segunda-feira, 29 de junho de 2009

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Alma Mater #2 - Safo de Lesbos

Por Dolphin

 

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“Há quem afirme serem nove as musas. Que erro! Pois não vêem que Safo de Lesbos é a décima?”

Platão

 

Quando surgiu a oportunidade de escrever essa coluna para falar das Grandes Mulheres do Passado me perguntei até onde eu deveria ir. Cair no lugar comum de resumir biografias ou ir além, deixar de ser imparcial e permitir que a emoção flui-se?

Escrever sobre Safo de Lesbos foi motivo para mais uma vez me questionar… sua vida chegou-nos envolvida em muitas suposições, em geral revestidas de questionáveis verdades deixando de lado evidências históricas. Não vou negar que fiquei na dúvida sobre qual caminho seguir: apresentar a vocês leitores o feijão com arroz, ou lhes dar algo a mais, mesmo correndo o risco de criar polêmica? Nesse momento foi imprescindível o apoio incondicional do nosso Editor-Chefe. As palavras do FiliPêra foram decisivas: Um bom texto nunca é imparcial. Portanto, é isso o que vocês irão encontrar aqui: um texto com toda a minha visão pessoal apoiada por pesquisas diversas. Com ela aponto o meu dedo para o que considero uma das maiores falhas históricas e por tabela exponho meu desgosto com a herança patriarcal que herdamos!

Safo, ou Psappha, como ela própria assinava no dialeto eólico próprio de sua terra - a ilha grega de Lesbos - nasceu entre 630 a 612 a.C. em uma família rica da cidade de Eressos. Mas, ainda criança, mudou-se para a capital Mitilene, um grande pólo cultural na época. Para as mulheres gregas não havia espaço além do âmbito doméstico: suas vidas resumiam-se a cuidar da casa e eram vistas pelos homens como menos do que nada. Mesmo a função de reprodutora era apenas considerada como necessária para perpetuar a família através da linhagem paterna. Safo, pela condição aristocrática, possuía um pouco mais de direitos, sendo permitida às mulheres dessa classe uma educação calcada no aprendizado da dança, retórica e poética. E graças a isso foi, sem dúvida alguma, a maior poetisa da Antiguidade.

Ainda jovem foi deportada para a cidade de Pirro sob a acusação de conspirar contra o ditador Pitaco. Quando retornou e ainda temendo-lhe as palavras, ele a exilou na Sicília. Lá conheceu um rico comerciante com quem se casou. Ele veio posteriormente a falecer, deixando-a viúva cedo e com uma filha.

Não há indícios em sua poesia de uma propensão à política; provavelmente suas palavras eram consideradas perigosas por serem a descrição fiel das emoções e sentimentos. A Grécia helenística, com sua postura racional, desprezava a observação das emoções em detrimento a contemplação filosófica. Vale aqui ressaltar que o estudo da filosofia era considerado de autonomia dos homens, pois a idéia vigente, como Aristóteles afirmava, era que as mulheres possuíam um cérebro menor. Nas palavras de Pitágoras “existe um princípio bom que gerou a ordem, a luz e o homem; há um princípio mau que gerou o caos, as trevas e a mulher”. Certamente os poemas de Safo deveriam ser considerados suspeitos por expor sentimentos como o amor, a tristeza e o medo. Suas palavras eram tão eloquentes que médicos chegavam a diagnósticos utilizando-as como referência. Suas descrições acerca de uma série de sintomas físicos levou Plutarco a descrever o caso de um jovem enfermo:

 

“Erasístrato percebeu que a presença de outras mulheres não produzia efeito algum nele. Mas quando Estratonice aparecia, só ou em companhia de Seleuco, para vê-lo, Erasístrato observava em si todos os sintomas famosos de Safo: sua voz mal se articulava. Seu rosto se ruborizava. Um suor súbito irrompia através de sua pele. Os batimentos do coração se faziam irregulares e violentos. Incapaz de tolerar o excesso de sua própria paixão, ele tombava em estado de desmaio, de prostração, de palidez.”

Sua vida tornou-se de fato polêmica quando retornou a Mitilene decidida a proporcionar as jovens mentes femininas um estudo mais abrangente, fundando assim uma escola só para moças. Nesse ponto fatos históricos e lendas se cruzam e misturam-se. Sabe-se que ensinava às suas discípulas dança, música e poesia; chamava-as de hetairai, que significa amiga, nunca de alunas. Seu suposto envolvimento com elas foi o que deu origem ao termo lésbica ou amor sáfico, para descrever a relação sexual entre mulheres. A lenda em torno de sua homossexualidade perdurou até os dias de hoje devido aos fragmentos de poemas que sobreviveram ao tempo. Neles são encontrados versos dedicados às suas jovens discípulas e em especial a sua favorita, Átis. Isso foi o suficiente para que historiadores chegassem a conclusão de que a poetisa envolvia-se com as jovens ensinando-as as artes do amor. Cabe aqui esclarecer um ponto que foi totalmente desconsiderado: o fato de Safo ser devota da Deusa Afrodite, o que torna pertinente questionar a visão de que fora homossexual.

O culto a Afrodite chegou-nos com uma visão preconceituosa dada o forma como suas lendas foram perpetuadas. Sua sexualidade livre não encontrou lugar nas mentes embolotadas, castradas e racionais do período helênico e assim o continua. Muito antes dos gregos importarem seu culto ela era uma das representações da Grande Mãe em Chipre e sua popularidade se espalhou por toda a Grécia clássica. Representava em sua essência o Sagrado Feminino, tanto que em seu templo em Corinto era praticada a prostituição religiosa, aonde os homens iam em busca de contato e benções dessa deusa através de suas sacerdotisas… a relação sexual com elas era um canal direto com Afrodite.

 

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É provável que a escola de Safo tenha sido na verdade um local de ensinamento dos Mistérios de Afrodite, seus poemas dedicados às alunas eram escritos no intuito de prestar homenagens às jovens quando essas se casavam. Esses poemas eram recitados pelas amigas da noiva e certamente possuíam o caráter de serem bênçãos. Não descarto a possibilidade de a poetisa ter se envolvido amorosamente com qualquer uma de suas hetairai, o que continuaria a fazer parte do pensamento liberto do culto a Afrodite, mas é pouco provável que isso tenha ocorrido de fato. Contudo, a época em que Safo fundou sua escola a imagem de Afrodite já era outra aos olhos da sociedade helenista de caráter fortemente patriarcal tanto que seu nome romano, Vênus, deu origem a nomenclaturas de conotação negativa como a palavra venéria. Com isso, a escola não demorou muito para cair na ira de pais zelosos que começaram a afastar suas filhas da influência da professora, não muito tempo depois foi fechada.

No século III a.C. eruditos alexandrinos reuniram sua obra em nove livros que infelizmente não chegaram a nós devido a intolerância da igreja. Considerada pornográfica pelos monges copistas na Idade Média, foram queimadas. Sobreviveram fragmentos e um poema completo.

Safo foi certamente única, foi comparada a Homero sendo chamada de “A Poetisa” e considerada uma dos “Noves Poetas Líricos”.

9 Comentaram...

Carlos Rauta disse...

Post bem escrito. Dificil é fazer bilhões de pessoas acreditarem. A ignorância é o BETA humano.

Fast Caz disse...

Parabéns Dolphin, adoro seus textos.
Acho que acertou em cheio em imprimir sua opinião
pessoal, com certeza uma visão mais acertada sobre a história dessa Grande Mulher.

Aperipe disse...

Antes de falar quero reconhecer minha ignorância sobre essa poetisa, mas ao longo do texto foi citado que a Grécia helenística, com sua postura racional, desprezava a observação das emoções. há um equivoco nessa afirmação pois, se a poetisa nasce por volta de 630 a.C. a 612 a.C., ela foi contenporanea dos primeiros filósofos pré socraticos, ou seja no nascimento da filosofia grega, epoca na qual os poetas eram muito mais considerados que os filósofos, pelos gregos, vide como exemplo Sócrates(sec. V a.C.) que foi condenado a morte por subverter as tradições gregas com seu pensamento, além disso não sei qual a periodização temporal que você utilizou, mas a tradicional estabelece o período helenistico da história grega com o reinado de Alexandre o Grande por volta de 336 a.C., não sendo assim o período no qual Safo viveu. Dessa forma, ao meu ver, não foi a filosofia, o grande algoz desta poetisa grega, como deu a entender no texto.

Dolphin disse...

Aperipe, deixe-me partir de onde você parou. Certamente Safo viveu no período pré-socratico e o que eu expus em relação à visão racional é justamente pelo fato de que a observação das emoções como a Poetisa fazia não eram consideradas, tanto que justamente por isso ela se destacou entre os seus. É possível e sinceramente considero 99,9% a possibilidade de que as emoções não eram vistas dessa forma por provavelmente terem forte co-relação ao aspecto feminino. Não podemos esquecer que gregos e romanos descendem em boa parte de uma raiz indo-européia e a cultura desses povos até onde eu sei é calcada em uma valorização do masculino em detrimento do feminino, isso é fato. Mas agradeço sinceramente pela correção sobre o equívoco de períodos, mas mantenho a minha observação pessoal sobre o pensamento filosófico recorrente a época, as palavras de Pitágoras confirmam o que digo e as de Aristóteles posteriormente só sacramentam. Não estou afirmando que a Filosofia foi a única culpada pela forma como as mulheres eram tratadas, mas certamente considero que o pensamento racional e masculino contribuiu fortemente para isso. No mais é realmente bom ver que os leitores do blog estão atentos e dispostos a enriquecer o debate e acrescentar sempre mais e mais...

Joelma Alves disse...

Já estava me preguntando quando teria outro post da Alma Mater!
O texto está excelente e eu fico aqui imaginando quais serão as mulheres sobre as quais vc irá escrever.
Uma coisa que eu sempre pensei,e que qndo leio a Coluna torno a pensar,é em como seria o MUNDO se as mulheres,e não os homens,fossem os grandes líderes,não só políticos,mas também religiosos.Se as mulheres tivessem tido o direito de se expressar,de lutar,de não serem massacradas pela Igreja e pela sociedade.
Com essa coluna acho que vc está mostrando como poderia ter sido.
Obrigada Dolphin. ^^

Max, O Observador disse...

Uma pequena curiosidade: os gregos tem 3 definiçõpes para amor: seriam equivalentes à caridade, à companhia e ao erótico.
um seria o amor pelo seu semelhante, o segundo pela personalidade da pessoa, e o terceiro seria o tesão mesmo.

O problema é que para eles pode haver mais de um tipo de amor por uma pessoa, sendo que muitas vezes, na nossa visão, eles se acabam confundindo. Pode ser que vc tenha uma vontade de transar com certa pessoa, mas ache ela insuportável, ou que vc tenha desejo de simplesmente estar com essa pessoa, como um amigo, ou simplesmente se apiedar de alguém e ajudar gratuitamente, ou tb duas ou mais alternativas acima, como uma amizade colorida, por exemplo.

há correntes que dizem que ela ñ era lésbica, mas sim tinha uma amizade profunda (eu tenho uma amiga que todo mundo pensa que eu estou afim dela, qdo eu ñ estou...), que por muitas vezes é mal interpretada por certos historiadores, (tipo aqueles que vêem um pênis na porta de uma casa dessa época e já diz que era um prostíbulo...)

outro detalhe interessante: o culto a Afrodite possuía como uma das fontes de renda, como o estado, a prostituição de escravas, principalmente no uso do sexo anal, da camisa de vênus(vênus é o nome romano de afrodite) como método anticoncepcional, mas mesmo assim, foi só beeeem pra frente da história do culto afrodisíaco, qdo passou a ser associado à promiscuidade.

ps: o papel da mulher na cultura indo-européia é beeeem mais interessante do que vc pensa, e digo mais: se eu não me engano, o fato de Pitagorás dizer isso se deve ao fato de que convenhamos, qdo uma mulher quer realmente algo, ela consegue. E sem falar que as palavras de Aristóteles se devem ao tamanho menor médio das mulheres (sim, mulheres tem realmente cérebro menores, é uma questão de anatomia), e então deduziu que deveriam ter uma inteligência menor (o que faz sentido, pela lógica aristotélica, e que eu discordo, antes que caiam em cima de mim :-) )mas o que eu digo, é que 2 homens qdo brigam por uma mulher, pode sair coisas como a guerra de tróia, a Odisséia, várias tragédias gregas sobre o tema, saga de Camelot, etc. e como é mais fácil culpar algo pelo nossos erros, culpam-se as mulheres...

só para fechar: peloAmordeDeus, eu ñ acho as mulheres inferiores, mas que os homens (EM GERAL) possuem melhor raciocínio lógico, é cientificamente comprovado, mas que as mulheres possuem EM GERAL maior capacidade de comunicação, de análise passional, de explanação, etc. Por isso eu digo que tudo depende da pessoa. simples assim. pelo amor de deus, mas uma vez, eu ñ acho os homens superiores às mulheres, eu diria que apenas diferentes (graças à Deus)

Anônimo disse...

Caríssimo Dolphin, São poucas as pessoas q desfiam pelo tema Gênero de forma tão fluente e, não direi simples, pois a amplitude do tema não permite a simplicidade nem superficialidade, porém de tal maneira que permite q mesmo apenas interessados em História, sem ter formação acadêmica conseguem acompanhar. Ainda mais ao tratar de nossa adorada décima musa, Safo. Obrigada por mais essa pérola.

Beth Ghimel disse...

Pesquisando Boadicea, cheguei a Alma Mater e não deixarei mais de vir, já pus em favoritos. Ao comentario do Max, acima,lembro que:
"350-1220 AC: Os egípcios usavam “capinhas” de espada em volta do pênis para proteger contra insetos, ferimentos e picadas de mosquito.
100 - 200 DC: Pinturas encontradas nas cavernas de Dordogne, no sul da França, mostram que o homem já usava preservativos."
e gostaria de saber em quais fontes conheceu o fato do culto a afrodite ter a função da escravatura de mulheres a fins de sexo anal , principalmente, creio q se verificar bem verá que isso ocorre já no periodo cristão, declinio dos deuses gregos.Seu culto era antes, associado a perpetuação das especies entre outroas funções.
Qt ao cerebro menor das mulheres, é bom lembrar que não é a quantidade de neuronios que importa e sim o qt se usa os q se tem.rsrs
Adorei a coluna.Parabens pele iniciativa de aumentar as trincheiras da luta a favor do resgate do sagrado feminino, da importancia da mulher na historia e na explicação do pq fomos mutiladas.

baÚd'azamigas disse...

parabens... foi de grande valia a sua pesquisa... Estou fazendo exatamente um trabalho sobre essa questão de como foi se constituindo a mulher .. violências midiáticas e modos de subjetivação.. o que tido como prostituição e a forma como as mulheres ainda encaram as exigencias e o que recái sobre seus antigos papéis que ainda permanecem na sociedade.
Bruna Coelho Fernandes ( Belo Horizonte, MG)

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