Colidindo idéias para ver o que acontece
Alan Moore já mostrou que pode tornar as histórias em quadrinhos um poço sem fundo de inteligência. E isso sem sair da sua terra, Northampton, que já foi inclusive personagem principal do seu único livro até o momento: A Voz do Fogo. Após desgostos com a DC Comics, fruto de problemas de licenciamento - coisa que uma batelada de artistas e roteiristas passam, só preferem não quebrarem contratos - ele decidiu fazer as coisas do jeito dele, abandonando inclusive seu selo exclusivo: o American Best Comics, ou simplesmente ABC.
Primeiro lançou sua obra pornográfica, Lost Girls, por uma editora independente, a Top Shelf; e agora vai ainda mais além e lança um fanzine. Sim, um fanzine de verdade, com papel de segunda típico dessas publicações, e tiragem limitada a cidade dele. O nome da obra é Dodgem Logic, e ficará à cargo da editora Knockabout, que já havia cuidado do último volume do seu clássico de super-heróis: a Liga Extraordinária.
Na lista de colaboradores da publicação, constam: Melinda Gebbie, esposa de Moore e artista de Lost Girls, Kevin O’Neill, artista da Liga, Graham Lineham, roteirista das série inglesas The IT Crowd e Father Ted, entre outros malucos que toparam subir a bordo (nomes como Josie Long, Aylett Steve, Dave Hamilton), como a galera do Gorillaz, que vai produzir material para a terceira edição da revista, em troca de uma ópera que Moore escreverá para a banda.
A periodicidade será bimensal, terá 40 páginas e o release você lê abaixo… uma obra-prima:
Linda e barata como uma prostituta adolescente, Dodgem Logic tem o preço de capa de £2,50 [R$ 7], e seu conteúdo é similarmente adequado ao atoleiro fiscal no qual estamos todos afundando. Colunistas regulares dão receitas deliciosas e de preço módico, conselhos médicos gerais, instruções simples para criar roupas e acessórios estilosos quase do nada, guias para cultivar seu próprio jantar sendo um jardineiro de guerrilha e, na primeira coluna sobre o meio ambiente de Dave Hamilton (The Self-Sufficient-ish Bible), a corajosa experiência de viver sem dinheiro.
Esta mesma abordagem de auxílio aos leitores que tem que lidar com o cataclisma sócio-econômico também estará em matérias vindouras sobre o ressurgimento do movimento dos squatters e nas cartas do povo steampunk/pós-civilização sobre a reconstrução da nossa cultura e sociedade antes que elas se percam por completo e nossos filhos se resumam a esmurrar-se com seus X-Boxes inutilizados numa disputa pelo último pacote de miojo.
Como brinde de primeira edição, que sai no mês que vem, a revista virá com um CD com músicas do último meio século da cidade natal do escritor. Northampton ainda ganha oito página dedicadas a ela na revista, que ainda terá um apanhado da história das publicações underground, que segundo Moore, tiveram suas origens no século XIII.
No fim das contas entenda isso como uma volta às origens de Alan, já que sua primeira obra, Embryo, surgiu no mundo dos fanzines. E ao longo de sua carreira ele voltaria a ele em alguns momentos, como seu tempo na Marvel inglesa.
Em entrevista recente para a revista de humor inglesa Mustard, Moore revelou alguns detalhes de sua nova empreitada, como o fato do nome do fanzine não querer dizer absolutamente nada concreto, sendo apenas um apanhado de idéias que ele queria usar no título de um fanzine de 1975, que acabou não indo à frente. Para ele, a Dodgem seria como uma imprensa alternativa e comunitária, para manter as pessoas informadas dos tempos malucos e insanos em que todos estamos vivendo, sem depender dos jornais locais, ou mesmo os nacionais. Tanto, que uma das idéias dele e de seu time de curadores, é incentivar a produção de fanzines similares em outras partes do Reino Unido… e do mundo, demonstrando um certo plano de dominação mundial na cabeça dele.
A inspiração dele veio da mídia underground e contra cultural dos anos 60, antes das explosões da década seguinte, e o amansamento de tudo nos anos 80, com o falso neo-liberalismo disfarçado de ditadura, perpetrada por gente como Margareth Thatcher e Ronald Reagan. Isso obviamente nos faz pensar em declarações anti-guerra ganhando corpo na revista, mesmo em tempos que Obama ganha Prêmio Nobel, demonstrando que têm certas pessoas que engolem iscas mais facilmente que outras.
Moore entretanto ressalta que o trabalho beira a um manifesto sobre a Anarquia, sobre como viver completamente à margem da sociedade, quase que liso e sem nenhum grana, lembrando experiências similares feitas por John Zerzan, que viveu uma pá de tempo somente vendendo sangue e esperma e lucrando com isso. Mas no fundo no fundo ele não encara a sua obra como um grande manifesto político, sendo mais voltado para as aplicações humanitárias do anarquismo.
Logo a pergunta óbvia surge: por que não um webzine, ao invés de um fanzine? Certamente os custos seriam muitíssimo mais baratos, o alcance seria muito maior, e seria tudo muito mais fácil… O fato é que Alan Moore - e Eu - respeita o papel, pois bits são coisas intangíveis e meio que etéreas. Fisicamente eles não possuem valores mensurados, e não existem muitas pessoas que estejam dispostas a pagar por conteúdo online, e isso denota que ainda dão mais valor a livros e revistas físicos. E isso inclui dar mais valor ao que está contido dentro, no constante a informação que ele trás. Fora que webzines existem aos montes.
Os artistas e roteiristas escalados para serem curadores da revista receberam liberdade total para escreverem, segundo relatou Moore. E isso gerou coisas “obscenas e bizarras”… Não se deve dizer a Kevin O’Neill faça o que quiser, pois as coisas sairão dos eixos, afirmou ele com todas as letras. Melinda Gebbie fez um artigo sobre o fracasso do feminismo, e o espaço usado por ela será basicamente uma área rotativa onde mulheres poderão escrever artigos sobre temas que bem lhe quiserem, e a idéia do barbudo para o número 2 da revista envolve uma mãe adolescente e seus problemas domésticos. O CD em questão que acompanhará a revista se chamará Nação do Santos e será realmente um apanhado de coisas perdidas da música inglesa nos últimos séculos, especialmente canções que são tocadas em bares meio escondidos nos recônditos de Northampton.
Para a próxima edição, deve rolar um artigo sobre apresentações burlescas - que deve inclusive respingar na capa, fotografada por Mitch Jenkinson, com diversas damas em trajes sensuais. Tem também as páginas feitas pelo povo do Gorillaz, que Moore ainda não adiantou sobre o que serão - e provavelmente nem ele sabe, já que deixou claro que não existem planos rigorosos sobre o conteúdo a inserir na revista, preferindo seguir seus fluidos mentais.
Ao final, Moore reiterou que seus outros projetos - Liga Extraordinária: Century, seu livro Jerusalém, e seu livro de magia para jovens - não devem sofrer atrasos, embora ele tenha feito uma pausa estratégica nos textos de Jerusalém.
Agora é esperar… e torcer para que caia uma versão online!
Abaixo estão duas páginas da revista, possivelmente da seção quadrinhos dela:
[Via Blending Cool]
4 Comentaram...
É verdade: nunca ouvi falar de um livro escrito para ser veiculado na internet que virou clássico.
eu ia fazer essa mesma postagem sabado, mas desisti
parece que ninguem se interessa por essas coisas, esses nerds, pra eles isso só é interessante por ser de "alan moore" nao pela revista em si, pelo conteúdo.
"plano de dominação mundial na cabeça dele."
rsrsrsrs. Tomara mesmo que caia uma versão online
Excelente texto, parabéns
Uoouu... fantástico! Vou revirar o google pra encontrar uma versão online.
Esse modelo de revista me lembra bastante os manifestos das vanguardas do séc. XX. Sabe, essa coisa de ser colaborativo e não ter um roteiro parece bastante com as revistas surrealistas.
Alan Moore é o Deus das ideias.
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