segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Avatar FiliPêra

Confissões de uma Mente Perigosa

 

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Se a TV moderna é a porcaria que você tem certeza que é, coloque grande parte da culpa em Chuck Barris. Ele é o cara que inventou os game shows, programas de TV com participação de gente “comum”, com ausência de roteiro ensaiado, e geralmente com tudo ao vivo. As consequências disso hoje você consegue citar facilmente: Big Brothers, No Limites, Fazendas, toda a sorte de programas de namoro e essas coisas que qualquer um com alguma coisa pra fazer simplesmente não se dá ao trabalho de assistir.

De cara o nome Sílvio Santos vem à mente, assim como um séquito de apresentadores brasileiros que enchem os bolsos expondo a vida de gente que acha que não tem nada a perder passando vexames na televisão. O fato é que foi justamente Barris que abriu caminho para toda essa gente - a lista é infinita e vai desde Ratinho à Faustão - fazer sucesso quando lançou The Dating Game pela ABC, após tentar inutilmente com outras redes de TV. Seu programa foi uma faca de dois gumes: tirou o horário de fim de tarde como o pior em audiência da rede ABC, mas ao mesmo tempo o tornou uma cara odiado em toda a mídia, coisa para qual diz que nunca ligou.

A essa altura do texto você deve estar se perguntando por qual motivo me propus a ver um filme baseado na auto-biografia de um cara como Barris. O motivo é simples, e pode ser dividido em dois: o roteiro (excepcional) é de Charlie Kaufman que entrou para a história como um dos melhores roteiristas de Hollywood ao escrever Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, Adaptação e Quero ser John Malkovich. O segundo motivo é meio temerário, mas ainda assim ajudou a selecionar esse filme para ver durante uma madrugada de ociosidade: ele foi a estréia de George Clooney na direção.

O fato é que Clooney conseguiu sair daquela chatice de galã e fez um séquito de filmes divertidos. Algo meio no estilo Brad Pitt (esse vai mais pela linha séria, principalmente quando está em parceria com David Fincher, que sempre resulta em coisas fantásticas: Se7en, Clube da Luta e Benjamin Button), mas pendendo mais para filmes descompromissados, embora os alterne com alguns mais “sérios”, como Syriana e Conduta de Risco.

A união da agilidade e da surrealidade de Kaufman no texto, a uma direção habilidosa e sem trucagens - mas que produz cenas maravilhosas - de Clooney resulta num filme brilhante, bem diferente do que você provavelmente está acostumado, que mostra mais uma vez que cinema é a junção de uma gama de elementos que para funcionarem devem estar perfeitamente harmonizados (há exceções, logicamente).

 

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Um elemento adicional que tornou a persona de Barris mais interessante do que você está imaginando é o fato dele dizer que é agente da CIA - com 33 assassinatos na sua ficha de serviço. Afirmar que foi um assassino pago pelos membros mais sujos do governo americano, e que usava as viagens dos seus programas de TV como cobertura para isso é o tipo de coisa que sai da cabeça de uma cara extremamente paranóico e profundamente marcado por problemas psicológicos. E é mais ou menos isso que Barris foi - e é, pois ele não só está vivo, como faz uma participação como ele mesmo no filme, bem ao estilo Harvey Pekar Anti-Herói Americano. E é isso que basicamente o diferencia de Sílvio Santos, um dos seus mais conhecidos imitadores, responsável por trazer diversos programas de Chuck para o Brasil.

Interpretar um personagem que é a mistura do Homem do Baú, com um Ilich Ramírez Sánchez financiado pelos EUA não é tarefa fácil. Mas Sam Rockwell o faz com todas as honras. De início a escolha do ator não foi recebida com agrado por Chuck Barris, que esperava alguém mais famoso para interpreta-lo - a sugestão dele era Johnny Depp. Mas Barris logo mudou de idéia quando Rockwell passou a conviver com ele para poder aprender seus maneirismos e gesticulação visual, além de assistir continuamente a todos os seus programas. O resultado é uma interpretação perfeita, que mescla a paranóia de Barris (ele jamais discutiu o lance de ser a gente da CIA que ele mesmo incluiu em sua biografia), com seus momentos amorosos, bebedeiras e reclusão num quarto de hotel por dias a fio.

Mas nem só de Sam Rockwell se destaca o elenco primoroso de Confissões. Drew Barrymore, a eterna namorada de Barris no filme, faz aqui uma de suas personagens mais apaixonantes, que muito tem da personalidade da atriz: espevitada e romântica(não à toa, ela é uma das primeiras da minha lista de casáveis de Hollywood). O próprio Clooney entra no elenco, interpretando o bizarro Jim Byrd, o contato de Barris na CIA, que muito me lembrou Ed Harris em Uma Mente Brilhante. Além deles, surge Julia Roberts como uma importante personagem ligada a Companhia, e um dos interesses amorosos de Chuck. Desfilam na tela ainda, Brad Pitt e Matt Damon, em uma ponta com pouco mais de um segundo de aparição, mostrando que Clooney também acerta na hora de escolher figurantes ilustres, e ainda os coloca em uma participação bem engraçada.

Bom, mas esperar George e sua equipe extraindo o melhor de seus atores não é uma tarefa das mais difíceis… mas constatar que Confissões tem um apelo visual único e uma narrativa vigorosa, que não perde o ritmo - sempre capitaneada pela narração em off de Barris, além das próprias aparições que ele faz - é uma surpresa e tanto. As influências são claras, e partem dos amigos diretores de Clooney: os Irmão Coen e Steve Soderbergh.

 

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A alternância de climas no filme, que me lembrou a diversidade de Cidade de Deus, também é brilhante, e vai desde a alegria dos palcos, a momentos tensos em meio a assassinatos que evocam filmes de espionagem da década de 70, como os thrillers baseados nos livros de John Le Carré. Todo o longa é recheado de transições nada convencionais, travellings bem executados e algumas situações surreais que misturam o estilo de David Lynch com Paul Thomas Anderson. E no fim, toda a parte visual é coroada pela cena em que Chuck chega à beira da loucura em cima do palco.

A verdade é que mesmo a história não sendo especialmente brilhante, a mistura de um roteiro inteligente, com uma direção ágil e atuações primorosas, torna Confissões de uma Mente Perigosa um dos melhores filmes que você provavelmente ainda não viu. E antes que você me pergunte: sim, é uma obra-prima; sim, George Clooney teve a melhor estréia na direção desde Tarantino; e sim, Confissões é melhor que Boa Noite, e Boa Sorte (embora sua temática seja menos seja menos importante). Nada mal para um cara que saiu do execrável Plantão Médico.

 

Confessions of a Dangerous Mind (EUA, 2002)

Diretor: George Clooney

Duração:113 min

Nota: 9

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