Por Ana Recalde
Crônica
Estavam ali, todas as coisas que eu mais odiava no mundo. Como um simples momento pode parecer tão odioso? A pia cheia de louça, uma barata andando no chão e “ela”! Não exatamente ela, mas aquele olhar, o jeito de cruzar os braços, o lábio inferior torcido e aquele completamente irritante som do sapato de salto dela batendo no chão de taco. Eu sempre odiei isso.
Quando nos casamos, foi ela quem escolheu: o piso seria de taco! No inicio eu não ligava, ela disse que era mais fácil de limpar e tal, eu nem ligava. O problema foi quando ela decidiu que iria usar só salto.
No começo era normal, mas depois de dois anos o barulho se tornou insuportável.
Bom, voltando à cena inicial… era o inferno de Dante! Ela me olhava como se quisesse que eu falasse alguma coisa, e eu só ficava olhando para a pia e para o chão. Sabe… eu tenho pavor de barata! Eu não sei exatamente porque nós estávamos brigando, mas eu baixei a cabeça, como sempre.
Saí! De cabeça baixa, mas saí!
As duas da tarde de um sábado eu saí. Não briguei nem nada, afinal ela tinha certo ponto de razão, no ponto de vista dela. Não saí de carro, estava de cabeça cheia e decidi andar. O metrô estava um inferno, cheio de gente. Eu odeio o metrô lotado, mas, de certa forma, naquele dia eu estava inspirado, calmo! Sabe quando a gente está tão fulo da vida que as coisas não importam mais?
E como se num passo de mágica, ou num relance de olhar, eu vi a coisa mais linda que existia no mundo.
Meus olhos se iluminaram de tal forma que eu podia até mergulhar naqueles mares verdes. Meninas dos seus olhos. A moça parecia me olhar fixamente, tanto quanto eu olhava para ela. Meu mundo caiu. Tudo passou a ser bobagem, futilidade. Briguinhas de casal e coisas assim, o mundo era perfeito. E os seios dela também.
Ela se levantou, e instintivamente eu também. Não conhecia ninguém naquela estação, não sabia exatamente onde da cidade eu me encontrava, mas estava feliz, eu a estava seguindo.
Aquilo era excitante.
Eu estava seguindo uma moça desconhecida, e completamente linda. Poder de ver e não ser visto, pelo menos até onde eu sabia naquele momento. Na infância meu maior sonho era me tornar um detetive, e particularmente eu sempre gostei de um pouco de voyeurismo.
Poucas quadras depois do metrô ela entrou num pequeno hotel, e eu fiquei em dúvida se deveria entrar ou não, afinal qual era o ponto daquilo tudo? Um pequeno fetiche sendo realizado? Mas, ela não me deixou pensar, e enquanto eu passava pela porta do hotel ela olhava fixamente para mim e me mostrava uma chave com o número 12.
Dali até todas as minhas fantasias sexuais foi um lance de escada. Eu não achei que coisas como aquela eram possíveis, e eu nem sabia o nome dela! Depois de três horas inesquecíveis dentro de um quarto deixei cento e cinqüenta reais na cômoda e fui para casa.
Tudo que eu pude pensar no caminho foi em lavar a louça e onde, raios, eu compraria a cera para o taco?
5 Comentaram...
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eu tb odeio barulho de salto em chão de taco!!!!!!
Ah, gostei da crônica, me senti curiosamente estranho lendo.
Muito boa! Ah, e sim, barulho de salto em piso de taco é insuportável uaheuioaheui
:D Eu gosto do barulho. Sinceramente acho até sex. Quando eu lembro do barulho imagino uma mulher deslumbrante se aproximando. Deve ser o salto sei lá.
Mais nesse caso o que incomoda o personagem é a rotina, não é que ele não goste da mulher dele só, é pouco frustrado e ranzinza. Com o tempo em um relacionamento todo mundo sente falta de aventura mesmo que nunca tenha tido uma. :D
:D
Me lembra Clarice Lispector
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