quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Avatar FiliPêra

[Capetalismo #4] Os bancos lucram, o povo se f*$%

 

Capetalismo4

Recapitulando: aprendemos até aqui o que é inflação e os tipos dela que existem, como o governo usa impostos e seus gastos para controla-la, e o que é PIB. Aprendemos também que a missão básica da Política Econômica de um país é faze-lo crescer sem gerar inflação resultante desse crescimento. Para conseguir isso, geralmente o governo aumenta impostos para desestimular as famílias a comprarem e controlar a fatia mais importante do PIB do Brasil. Ou ainda deixa de investir, para não criar mais compradores.

Mas analisando a situação atual do Brasil uma dúvida clara deve ter surgido na cabeça pensante de vocês: para onde vai a grana dos superávits primários em tempos de tranquilidade, como os momentos atuais? O que justifica todo esse arrocho fiscal, com impostos altos e baixa nos investimentos públicos? Por que não fazer investimentos em setores onde são necessários ou diminuir os impostos? Bom, a resposta é simples, porém os pormenores são mais ou menos complexos. A grana vai todinha para Bancos, para pagar o que é chamado de Dívida Interna, que tem parcelas vencendo todo o mês. E a meta de superávit primário (que desceu de 4,5% do PIB, para 2,5%, recentemente) é o valor planejado pelo governo para pagar os juros dessa dívida.

A Dívida Interna é a razão que faz com que todos os governos se pareçam. Afinal, independente da ideologia do presidente, dívidas precisam ser pagas... ou é o fim da economia de uma nação (mais a frente estudaremos um pouco a história econômica recente do Brasil). E acredite, isso não é bom. Não à toa, sua evolução é mantida discreta, e não vemos menções a ela em jornais de grande circulação, salvo jornais econômicos (ao contrário da Dívida Externa, que será assunto de outro post). Nesse momento, a dívida interna está em aproximadamente R$ 1,239 TRILHÃO (a externa está em mais ou menos R$ 60 bilhões), e por mês são pagos cerca de R$ 8 bilhões dela, somando no ano uns R$ 100 bilhões. Mas aí surge um problema: somente os juros da dívida somam cerca de R$ 120 bilhões ao ano (10% de crescimento anual). [Dados da Agência Brasil]

E daí surge o chamado déficit nominal, que surge quando pegamos o superávit primário e subtraímos os juros da dívida. O resultado geralmente é negativo, e indica que a dívida interna não diminui, muito pelo contrário, só se eleva, porque o superávit não cobre nem mesmo os juros resultantes dela. Se assustou? Calma que vem mais...

Mas para que o governo pega dinheiro com bancos, se é cheio da grana? Os motivos são vários, mas nos firmaremos num só: pegando dinheiro com os bancos, o governo diminui o crédito disponível para as famílias pegarem grana emprestado nos bancos, o que aumenta o valor do crédito que elas podem obter, gerado pela famosa Lei da Oferta e da Procura. A idéia é sufocar a inflação de consumo, uma das causas mais comuns de aumento de preço do Brasil, ou simplesmente tentar diminuir a inflação por métodos escusos. Isso é chamado de Política Monetária, e existe pelo simples fato de estar fora do poder do governo taxar os juros que os bancos podem cobrar das famílias.

É mais ou menos assim: bancos TÊM que emprestar dinheiro, pois dinheiro parado vale cerca de 5% menos a cada ano, e como bancos tem sob suas bundas trilhões de depósitos, é MUITO dinheiro perdido. Naturalmente quem sempre pede dinheiro emprestado somos Eu e você, seja para comprar um apartamento, um carro, ou simplesmente para pagar dívidas. Então, o governo pega dinheiro emprestado para poder diminuir a quantidade de dinheiro disponível para os consumidores e aumentar o valor desse crédito, desestimulando as compras e controlando a inflação. É como se Eu chegasse numa feira e comprasse 70% de todas as laranjas para que o preço delas se elevasse por causa da escassez delas. Da mesma forma o governo compra dinheiro!

Mas a coisa não funciona simples assim. Para que os bancos concordem em mandar rios de dinheiro para o governo (entendam: não é só para o governo federal como parece que está subentendido, mas para todas as outras esferas também) é preciso que haja uma boa compensação, e ela se chama Taxa Selic. Essa Taxa basicamente é o valor que o governo paga de juros pela sua dívida com bancos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros. Olhem o gráfico abaixo e entendam como a variação da taxa acompanha a evolução do IPC-A, que é a tabela básica de inflação do Brasil. Observe também como os preços administrados (energia, água, telefone, etc) passeiam livres lá em cima, tranquilos e sem interferências.

 

precos-livres-e-precos-administrados

Como garantia que vai honrar a dívida, o governo emite títulos públicos, que são mais ou menos como cheques pré-datados. Seu valor é a soma do empréstimo mais a Taxa Selic. O juro é como um preço pelo dinheiro, quanto mais alto o juro, maior o interesse do banco em fazer o empréstimo. E quanto menos dinheiro os bancos tiverem em caixa, mais caro vai ser para conseguir dinheiro emprestado deles. Essa medida (pegar emprestado dinheiro dos bancos para que ele não seja emprestado para a população) tem um duplo efeito negativo (e são as coisas mais importantes que você deve absorver de todos os textos dessa coluna): além de aumentar a dívida interna com juros altos, o governo impõe uma política fiscal restritiva, com impostos elevados e investimentos fracos, justamente para gerar superávit primário e pagar essa dívida.

Em resumo: o povo se ferra porque o crédito encarece para ele, e se ferra de novo porque o governo arrocha gastos e eleva impostos para pagar a dívida que ele fez pra ferrar o povo! Lindo, não?

Enquanto isso, os bancos (e a parcela rica da população, como vocês verão no próximos textos) levam limpos grana com juros super altos, contribuindo, e MUITO, para a concentração de renda.

Bom, levemos em conta que isso te afeta diretamente... mas ainda assim você deve estar se questionando por que os juros cobrados em seu cartão de crédito são tão elevados, muito acima dos pagos pelo governo! A Taxa Selic é vantajosa para bancos e ela gira em torno de 10% ao ANO, enquanto seu cartão de crédito e seu cheque especial têm juros de mais ou menos 10% ao MÊS, resultando num juro acumulado composto de 214% ao fim de um ano.

Um dos motivos para isso é o fator risco. Governos precisam pagar suas dívidas ou eles mesmos perecem, ao contrário de pessoas físicas, que não vêem qualquer problema em dar um calote de vez em quando (não é bem assim, os ricos são os maiores caloteiros, como veremos outro dia). E os bancos e operadores de cartão de crédito dão um jeito de compensar isso hiper inflacionando valores cobrados de juros. Para testar essa afirmação, faça um empréstimo descontado em folha e veja a diferença de juros. Não é pouca coisa, assim como caem bastante as taxas se for um empréstimo com avalista em um financeira qualquer. Para diminuir ainda mais, só sendo funcionário público. Então, coloquem o risco como um dos fatores para esses valores absurdos cobrados pelos bancos (os outros analisaremos mais para frente, quando vermos melhor o papel dos bancos na economia capitalista).

 

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Eles se juntam para pegar a sua grana… e querem mais!

Governos pegando dinheiro emprestado não são como a gente. Eles não precisam sair por aí estudando taxas, e diferentes bancos e financeiras, porque como eles estão em dia com seus pagamentos tem um sem fim de instituições querendo deixar uma grana com eles. Então, o governo quando quer dinheiro não precisa pegar um comboio de carros fortes e ir até um banco para pegar alguns bilhões, há um sistema melhor para isso.

Existe uma rede online que liga o Banco Central com os grande bancos do Brasil (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, HSBC, Santander, etc) chamado SELIC, que significa Sistema Especial de Liquidação e Custódia de Títulos). Daí quando quer dinheiro emprestado, o governo lança no sistema e leiloa seus títulos públicos na quantidade que desejar. O banco (ou bancos) que tiver a melhor taxa empresta o dinheiro. Logo, Taxa Selic é a taxa (juro) que o governo paga por essa operação.

A Taxa Selic Meta (ela pode variar sensivelmente por operação, dependendo das circunstâncias, afinal, trata-se de um leilão) é definida pelo Comitê de Política Monetária (o Copom), que possui 9 integrantes e vota qual será a taxa, baseado principalmente no IPC-A. São oito reuniões anuais, o que dá um intervalo de mais ou menos 40 dias entre cada reunião. As datas das reuniões podem ser encontradas no site do Banco Central. São dois dias de conversas entre os integrantes. Tudo começa numa terça e termina numa quarta à noite, quando é divulgado o valor dos juros. É importante que a divulgação ocorra depois do expediente da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) e das casas de câmbio, para que não ocorram alarde e dê tempo para todas essas figuras medrosas absorvam a informação sem se cagar de medo. E finalmente na quinta da semana seguinte é divulgada a Ata da reunião, para que se possa entender os possíveis motivos que levaram os membros do Copom a tomarem aquela decisão.

Como disse acima, essa taxa é a Taxa Selic Meta, pois seu valor varia de leilão para leilão, tudo dependendo dos bancos envolvidos e dos fatores da operação, bem como a quantidade de dinheiro para empréstimo. Mas como é um índice - e dos mais importantes - é fundamental que ele não tenha oscilações tão frequentes, e por isso mesmo é que ele se mantém fixo por cerca de 40 dias.

 

CORRUP_O_III

E a corrupção, não seria ela a causa de todas as desgraças econômicas nacionais? Bom, não! Olhemos sob dois pontos de vista. O primeiro diz respeito a valores: segundo cálculos feitos por diversas ONGs e instituições, no Brasil cerca de 11% do PIB desce pelo ralo da corrupção. Como o ano era 1998 (e esse foi o último estudo sério feito), seria mais ou menos 60 bilhões por ano. Bom, isso é pouco mais da metade do valor que o governo paga da dívida interna, e vendo assim me parece a dívida que é mais inibidora do crescimento. Agora olhemos sobre outra ótica completamente diferente: a de outros países. Vejamos a China. Os caras crescem a 10% a uns bons 10 anos e tem que diminuir o crescimento para não perder o controle de tudo… e são politicamente comunistas. Ou seja, os caras do Partido mandam em tudo, e não têm qualquer problema para colocar a mão na grana alheia. Eles só se lascam quando rolam umas campanhas anti-corrupção e uns mil políticos acabam pagando a própria bala que fará um tour pelos cérebros deles. Mas fora isso é sem problemas e o país cresce tranquilamente com corrupção à vontade.

A corrupção é desgraçada? Sim, mas causa mais problemas jurídicos que econômicos, já que é possível crescer com ela. Fora isso, o que os políticos e outras figuras roubam acaba voltando para a economia de qualquer jeito. É por isso que uma pessoa que leva alguns milhares de reais para fora do Brasil é muito mais capaz de mofar na cadeia do que alguém que roube milhões, mas deixa a grana aqui dentro.

Por hoje ficamos por aqui. Nos próximos dois posts da coluna analisaremos melhor a Política Monetária e o papel dos bancos no Capitalismo. Até lá...

 

[Para se aprofundar mais, leia as Lições de Economia, do Blog Kantega, escrito pelo meu professor de Economia da faculdade]

8 Comentaram...

Caio Abramo disse...

Muito bem feita sua exposição, mas pecou no final, por dois motivos. Explico:

É largamente reconhecida a real impossibilidade de dizer com qualquer grau de certeza quanto a corrupção tira dos cofres públicos. A corrupção é eminentemente algo secreto, excuso. Como então saber o quanto é roubado? O artigo que você colocou é um estudo acadêmico (sujeito às críticas metodológicas usuais), não achei referências a estudos de ONGs ou organizações voltadas ao tema (que estariam sujeitas a suas próprias críticas, é claro).
É possível que a corrupção drene 10% do PIB, como é possível que seja muito mais ou muito menos. Ainda que seja comparativamente menos que os juros da dívida interna, 10% do PIB ainda é uma fração nada desprezível!

O segundo problema é a comparação com a China que, você há de convir, está muito chutada. Que argumento empírico real ou defensável você pode arrolar para defender que, por ser um dirigente comunista, o cara mete a mão na grana alheia? Você só pode oferecer impressões subjetivas, talvez advindas de "exemplos" históricos colhidos a dedo. Você mesmo coloca o fato de corrupção ser punida com a morte na China, não raro envolvendo altos oficiais do governo (como um ex-prefeito de Beijing). Ora, isso é sinal de que o governo chinês luta ativamente contra a corrupção e não que a patrocina! E mesmo que fosse verdade fazer tal generalização (e me parece óbvio que não é) ainda restaria colocar em números o seu "corrupção à vontade". Não vejo como o seu último argumento possa se sustentar, portanto.

Leonardo M. A. disse...

Muito bom o post.
Relata um sistema que, propositalmente, não é de conhecimento nem mesmo básico para a maior parte das pessoas.
Quem puder, assista ao documentário Zeitgeis: Addendum. Trata do mesmo assunto em nível de EUA e do mundo.

Anônimo disse...

Bebam coca-cola!!!
André Luis-Batatais-SP

Thiago Fernando disse...

Caio Abramo concordo com você, realmente o artigo no final toma um tom pessoal, e beira o axismo.
Bom não se trata de um artigo acadêmico apesar da qualidade do material, portanto não pode ser avaliado como tal.
Mas acredito que o que o FiliPêra quis com isso foi deixar espaço para as duvidas e dar oportunidade ao leitor de pesquisar por si mesmo. Afinal a corrupção existe na china, e nos usa tambem. E muitas vezes acreditamos que esse é um problema nosso e que o exterior é um paraiso.
FiliPêra gostei muito da matéria, e também do post do
Caio Abramo que praticamente complementou.

FiliPêra disse...

@Caio Abramo e @Thiago Fernando...

Eu esperava reações similares a de vocês e é por isso mesmo que o próximo artigo da coluna vai ser sobre o papel dos bancos no capitalismo. E por isso mesmo, logo de cara, embasarei tudo que escrevi sobre a China, o Brasil e a corrupção!

E as observações de vocês foram muito boas!

Bill disse...

Parabéns mesmo. Mesmo, mesmo. Da última parte do post sugiro um estudo da ONU sobre corrupção dos anos 90 ainda, com uma conclusão inédita até então, a corrupção é antes um problema moral/ético do que um problema econômico. Pena estar defasado mas já ajuda os amigos aí de cima a compreenderem mais do assunto.

Anônimo disse...

Bom demais esse post. Obrigado por escreve-lo.
Incrivel que ninguem saiba coisa alguma desse assunto.
Sugiro um post sobre o papel da mídia em deliberadamente tornar esse assunto o mais obscuro e distante da realidade possível para a população.
Abraços.

Anônimo disse...

um dia toda essa manipulaçao vai ter um fim nada e eterno

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