Junji Ito

 

Por BruNêra

(Já vou logo avisando, essa resenha ficou grande pacas pessoal!)

Após um bom tempo sem postar nada, estou de volta! E volto com um dos assuntos que mais gosto. Quadrinhos! Para ser mais específico, quadrinhos de terror! Para ser mais específico ainda, quadrinhos de terror japonês! Quando decidi que escreveria sobre esse assunto, na hora me veio à mente "Suehiro Maruo", o grande mestre sádico do oriente! Mas como li somente um mangá (O Vampiro que Ri) deste perverso autor, decidi falar de Junji Ito!

Conheci seu trabalho através do documentário tantas-vezes-comentado-por-min JAPANORAMA (se Deus quiser, e eu criar coragem, em breve sai uma resenha sobre ele), e foi nesse documentário que constatei o elevadíssimo grau de otakisse, bizarrice e perturbação do autor. Na hora pensei: TENHO QUE LER ISSO, E TENHO QUE LER AGORA!!! Infelizmente não encontrei nada traduzido dele na internet e acabei lendo em inglês mesmo.

Qualquer um que já tenha lido um mangá de terror sabe que normalmente a história não tem pé nem cabeça. E com Junji Ito não poderia deixar de ser assim. Lógico que a história pode ser entendida perfeitamente, mas raramente fica-se sabendo porque ela começou ou como ela terminará. Os autores japoneses exploram muito as conseqüências de suas histórias na vida de seus protagonistas, e quando eles morrem ou se desligam da trama as coisas param por aí. Às vezes eles soltam pista no decorrer da HQ, o que nos dá algum material para decifrar os acontecimentos passados, mas nunca uma conclusão óbvia e definitiva. Isso, na minha opinião, é muito melhor do que uma história amarradinha e bonitinha, típica dos enlatadas americanos. Nessas arestas que sobram cabem direitinho nossos próprios medos e paranóias, deixando a revista muito mais pessoal e única para cada um que a lê.

Neste post vou falar das três histórias que consegui baixar. São elas: TOMIE, GIO e UZUMAKI. Nessas histórias Junji Ito leva cada conceito criado aos extremos, sempre explorando muito cada idéia e a evoluindo com o passar do tempo. Nada é estático nem definitivo, e no final a única certeza é que sempre se pode ficar mais louco!

 

-UZUMAKI-

 

Vamos começar por Uzumaki! Esse mangá nos conta a história de Kirie Goshima, uma adolescente comum que se vê em meio a uma série de acontecimentos bizarros e assustadores envolvendo toda sua cidade. A única ligação entre esses acontecimentos é o "UZUMAKI", que em japonês quer dizer "espiral". Para ficar mais fácil de entender vou contar a primeira historia do mangá.

::: SPOILERS INICIO:::

Ela começa com Kirie indo ao colégio e encontrando o pai de seu namorado, Suichi, agachado no canto de um beco, encarando um caramujo (caramujo!? espiral!? sacou?). Ela tenta conversar mas ele não responde, parece hipnotizado. Mais tarde quando Kirie encontra com Suichi ela narra os acontecimentos e Suichi lhe explica que seu pai tem andado estranho, que está colecionando objetos em forma de espiral e coisas assim. Ele também lhe diz que está muito aflito, que a cidade o está deixando doente e há algo de estranho no ar. Com o passar do tempo a obsessão do pai de Suichi toma uma dimensão tão grande que ele acaba cometendo suicídio de uma forma um tanto bizarra. Ele desenvolve uma caixa redonda e achatada (parecida com um rolo de filme) e se espreme lá dentro ate seu corpo ficar em forma de espiral. Depois de sua morte ele é cremado e a fumaça que sai da chaminé forma uma nuvem em espiral no céu.

:::SPOILERS FINAL:::

 

Como deu pra perceber a história é bem maluca. O interessante (e ao mesmo tempo assustador) é que durante a leitura do mangá você   começa a perceber a quantidade de espirais que temos a nossa volta; o fio do telefone, um pirulito, cachos de cabelo, caramujos, nossas digitais, etc. Como vocês vão ver nas próximas resenhas, Junji Ito tende a explorar o maximo todos os conceitos que cria. Nesse mangá especificamente, o "espiral" é levado ao extremo; com o decorrer da historia toda a cidade vai ficando sob o domínio do "espiral". O vento começa a formar redemoinhos ao menor movimento, as plantas nascem em forma de espiral, algumas pessoas se transmutam em caramujos, as ondas de rádio se propagam em círculos, impedindo qualquer comunicação com o mundo exterior, as ruas passam a não seguir caminhos definidos fazendo com que qualquer um que tente sair da cidade volte sempre para o mesmo lugar. Até o tempo começa se esticar e contrair fazendo com que uma caminhada de duas horas, para uma pessoa, seja equivalente a vários anos para outra. Para se ter uma idéia da originalidade de Ito no uso desse conceito: num dado momento da história surge uma gangue que consegue controlar os redemoinhos causados por seus movimentos e assim voar pela cidade destruída a procura de alimentos e coisas do tipo. Fantástico não!? Esse mangá foi adaptado para o cinema em 2000 e saiu com o titulo de "UZUMAKI, The Vortex" vou procurar para baixar e se conseguir faço uma resenha.

Bom, acho que já falei até demais sobre a historia. Se continuar vou acabar tirando a graça da leitura. Em resumo, para quem gosta de terror japonês esse mangá e excelente!

 

 

-TOMIE-

 

Dos três mangas que li esse tem a melhor idéia. Não é meu preferido, mas tem a melhor idéia! Nessa resenha eu vou mudar um pouco a ordem que costumo seguir, primeiro vou contar os capítulos que mais gostei e depois escrevo minhas impressões sobre o mangá, desse modo a historia vai ficar mais interessante de se ler, OK? Lá vai.

:::SPOILERS INICIO:::

A historia começa assim: um vendedor aparece numa pequena cidade, no interior do Japão, oferecendo um produto que, segundo ele, se for plantado numa terra fofa, ao invés de nascer uma arvore, nascerá uma jovem garota. A população local indignada com a mentira descarada do vendedor o enxota da cidade e ainda o obriga a jogar todos os embrulhos no fundo de uma cachoeira, na saída da cidade. O vendedor vai embora com um sorriso no rosto. Desse dia em diante várias pessoas desaparecem, enquanto nadam no leito da cachoeira. Uma onda de suicídios se inicia, com dezenas de garotos pulando do alto da cachoeira e se afogando em seguida. Seus corpos quase nunca são achados, e quando são, estão reduzidos a montes de ossos e carne disforme. Até que certa noite, dezenas de garotas idênticas e nuas emergem do leito da cachoeira, atravessam a cidade numa procissão bizarra e silenciosa tomando cada uma um rumo diferente noite a dentro.

:::SPOILERS FINAL:::

 

Como disse anteriormente, esse é meu conto predileto. Agora vou contar a história do mangá e o que vocês leram acima vai começar a fazer sentido.

Tudo começa quando a jovem estudante Tomie é assassinada, esquartejada e tem seus pedaços jogados ao mar por seu professor e colegas durante uma excursão de colégio. Depois de alguns dias, Tomie aparece na sala de aula, deixando todos assustados. Seu professor fica louco e tenta mata-la de novo, somente para perceber que isso é impossível. Aí se revela a maldição de Tomie: depois de sua morte, seus pedaços se regeneram, cada pedaço de seu corpo se torna uma nova Tomie, cada uma com a consciência distinta das outras. As únicas constantes em todas as "Tomies" é a inveja que ela sente de tudo e todos (inclusive de suas cópias), o efeito obsessivo exercido nos homens que faz eles sempre terminarem a esfaqueando ou esquartejando, e uma pinta abaixo do olho esquerdo.

O legal mesmo nessa historia não é esse fator multiplicador que Tomie tem, e sim o modo como ele é usado pelo escritor. A história que contei inicialmente mostra isso muito bem. Percebe-se, que Junji Ito nunca se apega ao óbvio. O que seria uma sucessão de mortes brutais terminando com Tomie se regenerando, ele transforma num conto onde sua personagem é uma espécie de vírus que contamina tudo que encosta, um fio de cabelo de Tomie é suficiente para transformar uma pessoa em uma cópia. Isso abre espaço para várias formas de terror. Em certa história uma Tomie consegue capturar uma cópia sua, ao invés de mata-la ela decide, com a ajuda de seu professor (aquele que a matou na primeira historia e que será personagem recorrente durante saga), fazer experimentos de fusão dessa copia com outras pessoas criando monstros disformes e bizarros.

Depois disso, acho que já deu pra entender o estilo desse mangá certo!?

 

-GYO-

Esse sim é dos três, o meu favorito, apesar de eu gostar do esquema de "capítulos" usado nas historias anteriores. O sistema mais linear usado em GYO me agradou mais. É como comparar LOST ou DEXTER, seriados com uma história continua que avança a cada capítulo, com NUMBERS ou HOUSE, que normalmente têm uma história de fundo, mas cada capítulo se foca em acontecimentos fechados. Os dois são bons, mas eu prefiro o esquema linear.

Agora vamos a história. Tudo começa quando o casal Tadashi e Kaori estão tirando férias numa cidadezinha no litoral japonês. Kaori, que tem um olfato muito sensível, começa a reclamar de um estranho mau cheiro no ar. Investigando o motivo Tadashi acaba encontrando e sendo atacado por um peixe com patas correndo do lado de fora da casa. Sem as patas parece um peixe normal, mas extremamente fedorento. Depois de uma caçada ao bicho ele consegue mata-lo e o coloca dentro de uma sacola para estancar o fedor. Apesar disso o cheiro persiste. Depois de um certo tempo Kaori já não aguenta mais o terrível fedor e Tadashi resolver sair para ver o que esta acontecendo. Seguindo o rastro de mau cheiro ele chega à praia, e então que uma multidão de peixes sai do mar e invade a cidade. Tadashi volta correndo para casa atrás de Kaori e no caminho dá de cara com um tubarão que o persegue até sua casa. Ele e Kaori tentam se esconder do tubarão no segundo andar, mas são perseguidos e só saem vivos porque o peixe maldito acaba caindo da varando e se esborrachando no chão do pátio. Daí para frente a coisa só piora, todas as cidades costeiras do Japão são invadidas por essas criaturas, e num dado momento até uma baleia ambulante aparece na historia. Depois de escapar do tubarão Tadashi e Kaori voltam para Tokyo e, apesar dos protestos de Kaori, Tadashi leva consigo a carcaça do peixe que ele matou para mostrar a seu tio Koiangi, que é cientista.

Nesse ponto eu entro num dilema, até aqui a historia está meio esquisita (peixes ambulantes não são lá muito assustadores correto!?), é daqui pra frente que as coisas ficam realmente interessantes, mas se eu contar vai perder metade a graça, por isso se você pretende ler a revista pare por aqui, se não, continue que a história é legal!

:::SPOILERS INICIO:::

Durante a análise o Dr. Koiangi descobre que as patas não fazem parte do corpo do peixe, ela é na verdade um tipo de plataforma com garras que se prende a qualquer ser vivo. Infelizmente ela acaba se agarrando ao seu braço obrigando-o a amputá-lo. Mais para frente na história veremos que ela foi criada por cientistas militares durante a II Guerra, seu objetivo principal é infectar suas presas com um vírus degenerativo, que faz com que todo ser vivo comece a exalar um odor insuportável. Eles pretendiam usar esse vírus como arma de guerra, mas as cobaias morriam muito rapidamente não permitindo um ataque duradouro ao campo inimigo; porque apesar de continuarem produzindo gás, as cobaias paravam de se mexer. A plataforma foi criada para que mesmo mortos as "armas" continuem se movendo e adentrando no terreno inimigo. Como essa arma foi parar nas profundezas do oceano o mangá não explica. Só ficamos sabendo que o pai de Tadashi tinha ligação com o projeto.

Dai pra frente o foco principal da HQ passa a ser o vírus e o gás que ele produz. Grande parte da população mundial é infectada. Kaori também contrai o vírus e passa a expelir o gás pela boca e pelo err... "orifício anal". Mesmo tentando muito, Tadashi não consegue acalma-la, e isso rende uma das cenas mais perturbadoras do mangá. Kaori se enforca no ventilador do quarto e Tadashi a encontra pendurada pelo pescoço girando impulsionada pelo jato de gás. Extremamente doentia essa parte!

Quase no fim do mangá, os peixes já se decomporam e caíram das plataformas; essas, por sua vez ficam paradas esperando que humanos infectados caiam em cima delas para continuar seu ciclo horrendo. No final sobram somente algumas centenas de pessoas inexplicavelmente imunes, que tentam descobrir uma cura para o vírus. Entre eles esta Tadashi.

Lógico que não contei toda a historia, faltou muita coisa que somente lendo o mangá dá para se entender. Então, se depois de tudo isso ainda quiserem ler, baixem!

:::SPOILERS FINAL:::

Nessa revista percebemos duas das características mais legais da forma como Junji Ito conta uma história. Tudo sempre começa com um acontecimento pequeno e isolado, normalmente numa cidade pequena. Com o tempo a história vai se desenrolando mais e mais até tomar proporções tremendas! E junto com essas proporções aumenta também a complexidade do enredo. A outra característica interessante é que mesmo tratando com o sobrenatural, Junji sempre coloca tudo em moldes físicos. Vemos isso nos três mangás que citei. Os experimentos científicos com o corpo de Tomie, os furacões criados pelo movimento em Uzumaki e o modo como o gás "do mal" é usado em Gyo. Isso é muito legal pois trás o terror fictício mais para perto da nossa realidade. Em contra partida, um ponto que me incomoda é a semelhança dos personagens principais; eles não tem características marcantes, nem personalidades fortes. Na verdade perecem sempre a mesma pessoa em contextos diferentes. Isso só não atrapalha tanto porque os personagens "evil" são muito singulares, sempre agindo de forma surpreendente.

Em resumo, adorei os três mangás e definitivamente recomendo para quem gosta de histórias de terror bem contadas.

Valeu pessoal.

É nozes!