feminino, um assunto que vai dar muito pano pra manga... você vai falar só sobre a antiguidade, ou vai abordar também a cultura celta (sacerdotisas, Avalon, druidas e afins)?

Beijão, e parabéns!

Anônimo disse...

Uma observação: O texto dá a entender que Péricles e seus dois filhos do primeiro casamento morrem devido à peste ateniense. Porém, no documentário o historiador diz que ele morreu em seu leito, de velho. Qual das duas versões é a mais acurada?

Eu adoro a sua coluna, considero uma das melhores dentre os blogs brasileiros que conheço. Parabéns!

Joelma Alves disse...

Dolphin,mais uma vez vc tá de parabéns!!Não só pelo post mas pelas respostas q vc dá nos coments(adoooro).
Eu acho mt legal o jeito q vc consegue mudar de assunto pra explicar algo e dpois voltar ao tema central sem fazem com q a gente fique perdido.
Como a Cristiane,acho a cultura celta td d bom!!Posts sobre isso,please!!
Aproveitando a idéia do Mário(q só pq estudou Jung se acha melhor q os outros),vc podia ter um blog só seu tbm,pra poder falar de vários temas,e não só sobre as Grandes Mulheres da Antiguidade =D Que nem o Del Debbio do Sedentário,posta na MELHOR coluna de lá e tem um blog só dele com posts ótimos!
Auardo o próximo post =D
Ah,e pode fazer posts maiores q esse,q vai ter mt genteq vai adorar ler!
=*

Beth Ghimel disse...

Em relação a opinião do Prof Paulo Tortello:

Segundo o Professor de Língua Portuguesa Paulo Tortello a explicação seria:
Para melhor mercadejar o corpo, dispunham-se as meretrizes em altas cadeiras ou mesas à entrada dos lupanares.” (Lupanares era a forma como os romanos chamavam os prostíbulos ou bordéis)
____xx_____

Vale ressaltar que a palavra Prostituta desde a antiguidade significa aquela que se prosta diante de...(deuses)e se referia as sacerdotisas de um tempo em que o sexo não era visto como imoral e sim sacro.Sacerdotisas q eram veneradas e respeitadas, as quais os homens iam procurar para ligarem-se as Deusas, as quais elas representavam e em troca faziam doações aos seus templos que tinham ai seu sustento. E qt a palavra meterizes, eram as sacerdotisas da Deusa egipcia Meret, Deusa da dança, da festividade e da alegria, uma deusa cujas informações foram perdidas atraves do tempo patriarcal que a sepultou.

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