Sabe aquela frase extremamente clichê que diz que um grande herói tem sempre um grande vilão… e blábláblá?! Então, o Batman, o maior herói da Nona Arte, é privilegiado por ter um antagonista a altura, o Coringa. O Coringa não é um vilão qualquer, ele consegue ser mais louco que o próprio Batman, que vive numa linha tênue entre herói e vilão. O Coringa representa o limite da psicopatia que um ser pode alcançar, daquele que faz de tudo para manter o status quo sangrento, e por isso mesmo nunca se esforça de verdade para matar o Batman, ou mesmo os outros personagens vilanescos que habitam Gotham City. Ele gosta da situação potencialmente perigosa em que está mantido, e no máximo quer ter alguma espécie de controle sobre ela.
Quando bem escrito, Coringa dá show. Aliás, praticamente qualquer vilão do Batman dá show; é só um roteirista iluminado achar a angulação correta. Eles não são previsíveis, não são afrescalhados - como fizeram nos equivocados filmes do Morcego fase Joel Schumacher. Em suma: eles são vilões. O Coringa, o principal deles, foi concebido de tal forma, que nem precisa de motivações, não precisa de nenhuma linha sequer de background - o mestre Alan Moore escreveu um pouco de background pra ele, em A Piada Mortal. Ele é unicamente um psicopata clássico, um matador, não tem método, e só se destaca de um bandido comum por ter um senso de humor dos mais doentios… e por pintar a cara.
Ele é um cara imprevisível, e por isso inspira tanto medo, talvez mais nos seus ajudantes, que estão ao seu lado a todo o minuto e podem ter as cabeças cortadas em nome da diversão, do que das potenciais vítimas dele. Uma coisa que deixava o Coringa menos assustador, é o fato do Batman sempre ser o personagem principal das tramas em que ele aparece. E o Batman é um Coringa do outro lado da lei - ou quase -, tão assustador quanto ele em alguns momentos, sempre no limite entre a sanidade e a loucura.
Mas Brian Azzarello resolveu isso na sua graphic novel simplesmente intitulada Coringa. O Palhaço do Crime está saindo do Arkham, ele não é mais louco, segundo os psiquiatras locais. Mas Gotham mudou desde que ele entrou no hospício, a cidade mudou de mãos, e os crápulas que eram capangas do Coringa dividiram as posses dele entre si. O Coringa não tem mais grana nem domínios, virou um bandido pé-de-chinelo de novo, voltou à estaca zero.
Narrando todos esses episódios está Johnny Frost, um criminoso qualquer, que começa a trama indo buscar o Palhaço na saída dele do Arkham. A função dele é ser nossos olhos na trama. Ele é raso como um pires, praticamente não tem passado ou qualquer característica que o destaque dos demais capangas. Por esse motivo, o Coringa se torna bem mais assustador, e com muito mais presença. Na própria cena em que o Coringa sai do Arkham - num quadro antológico, com uma arte sombria e soberba - já fica a dúvida se ele simplesmente entrará no carro, ou se matará Frost com requintes de crueldade. É essa incerteza que torna a trama tão interessante.
Daí pra frente, vemos Coringa partindo pra retomar seu reino do crime. Você deve imaginar que não é como Sandman, embora role coisas infernais por aqui. E de cara percebe que todos o temem, inclusive gente graúda, como o Pinguim e o Duas-Caras. O principal motivo pra isso é explícito: ele não tem regras, e ainda desrespeita as que existem, e mesmo caras que vivem do outro lado da lei, abominam essa falta de civilidade - lembro do Zé Pequeno matando meio mundo em Cidade de Deus?! É por aí! Essa guerra enlameada no submundo pouco explorado de Gotham é o ponto-chave da trama, e o Coringa é o principal elemento dela. Ele é como uma bomba prestes a explodir, um forte elemento desestabilizante; não tem como não reparar nele e não teme-lo.
O principal motivo para essa história funcionar tão bem é o seu próprio autor. Azzarello é um mestre em narrativas noir - na verdade, ele praticamente só escreve isso - e mostrar Gotham dentro dessas características é um acerto e tanto. A trama que Azzarello cria é densa, só diferindo dos melhores momentos de Sin City - ou 100 Balas, logicamente - por ter gente com cara de palhaço, ou com ácido em metade da face, nos papéis principais. No mais, é uma teia de psicopatas lutando pelo trono do submundo criminoso de uma cidade corrupta, nada que não se veja nos noticiários.
Tem mais mostras da arte AQUI e AQUI
É claro que a HQ não é perfeita. A trama é boa… e boa, somente isso. É acertada, mas não tem daqueles momentos de te tirar da cadeira, embora esse pequeno defeito seja compensado pela constante sentimento de se estar afundando numa lama de corrupção infindável. Outra compensação é a arte genial de Lee Bermejo. Logicamente que muitos vão gritar que toda a densidade alcançada por ele é resultado de referências que ele buscou em Cavaleiro das Trevas, o filme - na verdade não é bem por aí, os dois foram concebidos juntos como parte de um plano da DC. As semelhanças são visualmente óbvias, passando por um Coringa mais grotesco e menos palhaço, e indo até uma ambientação bem dark de Gotham sem apelar para os artifícios visuais góticos que Tim Burton usou nos seus dois filmes do Morcego.
Mas o maior mérito de Coringa é mostrar que Batman não é tão onipresente quanto as histórias com ele como personagem principal aparentam. Um monte de merda rola em Gotham sem que Batman possa interferir ou tome conhecimento. Na verdade, Bruce Wayne vive em dois mundos, enquanto Coringa e toda a raça imunda do submundo de Gotham são unicamente bandidos, só estão do lado sujo. Em um momento, Batman chega a ser usado por Duas-Caras, e é citado como uma espécie de peça intimidadora pelos bandidos nesse xadrez sangrento.
A trama, no fim, se mostra um recorte na visão temerária de Frost das mazelas que o Coringa pratica. É chocante, mas poderia ter um clímax mais impactante. Porém, serve muito bem aos propósitos buscados por Brian Azzarello, e ainda apresenta mais profundamente as facetas do Coringa, e propõe versões realmente fodas do Charada, Pinguim e Duas-Caras. Logicamente que ela só funciona para os conhecedores do universo do Batman, aqueles que estão dispostos a ver mais aspectos do que simplesmente Batman combate o crime. Para uns (os fãs) isso é bom, para outros, talvez não.
Creio que é o bastante para 128 páginas…
Coringa (Panini Comics, 2009)
Autor: Brian Azarello
Arte: Lee Bermejo
Nota: 8
6 Comentaram...
Poderia rolar um link para baixar a obra se fosse possível, me interessei mto em baixá-la.
Ainda está sendo vendida esta revista?
abraços a todos...
Está sendo vendida sim! é muito boa.. na real é um encadernado com capa dura.. acabamento de luxo. :)
você pode encomendar por email com a panini.. ou no site novo deles (que está bem tosco, mas pode servir)
Eu já li a revista... E realmente é uma ótima HQ, tem suas falhas com certeza, mas no contexto geral ela é muito boa.
Na minha opinião as grandes qualidades da revista são o traço magnífico, que conseguiu mostrar o clima de loucura que o tema pedia. E a história que Brian Azzarelo criou, que conseguiu seguir o filme e mostrar um Coringa mais macabros, mostrando, o que no meu ver foi a face do coringa como o criminoso insano que é.
Infelizmente, na minha opinião personalidade do Coringa ficou um tanto mal trabalhada. Ele segue bem o roteiro, faz as ações que ele deve fazer, mas falta algo para torna-lo concreto, como acontece em Piada Mortal, cujo tema é parecido.
Mas no final ainda é uma ótima HQ e merece ser lida com toda certeza.
Onde ela está sendo vendida? eu ja tenho a minha, mas esses dias procurei pra comprar e dar de presente e só achei no Rika, e estava 65 reais! acho q ela já virou raridade.
e tbm acho uma ótima hq
mt boa essa revista! a arte dela então, nem precisa comentar!
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