segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Avatar FiliPêra

O Terror no Afeganistão na Tela Grande

 

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Quando pensamos em uma guerra escrota recente dos americanos, logo vem à mente a segunda incursão dos EUA no Iraque - com direito a Bush Filho imitando o pai - e todas as suas implicações petrolíferas e os ganhos de empresas de políticos, como a Halliburton. Mas antes de Saddam Hussein e sua galera serem caçados pelos “Defensores da Liberdade”, o Afeganistão percebeu que os desengonçados soldados americanos podem fazer um estrago maldito em um país quando estão com pensamentos capitalistas extremos na cabeça. E ao contrário do que rolou no Iraque quase dois anos depois, o mundo não estava nem aí para a caça de supostos fundamentalistas que mandavam na terra onde Osama Bin Laden supostamente estava: o Afeganistão.

E para mostrar que os tempos mudaram no mundo espetaculoso do entretenimento, pipocaram por aí filmes praticamente documentais com coisas que os jornais não mostravam por estarem vivendo um novo tempo da era da comunicação. Em resumo, esse novo tempo diz respeito a uma declaração de Bush Filho afirmando após o 11/9, que tempos de guerra estavam começando, o que em essência significa que não devemos confiar na imprensa, pois grande parte dela está participando dos esforços de guerra junto com o governo. E isso inclui desinformar a população.

Dessa forma, teoricamente, cineastas estariam mais livres para falarem a verdade do que a imensa maioria dos órgãos jornalísticos, mesmo que sob uma ótica própria e muito particular. E dois filmes que assisti recentemente mostram isso muito bem: The Road to Guantanamo e September Tapes.

Assim como veículos da dita mídia alternativa - que recebem esse rótulo por possuírem em seus contratos, a garantia de liberdade editorial -, como a revista New Yorker (que expôs ao mundo a sandice de Abu Ghraib) e a Vanity Fair (que fez uma belíssima reportagem sobre o governo americano estar usando o fator medo para mentir a respeito da questão nuclear) que não perderam tempo e mostraram ao mundo os abusos cometidos pelas forças americanas em nome da paz mundial, esses cineastas mostraram dois aspectos da guerra afegã. Em The Road to Guantanamo vemos como os prisioneiros são mal tratados, às vezes à troco de nada, e em September Tapes são mostradas sutilezas sobre a questão que teria levado os americanos a terra dos Talibãs: Osama Bin Laden.

 

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A invasão ao Afeganistão ocorreu um mês depois dos atentados ao World Trade Center (não vou entrar no mérito das Teorias da Conspiração a respeito dos atentados. Deixemos isso pra outra hora…), quando Osama Bin Laden resolveu que era uma boa hora de tocar fogo no mundo, começando pelo Grande Satã. No mesmo dia estava declarada a guerra contra o terrorismo, embora forças americanas já atuassem no Afeganistão havia vários anos.

A guerra ficou conhecida pelo seu nome militar, Operação Liberdade Duradoura, e se centrou na hostilidade da Aliança do Norte ao regime talibã (acredite, eles são tão escrotos quanto os talibãs), com os americanos se limitando a darem apoio tático. Com o tempo, e derrotas homéricas da Aliança do Norte, os comedores de Big Mac decidiram começar uma guerra de verdade e lotaram o Afeganistão de soldados.

Com poucas semanas declararam vitória, mas os talibãs logo recuperaram suas forças e adotaram a tática de criarem bolsões de resistência em vários lugares, dando muito trabalho para as “vitoriosas” forças americanas. Após a saída do Talibã do governo central, as coisas estranhamente pioraram: a produção de ópio no país atingiu recordes históricos e o número de execuções foi pelo mesmo caminho. Além disso tudo, Bin Laden jamais foi preso, dando aos americanos a chance de ficarem por lá por quanto tempo acharem melhor…

A tal história de Osama com o Afeganistão começa em 1996, com o suposto estabelecimento da al-Qaeda - cuja existência é tão comprovada quanto a existência de armas de destruição no Iraque - no país, após a vitória do Talibã na guerra civil que ocorreu no país após a retirada do Exército Vermelho depois de uma década de guerra dos soviéticos no país.

Com os atentados às embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, em 98, os EUA lançaram mísseis de submarinos em supostos campos de treinamento da rede terrorista, e acharam que tava tudo numa boa… até as torres irem ao chão no dia 11 de setembro. Um mês depois tem início a guerra!

 

September Tapes

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A relação Osama x interesses americanos é um dos temas de September Tapes. Para alcançar certo sucesso os produtores do filme se valeram de usarem lendas semelhantes as que cercaram o filmaço A Bruxa de Blair: afirmaram que o filme seria a montagem de oito fitas achadas numa caverna no Afeganistão. Antes de ver o filme Eu decidi não pesquisar a esse respeito, pois minha experiência seria diminuída, então comecei a assisti-lo com a idéia de que tudo que rolou ali era real.

O filme conta a história de Don Larson, um jornalista que decide ir ao Afeganistão em busca da verdade sobre Osama Bin Laden, um ano depois dos atentados. Lá ele contrata um tradutor e guia afegão para poder conseguir ir em busca de informações sem necessariamente perder a cabeça. Mas se no início o clima é tranquilo, após a saída deles de Cabul, a capital afegã, a coisa explode irreversivelmente.

De cara o filme ganha pontos pela ambientação realista e pela ousadia no trato do tema. Lars está numa terra hostil e parece não se dar conta que o fato de ser americano só piora as coisas, se metendo nas roubadas mais sinistras possíveis. Seu guia, Wali Zarif, por outro lado, é mais pé no chão e sabe que muitos afegãos não pensariam duas vezes antes de arrancar o couro de Lars sem qualquer problema.

No início o filme é meio arrastado - como o é todos os first person movies (FPMs) - e mostra Lars saindo dos EUA e gravando um depoimento preliminar, mas você sabe que as coisas não serão mais as mesmas depois que, durante uma entrevista, rola um tiroteio dos mais sangrentos. O susto proveniente do acontecimento é dos melhores e mostra que o filme deu um adeus aos momentos iniciais.

Após o tiroteio as coisas naturalmente aceleram Lars: a) é preso, b) sai de Cabul, c) encontra um mercenário, d) sobrevive a bombardeios, e) vive um inferno na terra. Embora algumas situações sejam meio sem sentido (chefe de polícia ajudando americano) o filme é explosivo e o estilo de gravação sofrível, com balanços e chacoalhadas, só torna a experiência mais adrenalinesca.

Como era de se esperar, a história não vai além de jornalista caça pista de Bin Laden, o que é ótimo, em termos. Algumas revelações são soltas nos diálogos lançados no meio da guerra, como um O governo americano não quer achar Bin Laden, pois já teve inúmeras oportunidades de fazer isso e não aproveitou. E quando ele tenta desenvolver Lars, dando a ele um background maior do que o pouco que ele já tem, escorrega feio, como na “revelação” do final do filme, que soou mais piegas do que deveria.

A técnica do filme é brutal. Desde os lançamentos de foguetes por parte dos terroristas - que passam a centímetros da câmera -, até os ataques americanos noturnos em montanhas por onde eles estão passando, a sensação é a clássica claustrofobia. Os personagens são realistas cidadãos que convivem diariamente com a guerra e por isso não dão um show de atuação. A câmera por si só é uma personagem - dos mais desengonçados, é verdade - e a violência é retratada de uma maneira bem crua.

 

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O resultado (absurdamente massacrado pela crítica) não chega a ser revolucionário, mas é bastante interessante, com ecos do clássico A Batalha de Argel. É tudo absolutamente nervoso, cheio de adrenalina e tensão, do tipo ideal para se ver numa sala escura, mas é falho como uma experiência cinematográfica rica. O problema é que fica no meio do caminho como um documentário, ou um filme de ação, às vezes não sendo uma coisa ou outra. Faltou foco na jornada de Lars, que é inverossímil em alguns momentos, ou na questão da patetice da guerra, fora que você fica a todo momento tentando descobrir se tudo é verdade ou não.

No final fica um bom recorte de uma situação que deve ter ocorrido muitas vezes no meio dessa guerra sangrenta e sem propósito.

 

Septem8er Tapes (EUA, 2004)

Diretor: Christian Johnston

Duração: 95 min

Nota: 7

 

The Road to Guantanamo

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Estas são pessoas más!

George Bush, sobre os prisioneiros de Guantánamo

 

Mas se September Tapes não se decide na abordagem (se quiserem saber mais detalhes sobre o fato dele ser real, Eu pretendo fazer um post ainda essa semana), The Road to Guantanamo é um soco no estômago perpetrado por Michael Winterbottom. É um terror moderno e uma mostra de como o combate ao terrorismo faz coisas piores do que o próprio Osama Bin Laden. E para isso, Winterbottom, o diretor do filme, se valeu da recriação documental (algo como o programa 911 Emergency), em que os personagens reais narram tudo e o filme recria as situações.

Em essência o filme é uma espécie de documentário dramatizado, que conta a jornada de Ruhel, Shafic e Asif, três ingleses de famílias paquistanesas com idades entre 19 e 23 anos, que vão para o Paquistão participar de um casamento, um mês depois do 11/9. Ao passarem numa mesquita de Karachi, são incentivados a irem para o Afeganistão protestar contra a invasão americana… e acabam indo na onda, mesmo sabendo que o país vizinho é um dos lugares mais perigosos do mundo.

Chegando em Cabul, percebem que não existem protestos, estão todos tentando salvar o próprio couro. Como se sentem inúteis por lá - afinal, não sabem lutar também - acabam tomando um transporte para voltarem ao Paquistão… mas acordam em Kunduz, um dos maiores redutos do Talibã no país. Em um ataque da Aliança do Norte os três acabam presos e entregues a americanos da base de Kandahar, após os guardas descobrirem a origem inglesa deles - o que logo os associa com a al-Qaeda.

 

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Em Kandahar começam as agruras da tortura física e psicológica, culminando com a transferência deles para Guantánamo, onde mais que em outros lugares, oficialmente as leis de direitos humanos não têm vez. O modo realista como Winterbottom retrata a rotina dos prisioneiros, bem como os próprios atores envolvidos, só faz crescer a raiva de qualquer um com relação a própria nação americana; e os próprios soldados dos EUA que não sabem nem o que fazem ali, só ajudam. A violência é mais psicológica que física, e não chegamos a ver coisas realmente violentas, pois o o diretor opta por deixar o imaginário de quem assiste fazer o principal, o que é ótimo.

E a rotina deles é desgastante e humilhante: não podem dormir, não podem se proteger do sol, não podem falar, não podem tirar a venda dos olhos, não podem sair da posição de joelhos. Na verdade eles só podem comer e responder a vários interrogatórios repetitivos. Em Guantánamo não se busca justiça, ou a verdade, mas unicamente confissões, obtidas sob condições extremamente adversas. A lógica da inocência presumida é invertida: é o prisioneiro que tem que provar que é inocente (mesmo de mãos atadas e não podendo recorrer a qualquer prova externa, juntamente com interrogadores mentirosos), lembrando as técnicas dos investigadores dos órgãos punitivos soviéticos. Na verdade os jovens jamais foram acusados de nada, e ficaram presos por dois longos anos, até o governo inglês conseguir negociar a libertação deles com os americanos.

Mas no fim das contas o teor do documentário foge a politicagem e ataques à direção do governo americano, se centrando na questão da prisão. Mesmo que essas poderosas figuras tenham toda a culpa no tocante a questão, dispensar atenção a elas diluiria o impacto do filme.

Como o filme segue à risca tudo o que os jovens falaram em depoimento à equipe do filme, alguns levantaram a questão de existiam coisas ali que não correspondiam a verdade, como a motivação deles para irem ao Afeganistão, mesmo sabendo que as condições locais não eram das melhores. Mas, apesar dessas questões serem válidas, parecem que os que levantaram essa dúvida esqueceram do principal motivo do filme existir: a prisão de Guantánamo e o tratamento que os EUA dispensam a prisioneiros de guerra, mesmo tendo assinado leis internacionais que tocam nessa questão, como a Convenção de Genebra. E eles devem ter esquecido também que os EUA jamais provaram nada contra eles, e que o maior aliado dos americanos, os ingleses, intercederam (lentamente, é verdade) para liberta-los.

E enquanto os presos sofrem (desde 2002, mais de 700 presos passaram por Guantánamo sem receberem qualquer acusação, e portanto, sem direito a julgamento), palhaços com caras lavadas, como Donald Rumsfeld afirmam que a prisão segue as diretrizes da Convenção de Genebra. A própria construção foi uma tentativa do governo dos Estados Unidos de criarem uma brecha em leis internacionais, ao dizer que o local não está em solo americano, e que os que lá estão presos não são integrantes de nenhum exército nacional, o que lhes tira todos os direitos de prisioneiros.

Mas a própria Suprema Corte americana não entende assim, já que em 2004 autorizou os presos em Guantánamo a apelarem na justiça comum, e tirou a legitimidade das Comissões Militares sobre a questão. Tanto, que em maio desse ano, após sete anos, o argelino Lakhdar Boumediene ganhou na justiça o direto sair da cadeia, assim como 17 chineses da etnia uigur.

Mas o histórico de abusos legais do governo dos EUA no campo jurídico não segue a decisão da Suprema Corte. Foram inclusive criadas leis secretas que autorizam o uso da tortura e retira todos os direitos jurídicos dos prisioneiros.

 

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Em janeiro desse ano, Obama assinou uma lei que prevê o fechamento da prisão de Guantánamo (e todos os centros secretos de interrogatório da CIA), mas nada nesse mundo é fácil. A situação dos que lá estão é incerta, já que não podem simplesmente serem soltos nos EUA, e, em muitos casos, não podem voltar aos países de origem, já que serão mortos. Nesse caso o governo americano deve negociar com outros países o acolhimento desses prisioneiros. Até o momento, apenas Irlanda e Suíça aceitaram a importação de presos.

De concreto se sabe que as Comissões Militares que interrogavam e julgavam os presos foram extintas, assim como a libertação de 540 presos, restando atualmente 240 por lá. Ou seja, mesmo que o filme já tenha três anos, ele permanece extremamente atual e furioso. Ponto para a abordagem franca e sem frescuras de Winterbotton, e aos presos retratados no filme, que em momento algum assinaram as confissões dadas pelos soldados.

 

The Road to Guantanamo (Reino Unido, 2006)

Diretor: Michael Winterbottom

Duração: 95 minutos

Nota: 8,5

 

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Esse é um dois posts que farei sobre filmes que contêm elementos jornalísticos. O próximo terá a presença dos filmes The Hunting Party e Shattered Glass. E aguardem para breve também o meu terceiro último post sobre Hunter Thompson.

1 comentário

M7 disse...

Difícil comentar qualquer coisa que envolva tortura. É a forma mais abjeta de se subjugar um ser humano. Infelizmente, todos os regimes do mundo se mostram frágeis o suficiente diante da tendência natural do poder das nações de usar qualquer recurso, lícito ou ilícito, moral ou imoral, para lidar com seus próprios interesses, que grande parte das vezes, são tão imorais quanto os métodos usados.

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