quarta-feira, 30 de junho de 2010

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Tropa de Elite 2 ganha trailer… e é melhor do que Eu esperava

 

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Um belo dia li a sinopse de Tropa de Elite 2, e achei que o filme seria uma grande porcaria. Tá bom, parte da culpa era minha, que queria mais do mesmo, e parte por causa da própria trama, que parecia levar tudo para o campo burocrático, ao transformar o Cap Nascimento num coronel pai de família. Agora surge o trailer, que desmonta um pouco isso, ao colocar o agora Cel Nascimento no meio da merda da criminalidade, e de forma pessoal, como ele próprio anunciou.

A tal sinopse diz que o inimigo de Nascimento - e do BOPE, naturalmente - agora são as milícias. Mas, ao subir na hierarquia, ele dá de cara com um sistema ainda mais podre, que aponta para um problema mais grave do e inerente ao próprio governo do que ele imaginava. Ah, e ele tem um filho e fica naqueles dilemas que começaram no filme anterior.

As boas notícias é que Matias tá de volta, assim como o Cap “Essa pica agora é do aspira” Fábio. Fernanda Machado também volta pro elenco, que vai contar com Seu Jorge como vilão.

 

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José Padilha volta a direção, e a estréia está marcada para o dia 8 de outubro.

 

[Via Omelete]

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É aprovado o primeiro carrovião. E ele é feio

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Uma das coisas mais cool que os filmes de James Bond possuem, são os carros, sempre à frente do seu tempo. Desde o carro-submarino de O Espião que me Amava, até o exageradamente fake carro invisível de Um Novo Dia Para Morrer (que é um filme ruim de morrer mesmo…), passando pelo de controle remoto de O Amanhã Nunca Morre. Quem viu esses veículos com certeza sentiu vontade de ser um espião do MI6, ou, ao menos, de ser amigo do Q.

Agora corta pra realidade… e nossos carros de verdade. Bem, Eu não posso falar muito, pois me contentaria até com um Novo Uno - o mais baixo na escala automobilística - mas um dos carros mais avançados em termos de coisas 007anas do momento é o Terrafugia Transition, um carro que voa. Ele é feio pra cacete, mas merece um achievement, pois está à beira de se tornar o primeiro carro voador comercializado, só precisando passar nos testes de colisão - testes que me lembram Clube da Luta. Ele já recebeu uma aprovação da FAA - agência americana que regula a aviação - e ainda foi enquadrado uma categoria especial, já que foi considerada uma aeronave esportiva leve, mas possui 50 Kg a mais do que prevê essa classificação, pois precisa ter segurança tanto nas estradas quanto nos ares.

O Transition é um monomotor com nada de especial, dois lugares, quatro rodas dobráveis - e mais resistentes, pra andar em estradas, logicamente - e seis metros de comprimento. Ele passa de carro pra avião em meros 10 segundos, e atinge 100 Km/h no solo e 185 em vôo. A comercialização deve começar algum mês de 2011, por cerca de 200 mil doletas. E segundo a Terrafugia, fabricante da geringonça, 70 deles já foram encomendados.

Deve ser bom pra zona rural, mas usar na cidade nem rola…

Tem vídeos e fotos AQUI.

 

[Via Geek]

terça-feira, 29 de junho de 2010

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Revista Urbano e a nova Arkade

 

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Como já e de praxe, mensalmente indicamos conteúdo de alguns dos nossos cúmplices em armas. Tô pensando em uma forma de fazer isso mais vezes, mas sem fazer um post todo lotado de links, como rola em alguns blogs por aí. Mas, por enquanto, seguimos dessa forma mesmo. E nesse post vou indicar duas outras publicações. Uma delas vocês já conhecem, que é a revista Arkade, nossa e-magazine de games favorita, que chegou na edição 12. Abaixo o release:

 

Nesta edição especial de 1 ano da Revista Arkade, Super Mario Galaxy 2 é o jogo de capa! SMG2 é tudo que se pensava e mais um pouco - não deixe de ler o review. Além dele, esta edição traz reviews de outros três bons jogos: UFC Undisputed 2010, o game de corrida Blur e Green Day: Rock Band. Nos previews, veja o que se pode esperar do retorno dos Belmont aos console em Castlevania: Lords of Shadow e do sangrento FPS Bulletstorm, da Epic Games. A Bitbox deste mês traz tudo que rolou na maior feira de games do planeta, a E3. Não deixe de conferir também a matéria especial que relembra tudo que rolou em 1 ano de Arkade!

Edição 12

 

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Outra indicada desse post é a capixaba revista Urbano, que recebeu uma colaboração minha essa semana. Ela trata basicamente do universo do skate, bem como de arte urbana. O editor dela, Diego, amigo dos tempos do meu curso técnico, me pediu uma colaboração e inventei de fazer um perfil do polêmico diretor Larry Clark. Ia ser algo realmente grande, no nível do que faço aqui - fora que ele disse que não tinha limite de textos por lá - mas tive que reduzir a abrangência depois que ele falou que o público da revista não lê muito, só gosta de ver fotos e vídeos.

Acabei escrevendo somente sobre Kids, a estréia dele na direção. Ficou inferior ao que Eu gostaria - e mesmo assim ficou grande pelos padrões da revista, pelo que o Diego me disse. Mesmo assim, se você se interessa pelo assunto, não deixe de fazer uma visita.

 

É NOZES!!!

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[Capetalismo #5] As Engrenagens das Casas de Dinheiro

 

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Depois de uma pausa maior do que Eu gostaria, Capetalismo está de volta; espero Eu, que de forma menos cheia de intervalos até cumprir sua missão original, que é abordar todas as ferramentas no combate a inflação, e depois assumir um tom mais livre, como as edições Addendum. O tema dessa edição é o funcionamento dos bancos e de como eles influenciam no nosso cotidiano financeiro.

Mas antes, uma recapitulação rápida das outras edições da coluna. Aprendemos o que é Inflação, o que a causa, e como praticamente todos os esforços econômicos estatais são para contê-la, pois ela é o problema financeiro que mais salta aos olhos dos eleitores. Depois surgiram as armas do governo para impedi-la, começando com a Política Fiscal, que cuida de controlar os impostos, os gastos públicos e do crescimento do PIB. Depois veio os pormenores por trás da medição do PIB e do IDH, e como eles se diferenciam. E chegamos onde estamos: a Política Monetária, que basicamente cuida controle da Taxa Selic, os juros-base, que também servem para (em última instância) controlar a inflação através do encarecimento de crédito familiar. Também aprendemos que o superávit primário é a grana que o governo separa da arrecadação para pagar os juros da Dívida Interna, que é o montante que ele pegou com os bancos. Caso não tenha lido os textos anteriores, se adiante e faço isso pra já!

Mas bancos não servem somente para guardar, emprestar e arranjar coisas lucrativas para investir toda a grana que eles possuem. Tá bom, é só pra isso, mas as formas que eles encontram para fazer isso são um pouco mais variadas do que parecem. Primeiro, devemos entender o banco como uma empresa normal, que visa o lucro, e está sujeita a regras econômicas normais, como oferta e procura e essas coisas. Mas, ele tem privilégios do governo para operar da forma que opera, e esse é o fato que o coloca no vértice do sistema capitalista. Afinal, bancos são como caixas-fortes do sistema, se eles se vão, todo o resto da economia vai junto.

Existem basicamente dois fatores independentes que decidem sobre os juros e taxas cobradas pelos bancos: custos operacionais e oferta. Os custos operacionais dizem respeito a gastos com funcionários, infra-estrutura, maquinário altamente nada avançado, cafezinho dos gerentes, empresas de transporte de valores... essas coisas. Se o Banco do Brasil gasta, hipoteticamente, dois bilhões de reais com custos operacionais, naturalmente ele vai querer ganhar o dobro disso para cobrir outros itens importantes, como perdas - ou: ricos dando calotes -, além de encher os bolsos dos seus executivos de dinheiro. O segundo fator é a oferta. Quanto menos dinheiro disponível na praça, mais ele vale, e, logicamente, vice-versa também rola. Esse segundo fator é logicamente o que torna taxas variáveis (existem outros, tipo ganância, mas esse é o mais importante). Pense num vendedor de videogames. Ele tem uma loja videogames e jogos suficientes para atender a demanda do mercado dele. Mas um Grande Comprador chega num belo dia e compra 60% do estoque dele e de seus dois concorrentes do bairro, e o número de videogames a serem vendidos diminui bastante. Naturalmente o preço deles aumenta, pois a oferta de produtos diminuiu.

O mesmo rola com os bancos. A mercadoria deles é o próprio dinheiro. Bancos não podem ficar sentados sobre a grana que possuem ou seus lucros cairão bastante devido ao índice inflacionário, e eles precisam de muito, MUITO dinheiro para fazerem as coisas se acertarem. Bancos são intermediários, precisam "comprar" a mercadoria deles de nós, para depois vendê-las para o governo, outros investidores e a própria população. Eles precisam nos convencer que poupar nossa grana lá é vantajoso, e por isso nos oferecem um preço: os juros das cadernetas de poupanças, que é taxado pelo governo e é igual em todos os bancos. Mesmo interessados nos correntistas que movimentam contas freneticamente, os bancos estão de olho mesmo é nos poupadores, pois é dali que sai o dinheiro que eles usam para emprestar. Por isso, existe uma certa iniciativa para atrair dinheiro de poupadores - tipo de aposentados e blogueiros -, pois essa grana deixa os bancos com fundos para empréstimos realmente volumosos. Para a poupança ser minimamente vantajosa, ela precisa cobrir os gastos das perdas com inflação - algo em torno de 4,5% ao ano. Hoje ela está rendendo cerca de 1% ao mês, o que permite um certo ganho para quem tem uma boa renda aplicada por lá. Pois bem, para os bancos lucrarem, eles precisam cobrar pra emprestar a grana da poupança mais do que dão de juros de rendimento por elas.

Nesse momento, os bancos cobram 3% de juros ao mês para empréstimos dessa grana, o que dá dois pontos percentuais de ganhos para eles. Essa diferença é chamada de spread bancário, e é o dinheiro que os bancos usam para pagar seus custos operacionais, e retirarem os seus lucros. Parece pouco, mas não é, estamos falando de bilhões de dólares e reais. Esse spread é calculado pelo governo e divulgado anualmente, como uma forma de mostrar a competitividade das instituições bancárias. E tem outro fator, daqueles que nos deixam orgulhosos de sermos brasileiros: o spread bancário brasileiro é o segundo maior do mundo, e se soma a nossa taxa de juro básica, também uma das maiores do mundo, conforme mostrou a Folha de São Paulo nessa reportagem do dia 10/09/2009, da qual retirei o excerto abaixo:

“O ‘spread’ (a diferença entre o que as instituições pagam para captar recursos e o que cobram dos clientes) aplicado pelos bancos no Brasil é o segundo maior do mundo, ficando apenas atrás do Zimbábue, apesar de a taxa de inadimplência no país não estar nem entre as dez maiores do planeta.  Segundo levantamento do Fórum Econômico Mundial com base em dados do ano passado, o “spread” dos bancos brasileiros ficou em 35,6 pontos percentuais, maior do que a média das instituições financeiras de 127 países. Somente o Zimbábue, cuja economia vive situação caótica e onde a inflação chegou na casa dos 231 milhões por cento em julho do ano passado, a diferença entre os juros captados e os cobrados foi maior: 457,5 pontos percentuais (…) ’Spreads’ altos significam custos maiores para empresas e consumidores pegarem empréstimos.


Ao mesmo tempo, a inadimplência no Brasil, que é uma das explicações usadas pelos bancos para justificar os juros altos, era a 16ª mais alta do mundo, de acordo com dados do FMI referentes ao quarto trimestre de 2008 – quando a crise global estava em um dos seus momentos mais agudos. Os números do Fundo mostram ainda que a taxa de inadimplência no país vem caindo nos últimos anos“.

Outro excerto, de outra reportagem:

"Anualmente, a Fiesp faz um ranking de competitividade, conhecido como IC. Um dos itens que o compõem é justamente o spread bancário. No estudo a entidade usou dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) relativos a 2007. Os números mostram que o Brasil liderava o levantamento, com spread médio de 25,3 pontos porcentuais. Em um distante segundo lugar estava a Colômbia, com 7,4 pontos, seguida pela França, com 7 pontos." Fonte: Agencia Estado

Lindo, não?! Agora você já começa a entender porque não tem dinheiro. Mas, vamos prosseguir...

É aí que entra o nosso tão estimado governo. Ele faz o papel diabólico do Grande Comprador voraz de videogames do bairro, e encarece tudo. A necessidade de neutralizar um mal - inflação - acaba por criar vários outros gigantescos: concentração de renda, juros amortizadores, bancos bilionários. E a gente, que trabalha de verdade, acaba por suportar todo o peso das lambanças que a tabelinha Governo-Bancos fazem. O Governo é covarde e oferece uma taxa realmente vantajosa para os bancos, chamada Taxa Selic, a Mãe de Todos os Juros. O Governo pega boa parte da grana dos bancos justamente para aumentar o spread, porque diminui a quantidade de dinheiro disponível para que a população possa pegar emprestado. E - repetindo o raciocínio da última coluna - essa grana que ele pega emprestada gera a chamada Dívida Interna (atualmente em R$ 1,239 TRILHÃO), que tem seus juros pagos através de diminuição de investimentos em segurança, educação e saúde para gerar o superávit primário. Resumindo: nos fudemos duas vezes! E isso independe do governo ser do PT, do PSDB, ou de qualquer filhos da P--- que surgir por aí, a merda é sempre parecida (mas tem um fedor diferente, como veremos na política cambial, abordando o Plano Real, câmbio fixo e outros assuntos).

 

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Relação Selic e Juros para o consumidor

Bom, e quando o governo levou tudo e os bancos precisam de mais dinheiro para poderem emprestarem para outros clientes? Simples, eles atraem dinheiro pagando mais aos poupadores... e repassando tudo para os clientes. É o clássico Você quer dinheiro? Tá escasso, vai ter que pagar caro por ele... Vejamos como funciona na prática. Se os bancos realmente precisam de dinheiro, eles passarão a oferecer, por exemplo, 3% ao mês para a galera da poupança, gerando um aumento de 2%, e cobrar 5% dos que estão recebendo. O spread de 2 pontos continua ali, reluzente, mas a lei da oferta fez o preço se elevar, e naturalmente o cliente final engoliu tudo, pois provavelmente não conseguiu nada mais vantajoso nos concorrentes.

Então, aquele papo que mandam por aí que a inadimplência é o principal fator dos juros serem tão altos, é verdadeiro somente em empréstimos onde não existe contratos com avalistas, como cartão de crédito e cheque especial. Em casos de financiamentos, é a disponibilidade de grana no mercado que diz o quanto vai rolar de juros pra você. E nossos bancos dão de chapéu nos bancos de outros países, com spreads dez vezes mais altos e taxas de lucros absurdamente astronômicas - ao menos eles não se envolvem em crises, como os americanos e europeus.

 

Mas, existem outras formas dos bancos trabalharem com dinheiro, como fundos CDB, renda fixa, mercado imobiliário e ações (em breve falaremos de bolsa de valores). Nesses casos, ele é apenas um atravessador, uma espécie de consultor, que guia seu dinheiro para bons negócios - e lucra com isso, claro. Parte dessas operações são também responsáveis pela concentração de renda aguda do Brasil, e é isso que aprenderemos na Parte II do nosso aprendizado sobre os bancos.

 

Referências

Tabela com os ganhos da poupança | Matéria da Folha de São Paulo

 

[Via Blog Kantega]

segunda-feira, 28 de junho de 2010

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[Protopia] E se o 'Bandido' fosse os Estados Unidos da América?

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Arte de Alex Ross, capa da minissérie The Uncle Sam

Quem lê o NSN a certo tempo sabe que prezamos pela criação de conteúdo próprio. Mesmo utilizando fontes externas de fatos conhecidos para criar boa parte dos nossos textos, geralmente buscamos dar nossa opinião e visão sobre o que estamos escrevendo. Mas, ultimamente, mesmo com menos tempo livre do que gostaria, ando lendo bastante o Protopia Wiki, o site com alguns dos melhores textos da web, e gosto de compartilha-los de forma integral, sem comentários ou alterações, no máximo com uma introdução.

E no sábado a noite, enquanto escrevia um texto sobre o Pirate Bay para a NSN Magazine (em breve, novidades sobre ela), achei esse texto brilhante do Noam Chomsky sobre a atribuição de “polícia internacional” que os EUA auto-assumiram após a Guerra Fria. Mesmo sendo um pouco antigo - apesar de não constar data, creio ser ele do ano 2000-2001 - creio ser esse artigo bastante válido para entendermos um pouco mais sobre a atual escalada de tensão do Irã, que após a capitulação iraquiana, foi eleito o novo mal supremo do mundo pelos americanos.

E se o 'Bandido' fosse os Estados Unidos da América?

Noam Chomsky

O conceito de "Estado-bandido"(1) ou Estado fora-da-lei teve, nos últimos tempos, um papel primordial na análise e na estratégia política norte-americana. O exemplo mais conhecido(2) é a crise iraquiana, que dura exatamente há 10 anos (a invasão do Kuait pelo Iraque data de 1° de agosto de 1990). Na época, Washington e Londres decretaram ser o Iraque um "Estado-bandido", que constituía uma ameaça aos seus vizinhos e aos demais países; uma "nação fora-da-lei", dirigida por uma reencarnação de Hitler, e que devia ser mantida em xeque pelos guardiães da ordem internacional: os Estados Unidos e seu fiel escudeiro britânico.

A característica mais interessante deste debate sobre os "Estados-bandidos" é precisamente nunca ter ele acontecido. As discussões ficam circunscritas a limites que impedem a formulação de uma resposta evidente: que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha devem agir de acordo com suas leis e com os tratados internacionais que assinaram.

Enquadramento legal

O enquadramento legal pertinente ao caso ê baseado na Carta das Nações Unidas, fundamento do direito internacional, e, para os Estados Unidos, na Constituição norte-americana. A Carta estipula que "uma vez constatada a existência de uma ameaça contra a paz, de uma ruptura da paz ou de um ato de agressão, o Conselho de Segurança pode decidir as medidas a serem tomadas que não impliquem o uso da força armada. Caso tais medidas se revelem inadequadas, o Conselho poderá empreender qualquer ação que julgue necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais". A única exceção admitida está no Artigo 51: "Nenhuma disposição da presente Carta causa prejuízo ao direito natural de legítima defesa, individual ou coletiva, caso um país membro das Nações Unidas seja objeto de uma agressão armada, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para, manter a paz e a segurança internacionais."

Agindo por conta própria

Existem, portanto, vias legítimas de recurso para fazer frente às diversas ameaças que pesam contra a paz mundial, e nenhum Estado tem autoridade para agir por sua própria conta, através de medidas unilaterais. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não são exceções à regra, mesmo que tivessem as mãos limpas, o que está longe de ser o caso. Os "Estados-bandidos" não aceitam tais condições: como o Iraque de Saddam Hussein, por exemplo, ou os Estados Unidos. Dessa forma, por ocasião do primeiro confronto com o Iraque, a atual secretária de Estado Madeleine Albright, que na época era embaixadora dos Estados Unidos junto à Organização das Nações Unidas (ONU), declarou sem constrangimento ao Conselho de Segurança: "Agiremos de forma multilateral, quando pudermos, e unilateralmente, quando julgarmos necessário", pois "consideramos a área do Oriente Médio de vital importância para os interesses nacionais dos Estados Unidos."

ONU avalizou acordo de paz Essa posição foi reiterada pela secretária de Estado em fevereiro de 1998, quando o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, se encontrava numa missão diplomática em Bagdá: "Nós lhe desejamos boa sorte, e quando ele voltar veremos se o que ele traz é compatível com nossos interesses nacionais." Quando Annan anunciou que fora alcançado um acordo com Sadam Hussein, o presidente Bill Clinton declarou, por sua vez, que se o Iraque não se conformasse - sendo Washington o único juiz da questão -, "todo o mundo compreenderia que os Estados Unidos e, assim espero, todos os nossos aliados, teríamos o direito unilateral de responder no momento, no lugar e da maneira da nossa escolha".

O Conselho de Segurança da ONU endossou por unanimidade o acordo assinado por Annan, rejeitando a exigência de Londres e Washington de serem autorizados a utilizar a força, caso o acordo não fosse cumprido. Nessa hipótese, a resolução do Conselho indicava que o Iraque se exporia "às mais graves conseqüências", sem maior precisão. O Conselho decidiu ainda permanecer no controle da situação. Nos termos da Carta das Nações Unidas, tratava-se exclusiva e tão-somente do Conselho de Segurança(3).

Senhores da guerra

Washington fez uma leitura completamente diferente desse texto, que no entanto nada tem de ambíguo. Segundo 0 embaixador William Richardson, o acordo alcançado "não impedia o uso unilateral da força" e os Estados Unidos conservavam o direito legal de atacar Bagdá quando bem entendessem. Clinton, por sua vez, declarou que a resolução do Conselho de Segurança lhe "conferia autoridade para agir" - por meios militares, precisou seu assessor de imprensa - em caso de desrespeito por parte do Iraque dos compromissos assumidos. No Congresso, certos eleitos consideraram que esta posição oficial ainda era por demais respeitosa do direito nacional e internacional. O republicano Trent Lott, por exemplo, líder da maioria no Senado, denunciou o governo de Clinton por ter "subcontratado" sua política externa "a outros" - quer dizer, ao Conselho de Segurança. Seu colega John Kerry, outrora "pomba da paz", acrescentou que a invasão do Iraque pelos Estados Unidos seria "legítima", caso Saddam Hussein "se obstinasse em violar as resoluções da ONU".

Desprezo pelo direito internacional

O desprezo pela primazia do direito está profundamente enraizado na cultura intelectual e nas práticas norte-americanas. Basta recordar, entre outros exemplos, a reação de Washington à sua condenação pela Corte Internacional de Justiça de Haia, em 1986. Os Estados Unidos foram então condenados por "uso ilegal da força" contra a Nicarágua sandinista, intimados a pôr fim às suas atividades clandestinas a serviço dos "Contra" anti-sandinistas, e ainda a pagar indenizações ao governo legal de Manágua(4). Essa decisão da mais alta instância judiciária internacional provocou um furacão de protestos nos Estados Unidos. A Corte foi acusada de ter se "desacreditado", e seu parecer, julgado indigno de ser publicado, não foi absolutamente levado em conta. Muito pelo contrário: a maioria democrata no Congresso imediatamente autorizou a liberação de novos fundos para os terroristas do "Contra". Numa declaração de abril de 1986, o secretário de Estado George Schultz havia formulado de maneira clara a doutrina norteamericana sobre a questão: "A palavra negociação é um eufemismo para capitulação, se a sobra do poder não se projeta sobre o campo de diálogo", explicou, condenando os que defendiam "meios utópicos, legalistas, tais como a mediação por terceiros, a ONU e a Corte de Haia, sem considerar na equação o elemento poder."

A "agressão interna" O desprezo escancarado pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas é particularmente revelador. Tivemos um exemplo muito claro depois dos acordos de 1954 que puseram fim à primeira guerra da Indochina, conduzida pela França. Foram considerados um "desastre" por Washington, que logo se dedicou a sabotá-los: o Conselho Nacional de Segurança decidiu secretamente que "em caso de rebelião ou de subversão comunistas locais que não constituíssem ataque armado", os Estados Unidos considerariam o uso da força, inclusive contra a China, identificada como "a fonte da subversão". O mesmo documento preconizava a remilitarização do Japão e a transformação da Tailândia no "ponto focal das operações clandestinas e de guerra psicológica no Sudeste asiático"(5), especialmente na Indochina, ou seja, Vietnã(6). Posteriormente, o governo norte-americano iria dar a sua definição do conceito de agressão, incluindo o "combate político ou a subversão" - entenda-se: por parte de outros países, que não eles próprios. E o artificio utilizado pelo senador democrata Adlai Stevenson, que invocou uma "agressão interna" para justificar a escalada militar do presidente John Kennedy que iria levar a um ataque de grande envergadura no Sul da península e, conseqüentemente, à longa guerra do Vietnã. Para justificar diante do Conselho de Segurança a invasão do Panamá por tropas norte-americanas em dezembro de 1989, o embaixador Thomas Pickering invocou o artigo 51 da ONU: tratava-se, segundo ele, de impedir que o território desse país "fosse utilizado como base para. o tráfico de drogas destinadas aos Estados Unidos". Entre a "opinião esclarecida" ninguém contradisse essa interpretação.

O direito à "legítima defesa"

Em junho de 1993, o presidente Clinton alcançou grande sucesso no Congresso e na imprensa quando ordenou um ataque de mísseis contra o Iraque, ataque que deixou grande número de vítimas civis. Os comentadores ficaram particularmente impressionados com o recurso de Albright ao famoso artigo 51: os bombardeios constituíam "um ato de legítima defesa contra um ataque armado", disse ela, referindo-se a uma pretensa tentativa de assassinato contra o presidente George Bush, ocorrida dois meses antes! Responsáveis pela administração, expressando-se em anonimato, informaram os jornalistas que "esse julgamento sobre a culpabilidade do Iraque baseava-se em provas e análises circunstanciais, e não em informações concretas" - o que não impediu que a imprensa saudasse com unanimidade a utilização do famoso artigo 51. Na Câmara dos Comuns, na Grã-Bretanha, o secretário de Relações Exteriores, Douglas Hurd, também defendeu esse "exercício justificado e comedido do direito à legítima defesa". Um tal balanço parece dar razão a todos os que, mundo afora, se preocupam com a existência de "Estados-bandidos", prontos a usar a força em nome de um "interesse nacional" definido somente pelos jogos de poder internos; e com a existência ainda mais inquietante de "Estados-bandidos" que se erigem em árbitros e carrascos em escala planetária.

Um "Gulag norte-americano"

O que viria, então, a ser um "Estado-bandido"? A idéia subjacente a essa formulação é que, embora terminada a guerra fria (1947-1989), os Estados Unidos conservam a responsabilidade de proteger o mundo. Mas proteger de quem? A "conspiração monolítica e impiedosa" de J. R Kennedy e o "império do mal" tão caro a Ronald Reagan já se acabaram. E preciso encontrar novos inimigos(7). Dentro do país, o medo da criminalidade - e em particular da droga - foi estimulado por "uma, série de fatores que pouco ou quase nada têm a ver com o crime propriamente dito". Essa é a conclusão da Comissão Nacional de Justiça Criminal, que cita o comportamento dos meios de comunicação, além do "modo como o Estado e a indústria privada produzem medo nos cidadãos", "explorando, com fins políticos, as tensões raciais latentes." E ressalta o preconceito racial existente na polícia e na justiça, que arrasa comunidades negras e cria um "abismo racial", colocando o país sob "O risco de uma catástrofe social". Criminologistas descrevem o resultado como um "Gulag norte-americano", um "novo apartheid", com a população carcerária atingindo, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, cerca de dois milhões de detentos, em sua maioria (!) sendo afro-americanos. O índice de presidiários negros é sete vezes maior que o de brancos, sem qualquer relação com o índice de detenções, que por sua vez não tem relação alguma com os números reais de uso ou de tráfico de drogas(8).

Teoria do louco

No exterior, os perigos seriam o "terrorismo internacional", os "narcotraficantes hispânicos" e, o mais grave de todos, os "Estados-bandidos". Um estudo secreto, datado de 1995, e tornado público recentemente graças à lei sobre liberdade de informação, delineava em linhas gerais a abordagem estratégica na aurora do novo milênio. Feito pelo Strategic Command, responsável pelo arsenal nuclear estratégico, e intitulado Essentials of Post Cold War Deterrence (Princípios básicos de dissuasão no pós-guerra fria), o estudo mostra, segundo a agência Associated Press, "como os Estados Unidos modificaram sua estratégia de dissuasão, substituindo a União Soviética pelos Estados ditos ‘bandidos’ ou ‘fora-da-lei’: Iraque, Irã, Líbia, Síria, Cuba e Coréia do Norte".

Recomenda ainda que os Estados Unidos explorem seu potencial nuclear para projetar de si uma imagem "irracional" e "vingativa" no caso de ameaça aos seus interesses nacionais. "É prejudicial nos mostrarmos como pessoas razoáveis, racionais e de sangue-frio" e, pior ainda, como respeitadores de bobagens tais como o direito e os tratados internacionais. "Que alguns elementos" do governo federal "possam parecer potencialmente loucos, incontroláveis, pode contribuir para criar ou reforçar medos e apreensões nas mentes dos nossos adversários." Esse relatório ressuscitava a "teoria do louco" de Richard Nixon: os inimigos dos Estados Unidos devem compreender que estão diante de desequilibrados, de comportamento imprevisível, e que dispõem de uma enorme capacidade de destruição. O medo os conduziria, dessa forma, a se dobrarem às vontades norte-americanas. Esse conceito havia sido desenvolvido em Israel nos anos 50 pelo governo trabalhista, cujos dirigentes "pregavam atos de loucura", como escreveu em seu diário pessoal o ex-primeiro ministro Moshe Sharett. O conceito dirigia-se então, até certo ponto, contra os Estados Unidos, que na época não eram considerados suficientemente confiáveis. Retomada pela única superpotência atual, que se considera acima da lei e sofre poucos constrangimentos por parte de suas próprias elites, temos de admitir que essa teoria coloca um sério problema ao resto do mundo.

Criando novos inimigos

Desde o começo do governo Reagan, em 1980, a Líbia foi designada como 0 "Estado-bandido" por excelência. Vulnerável e sem meios de se defender, esse país é de fato um saco de pancadas per feito. Em 1986, por exemplo, o bombardeio de Trípoli terá sido o primeiro da história programado para transmissão por televisão, ao vivo e em tempo real, para que os escreventes dos discursos do "Grande Comunicador" Reagan pudessem mobilizar a opinião da multidão em favor dos ataques terroristas de Washington contra a Nicarágua. O pretexto? O "superterrorista" Khadafi tinha "enviado 400 milhões de dólares e todo um arsenal para Manágua, com o objetivo de levar a guerra para dentro dos Estados Unidos", que exerciam seu direito de legítima defesa contra a agressão armada desse "Estado-bandido" que era a Nicarágua sandinista. Imediatamente após a queda do muro de Berlim, em 1989, que pôs fim à ameaça soviética, o governo de George Bush submeteu ao Congresso seu pedido anual de um gigantesco orçamento para o Pentágono: "Nessa nova era que se anuncia (...) o emprego de nossas forças provavelmente não envolverá mais a União Soviética, e sim, talvez, o Terceiro Mundo, onde será certamente necessária uma nova conduta e novos procedimentos." Acrescentou que os Estados Unidos deveriam manter forças consideráveis de intervenção, especialmente destinadas ao Oriente Médio, onde "as ameaças contra os nossos interesses", que exigem intervenções militares diretas, "não podem ser debitadas ao Kremlin". Ao contrário, diga-se de passagem, de uma ladainha sem fim de inverdades difundidas durante 40 anos pela propaganda norte-americana, hoje em dia mortas e enterradas.

Onda de ira contra os EUA

Na época, as ameaças contra os interesses norte-americanos também não podiam mais ser debitadas ao Iraque, uma vez que Saddam Hussein - que fazia então a guerra contra, o Irã do aiatolá Khomeini - era um amigo cortejado e parceiro comercial de Washington. Seu estatuto, porém, mudaria completamente poucos meses depois quando, em julho de 1990, interpretou mal o consentimento norte-americano para mudar à força suas fronteiras com o Kuait, entendendo-o como uma autorização para invadir todo o país(9). Ou, na perspectiva do governo Bush, para repetir o que os Estados Unidos acabavam de fazer no Panamá, em dezembro de 1989. Os paralelos históricos no entanto, nunca são exatos. Quando Washington se retirou parcialmente do Panamá, após ter instalado ali um governo-fantoche, uma onda de ira rebentou em todo o hemisfério, inclusive no Panamá. Uma onda de ira que chegou mesmo a fazer a volta ao mundo, obrigando Washington a apor seu veto a duas resoluções do Conselho de Segurança da ONU e a se pronunciar contra uma resolução da Assembléia Geral que condenava "a violação flagrante do direito internacional e da independência, da soberania e da integridade territorial dos Estados" exigindo a retirada "do corpo expedicionário norteamericano" do Panamá.

Uma terapia de choque

O que alimenta a reflexão de analistas políticos, como por exemplo Ronald Steel, que se questionava sobre o "enigma" com que se deparavam os Estados Unidos: "Como nação mais poderosa do mundo, vêem a sua liberdade de empregar a força submetida a mais constrangimentos do que qualquer outro país." Daí o êxito (temporário) de Saddam Hussein no Kuait, em agosto de 1990, em comparação com a incapacidade de Washington de impor sua vontade no Panamá. Antes do Iraque, Irã e Líbia lideravam a lista dos "Estados-bandidos". Outros, no entanto, jamais figuraram nela. A Indonésia é um bom exemplo: transformou-se de inimigo em amigo quando o general Suharto tomou o poder em 1965, ,após um banho de sangue muito aplaudido no Ocidente(10). Suharto iria rapidamente tornar-se "o nosso tipo de cara" (our kind of guy) por retomar uma fórmula do governo Clinton, enquanto cometia agressões mortais e atrocidades sem conta contra seu próprio povo. Somente nos anos 80, contam-se 10 mil indonésios mortos pelas forças da ordem, segundo o testemunho pessoal do ditador, que explica também que "deixamos os cadáveres espalhados, como uma espécie de terapia de choque."(11)

"Bandidos" bonzinhos

Mas ainda em dezembro de 1975 o Conselho de Segurança da ONU havia intimado a Indonésia a retirar "com urgência" suas tropas, que haviam invadido o Timor Leste, antiga colônia portuguesa, e pedido que "todos os Estados respeitassem a integridade do Timor-Leste, bem como o direito inalienável de seus habitantes à autodeterminação". Os Estados Unidos iriam responder a essa decisão das Nações Unidas aumentando secretamente as remessas de armas aos agressores. O então embaixador da ONU, Daniel Patrick Moynihan, se diz orgulhoso, em suas memórias, por ter tornado as Nações Unidas "totalmente ineficazes, em quaisquer que fossem as medidas que tomassem" no que se referia à Indonésia. E isso, seguindo as instruções do Departamento de Estado, "que desejava que as coisas evoluíssem como evoluíram e trabalhou para tal". Washington também aceitaria tranqüilamente o roubo do petróleo do Timor (com a participação de uma companhia norte-americana), apesar da transgressão da legalidade que isso representava e em detrimento de qualquer interpretação razoável dos acordos internacionais. A analogia entre as situações do Timor-Leste e do Kuait é bastante próxima, mas há algumas diferenças. Para falar apenas da mais evidente: as atrocidades cometidas - com a bênção norte-americana - pelo regime indonésio na ilha do Timor, ultrapassam em muito qualquer coisa atribuída ao Iraque no seu vizinho(12). Isso, porém, não fez da Indonésia, na lista de premiados estabelecida por Washington, um "Estado-bandido"

"Bandidos" desobedientes

Não foram os crimes cometidos por Saddam Hussein contra seu próprio povo, nem sobretudo a utilização - perfeitamente conhecida pelos serviços secretos norte-americanos - de armas químicas contra civis, que metamorfosearam o ditador em "monstro de Bagdá". Antes da invasão do Kuait, os Estados Unidos haviam lhe dado um apoio tão certo que até deixaram passar o ataque da força aérea iraquiana contra o navio de guerra USS Stark (que fez 37 vítimas entre os marinheiros norte-americanos), um privilégio restrito até então a Israel (no caso de seu ataque "por engano" ao USS Liberty, em junho de 1967, que deixou 34 mortos). Eles haviam coordenado com Saddam Hussein a campanha diplomática, militar e econômica que levou, em 1989, à capitulação do Irã "diante de Bagdá e Washington", como escreveu o historiador Dilip Hiro.

Tinham até encomendado a Saddam Hussein os serviços habituais de Estado vassalo: por exemplo, treinar centenas de mercenários líbios recrutados por norteamericanos para derrubar o coronel Khadafi, como revelou Howard Teicher, um ex-assessor de Reagan(l3). Se Saddam Hussein caiu para o lado dos "Estados-bandidos", foi porque saiu da linha e se mostrou desobediente, do mesmo modo que o criminoso de menor envergadura Manuel Noriega, do Panamá, cujos principais crimes foram cometidos enquanto estava a serviço - remunerado - de Washington. Cuba foi classificada na categoria por sua presumida implicação no "terrorismo internacional", mas não os Estados Unidos, que, no entanto, durante quase 40 anos, fizeram múltiplos ataques terroristas à ilha caribenha e diversas tentativas de assassinar Fidel Castro. O Sudão foi também classificado como "Estado-bandido", embora não os Estados Unidos, que em agosto de 1998 bombardearam ali uma suposta fábrica de armas químicas, que depois foi provado tratar se de uma indústria farmacêutica, como afirmavam as autoridades de Cartum...(l4) Vê-se que o conceito de "Estado-bandido", hoje em dia oficialmente abandonado, foi particularmente flexível. Enfim, os critérios eram perfeitamente claros: um "Estado-bandido" não era simplesmente um Estado criminoso, mas um Estado que não se dobrasse as ordens dos poderosos, eles mesmos, evidentemente, poupados desta classificação difamatória.

 

1) A expressão "Estado-bandido" (rougue state, em inglês) perdeu sua razão de ser – declarou o porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher, - porque muitos desses países corrigiram suas condutas. Foi substituída por "Estado fonte de Preocupação" (state of concern, em inglês. Esta modificação de terminologia, no entanto, não afeta as sanções contra os referidos Estados. Cf. Le Monde, 21 junho de 2000.

 

[Restante das referências no texto original]

Avatar Murilo

Otomen

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Uma das poucas coisas em que posso dizer que sou eclético é com mangás. Leio terror, ficção científica, humor, romance, mangás mais adultos (aqui, me refiro a mangás adultos não só por conter nudez e maior violência) e os clássicos desse gênero. Como todo cara com gostos diferentes, eu tenho problemas, claro. Isso me obriga a ser seletivo na hora das compras, ou do contrário, me verei falido no primeiro dia do mês. E também causa confusão na mente de alguns amigos meus, que não conseguem compreender como posso gostar de determinada obra. Como posso gostar de Akira e ler Naruto? Ou gostar de Monster e acompanhar os mangás do Clamp? Alguns até me xingam muito no Twitter. Outras mentes pequenas não conseguem compreender como posso gostar de mangás (teoricamente) voltados para garotas, quando essa separação já se encontra cada vez mais difusa. O que me leva a Otomen, que por algum motivo a Panini faz questão de inserir o rosa em todas as suas capas, que talvez seja um dos mangás shoujo mais adequados para os homens, perdendo para os do grupo Clamp, criadoras de Sakura Card Carptors e X.

Asuka Masamune é um estudante japonês campeão nacional de kendô, faixa-preta em judô e caratê, desejado pelas garotas, invejado e temido pelos homens. É visto por todos como um exemplo de masculinidade, mas guarda um segredo desde a infância. Sua lembrança mais antiga é o pai indo embora de casa dizendo que sempre quis ser mulher. A segunda é a da sua mãe tendo um colapso, ao descobrir que ele gosta de rosa, de ursinhos de pelúcia e de brincar de cozinhar, entre outras coisas consideradas pouco adequadas a um menino. Ela pensa encontrar ali um forte indício de desvio da orientação sexual do filho e implora a Asuka para que não repita o erro do pai. Desde então ele se esforça para ser o mais masculino possível, tornando-se um jovem reprimido.

Quando Asuka se apaixona por Ryo Miyakozuka ele perde o controle. Se vê costurando, arrumando a casa, fazendo bichinhos de pelúcia, fazendo doces e lendo montanhas e mais montanhas de shoujo mangás, em em especial Love Chick, porque se identifica com a protagonista. A própria Ryo não é uma garota comum, preferindo filmes de ação a romance e sendo péssima na cozinha, por exemplo, e parece compartilhar do amor de Asuka. Em meio a eles está Juuta Tachibana. Típico personagem folgado, grudento e aproveitador, ele conhece o segredo de Asuka e faz de tudo para que ele fique com Ryo, por um motivo que não fica muito claro no início. O que ninguém sabe é que Juuta é autor do Love Chick que o Asuka tanto gosta. O motivo dele se identificar com a protagonista se dá porque ela e todas as situações do mangá são inspiradas nele e sua relação com a Ryo, embora não perceba.  Como o namoro do casal não engrena o mangá não vai adiante, correndo o risco de ser cancelado. Por isso, Juuta faz de tudo, em vão, para que eles fiquem juntos.

 

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Otomen, óbvio, é uma comédia romântica. Mais comédia do que romance para falar a verdade. Brinca com a idéia de um homem com cara fechada sendo prendado e com os clichês do gênero, por isso tudo é mais exagerado. A garotinha romântica é um homem e o interesse amoroso é uma mulher, pra deixar claro o nível de sátira do mangá. A série faz até piada com o tempo que casais de shoujo demoram para se formar. O humor fica melhor por causa da arte agradável da Aya Kanno. Apesar de ser um quadrinho voltado para a diversão, ele acaba por discutir questões mais sérias. Os comportamentos que se esperam dos homens e das mulheres que vem de séculos atrás, mas que ainda são exigidos pela sociedade. Quando uma mulher gosta de futebol, é invariavelmente tachada de sapatão e se um homem sabe costurar, logo deve ser gay.

Otomen, como já disse, é uma sátira aos mangás shoujo, mantendo praticamente todas as suas características, e por isso é mais indicado para quem já conhece o gênero. Não que seja incapaz de agradar os leitores novatos, mas eles podem não entender algumas piadas. Contudo, ainda é capaz de agradar. Fica a dica.

 

Autora: Aya Kanno

Preço: R$ 9,90

Nota: 7,5

sábado, 26 de junho de 2010

Avatar FiliPêra

Sketch original de Pac-Man

 

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Segundo a lenda, Toru Iwatani teve a idéia de criar um dos mais clássicos personagens dos arcades, após ver uma pizza semi-comida. Bom, após isso, ele meteu a cara nos papéis e criou o esboço do que seria o primeiro labirinto que o Come-Come enfrentaria. O resultado é esse aí acima…

Cool!

 

[Via Boing Boing]

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Avatar Colaborador Nerd

[Pipoca e Nanquim] Vampiros

 

 

[Nota do Editor: esse post atrasou porque acabei dormindo após o jogo do Brasil e só acordei agora. Peço desculpas a todos. Editor também descansa]

Essa semana o Pipoca e Nanquim vai falar sobre Vampiros! Esses seres chupadores de sangue estão em evidência nos dias de hoje, mas sempre tiveram fãs assíduos, sejam jogadores do famoso RPG storyteller ou apenas apreciadores de um bom cinema ou história em quadrinhos, e também aqueles que nunca se deixaram conquistar por suas histórias. Só que uma coisa é inegável: a nona e a sétima arte produziram verdadeiras obras primas com o tema, material de conhecimento obrigatório para qualquer cinéfilo e fã de quadrinhos.

No primeiro bloco do programa falamos apenas de HQs. E trouxemos de tudo! De Vampirella a Mirza, de Blade a Buffy (que também tinha sua série em quadrinhos), e a série Blood: Uma Historia Sangue, magnífica história do roteirista J. M. Dematteis. Imperdível.  

Dedicamos o segundo bloco aos filmes. E nada de saga Crepúsculo, Anjos da Noite ou Van Hellsing, falamos de filmes nostálgicos e outros mais desconhecidos. Somente boas indicações, desde o clássico Nosferatu e sua contraparte A Sombra do Vampiro – que explora o mito do ator Max Schreck – a trilogia Karnstein, os filmes dos anos 80 como A Hora do Espanto, Garotos Perdidos, Quando Chega a Escuridão e muitos outros!

E ATENÇÃO! Vamos sortear duas camisetas lindas daqui a dois programas, uma da Valentina, personagem erótica de Guido Crepax, e outra do V de Vingança. Sua participação começa a partir dessa semana. Para concorrer basta seguir o Pipoca e Nanquim no twitter e escrever a mensagem “Quero ganhar a camiseta do @PIPOCAENANQUIM”. Este é só o primeiro de muitos sorteios que vamos fazer para nossos seguidores daqui pra frente! O programa está crescendo e queremos encher nosso twitter de gente boa! Participa aê!

Um abraço e até semana que vem!

Avatar FiliPêra

Apenas o Fim

 

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Você provavelmente odeia a maior parte do cinema nacional por não se identificar com o que rola na tela, sendo que ele supostamente retrata a realidade a sua volta. Mesmo que Eu ache o cinema com propósito algo importante, além de ter uma mensagem ser uma função de toda a arte, o modo como fazem no Brasil é de tal forma repetitivo e sem aprofundamento, que não conheço praticamente uma viva alma que goste de verdade de filmes brasileiros. Uma exceção aqui e ali, como Cidade de Deus, Tropa de Elite, alguns de Jorge Furtado, Heitor Dhalia, algo de Beto Brant; mas nada que classifique algum amigo meu de Fã de Cinema Brasileiro. Para piorar, as pessoas que se amarram, parecem ser do tipo que gostam de depreciar o gosto alheio e o chamado Cinema Alienador Imperialista - ou um outro termo qualquer, o que indica que um ser desses mais parece um Sem-Terra dos mais malas, ou um militante do PCO - e não parecem ver filmes para aprenderem coisas, ou se divertirem, mas unicamente para demonstrarem que possuem uma mistura distorcida de algo que elas chamam de valores patrióticos, com um pouco de masoquismo, já que dificilmente conseguem explicar de que aspectos do cinema nacional elas gostam. São pessoas que geralmente mostram que gostar de cinema brasileiro passa por odiar todos os outros.

Isso tudo pra foi pra dizer que Apenas o Fim está acima de todos aqueles filmes brasileiros rançoso, que insiste em mostrar somente pobreza, morte… ou um roteiro primário numa comédia estúpida nos moldes de algum programa da Globo. Em outras palavras: o grosso do cinema nacional brasileiro é uma versão longa-metragem do finado Aqui e Agora, ou de Zorra Total. Os que não bebem dessas fontes de qualidade duvidosa e devidamente desgastadas, têm grandes chances de serem bons.

E esse é o caso de Apenas o Fim, que não deve praticamente nada ao que já foi feito por aqui. E vai mais além: é uma comédia romântica fortemente dramática, calcada nos diálogos, o que provavelmente faz dele o melhor filme nacional para entender a vida a dois dos últimos tempos - algo na linha do que Closer mostrou sobre triângulos e quadrados amorosos. Apenas o Fim ainda tem aquela pegada independente também - mais ou menos como El Mariachi e Primer - que raras vezes vemos fazer sucesso por aqui. Custou em torno de R$ 8 mil, tem um cenário só, ninguém recebeu nada pra trabalhar, e ainda rolou uma rifa de garrafa de uísque para levantar uma grana, o que colabora para criar aquelas lendas de produção que são sempre interessantes. O filme começou sua carreira como todo filme independente de verdade: em festivais - foi eleito o melhor filme no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, pelo voto popular, e foi exibido na Holanda e em outros países europeus - e mostras universitárias, e atraiu a atenção de gente grande, jogando o nome de Matheus Souza, o diretor do filme, numa limitada estratosfera, que é provavelmente onde ele queria estar.

Apenas o Fim é a estréia de Matheus; nasceu da vontade dele, um estudante de cinema da PUC-RJ, colocar em prática aquela máxima de que alguém só vira cineasta quando tem uma idéia na cabeça… e filma. Pelo fato de ser a primeira experiência real do cineasta, o filme não segue os clichês agourentos do cinema nacional, e assume contornos que penso serem bastante autobiográficos - o protagonista também é estudante de cinema da PUC, e nerd. O resultado não é uma tentativa de abraçar o mundo, como alguns cineastas acham que fizeram em sua primeira produção, mas unicamente um longo exercício de experimentação referencial, focando o próprio mundo dos relacionamentos de uma forma bem particular, simples e extremamente tocante.

 

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Os que gostam de ler a sinopse do filme antes de vê-lo, provavelmente vão se decepcionar, caso esperem algo genial. O máximo que dá pra dizer sobre a trama de Apenas o Fim é: menina decide fugir de tudo, e faz uma última DR gigante com o namorado, tudo entrecortado por flashbacks que revelam um pouco mais sobre o casal. Em termos de estrutura de roteiro, é isso. Adriana procura Antônio - na verdade, o nome dos dois quase nunca é pronunciado, dando espaço para que cada um se identifique com eles - enquanto ele tá indo fazer uma prova, e manda a bomba: ela está zarpando, decolando, içando as velas… simplesmente indo embora. A dinâmica desses primeiros momentos já mostra com uma perícia impressionante como são os dois personagens em termos psicológicos. Adriana é livre, independente, espevitada, mas extremamente hesitante; enquanto Antônio é anti-social, inteligente, indeciso, mesmo que sobre todas essas características ele vista uma capa de auto-confiança. Ela se vai dentro de uma hora, e os dois optam por conversar, sobre tudo e sobre nada, enquanto passeiam pelo campus - ao mesmo tempo em que acompanhamos os tais diversos flashbacks em preto e branco, que mostram momentos aparentemente sem importância dos dois, mas que servem como instrumento perfeito para expor de forma pulsante não só o casal, mas todo um conjunto de casais que são extremamente parecidos com eles.

Mas, o filme, naturalmente, é muito mais que isso. É uma pequena janela que escancara com profundidade toda uma geração de jovens influenciados pela Cultura Pop. O tema dos diálogos não poderia ser outro, e retratam vários filmes, referências, artistas e tudo que esteve presente na vida de toda uma juventude jamais mostrada com competência num filme aqui aqui do Brasil.

Aí é que a mágica do cinema entra na jogada. Assim como Fanboys, Apenas o Fim segue o rótulo Ame ou Deixe. Não tem meio termo nos (infelizmente poucos) 80 minutos dele. Ou você vai sentir que filmaram seu relacionamento - mesmo que num clima meio destrutivo, como anuncia o título, logo de cara - com todos os diálogos nerds e aquelas discussões que não chegavam a lugar algum, mas serviam pra aproximar você e sua namorada(o), ou… bom, como vocês lêem o NSN, creio ser esta a única opção. Se você já discutiu se Mario Bros é melhor que Kingdom Hearts (dizer “Ridículo é controlar uma dupla de encanadores fofinhos” pra chamar a namorada de infantil é coisa de gênio), se Transformers é melhor que Godard, confessar que buscou a Britney Spears pelada durante anos, se já jogou Super Trunfo, se preocupou-se em deixar bem claro que tem uma action figure do Fanático e não do He-Man… esse filme é pra você. E a naturalidade com que são tecidos os diálogos, aliados as boas atuações de Érika Mader e Gregório Duviver, insere o conjunto da obra naquela lista de filmes que você vai levar pra sempre com você. E caso não viveu algo assim, com certeza vai querer viver. Urgentemente!

Os dois - Antônio e Adriana - são o centro de um universo só deles. Um mundo que só os dois entendem e que só eles habitam. Boa parte dos que orbitam ao redor desse casulo são seres tão chatos que chegam a ser repugnantes, e que dizem as maiores asneiras possíveis, como é fácil comprovar nos dois diálogos que o casal mantém com “amigos” deles, ou na cena final das filmagens (sim, um pouco de metalinguagem aqui). Esses dois momentos servem justamente para mostrar o porquê do fim do relacionamento ser algo tão destrutivo para Antônio. Quando sua namorada - diferente, inteligente, e que gosta das breguices românticas e exageradas que ele profere a todo o minuto - se for, só sobrará seres como Lincoln, que protagoniza um momento propositalmente chato e constrangedor no filme. Ver os dois juntos é entender que o apenas o fim do título é como um pequeno apocalipse, perder o outro significa perder um pedaço que eles construíram mutuamente. Antônio sem Adriana é um simples estudante de cinema no meio de colegas patéticos….

Esse maniqueísmo inocente - nerds legais vs o resto do mundo chato - é engraçado e interessante - e por vezes, assustadoramente real - e serve como um fator que isola os dois de uma forma romântica e perfeitamente compatível com a proposta do filme. As conversas dos dois são uma construção de relacionamento melhor do que 90% das comédias românticas, focadas em conteúdo visual ao invés de verdadeiramente emocional. Eles não são somente um desfile elegante, fluido e incansável de referências pop, mas uma mostra de intimidade desconcertada e apaixonante do casal protagonista, algo no naipe de uma obra de Kevin Smith ou Judd Apatow - devidamente referenciadas aqui.

Felizmente, esses dois aspectos - protagonistas e diálogos perfeitamente construídos - se sobrepõe a parte técnica. Não que ela seja deficiente, mas simplesmente não se destaca, por motivos óbvios - e na boa, nem é minimamente necessário; seria o mesmo que pedir pra ver Procura-se Amy em 3D, ou cheio de efeitos especiais; não ia influir me nada no resultado final. São diversos planos-sequência dos dois andando, despejando conversas primorosas, cortadas por cenas em preto e branco gravadas no quarto deles; as conversas têm um tom extremamente natural, quase teatral e amador, com pequenos errinhos nas falas, improvisos e sei lá. O que seria uma lástima em outros filmes - como um de Kubrick, por exemplo, que se prende no perfeccionismo - aqui torna a ambientação ainda mais intimista; é como se fôssemos observadores intrusos dos momentos derradeiros e finais do relacionamento dos dois, e esse efeito é ainda mais amplificado graças a câmera na mão, geralmente inquieta.

 

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Mas, se tem um sentimento que Apenas o Fim passa é um Olha, eu falo coisas assim com minha namorada… e essa identificação é o elemento mais louvável presente no filme. Foi exatamente por isso que ele alçou vôos que Matheus jamais imaginava que existiriam. E é exatamente por isso que você, que experimentou deliciosos momento a dois, vai ver, rever, amar, se identificar, repetir diálogos do filme a torto e direito. E lá no fundo, talvez venha aquele esperançoso pensamento: Caraca, é filme brasileiro, quem sabe não seja o primeiro de outros igualmente bons…

Se virão outros filmes igualmente bons e icônicos, não sei; mas o fato é que assim como Fanboys expôs com perfeição o modo de vida nerd, Apenas o Fim retratou de uma forma única um jeito de se relacionar pouco compreendido pelos que nunca o viveram. É amor em estado puro, que não precisa de muletas computadorizadas ou nomes famosos no elenco para ser apreciado. É o cinema brasileiro passando por cima de convenções e se tornando um pedaço da vida de seu público jovem - e me fazendo ter vontade de definir um amor único como Número 1 sem picles. Agradeçam ao Matheus por vocês agora terem um filme que mostre ao mundo o seu jeito de amar…

 

Apenas o Fim (Brasil, 2008)

Diretor: Matheus Souza

Duração: 80 min

Nota: 9

Avatar Murilo

Ranma 1/2

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Não que eu esteja doido pra tomar um processo daquele japonês fã nosso, mas uma coisa eu preciso dizer: os autores japoneses têm um jeito bizarro e hilário de fazer humor. Pode-se notar isso facilmente em mangás como Love Hina, Gintama ou Dr. Slump e por animes como Tenchi Muyo e Slayers. São enredos malucos, com personagens sem noção. Assim como o mangá que quero falar hoje, Ranma 1/2, de Rumiko Takahashi, a mesma autora de Inu Yasha. Um mangá da época em que ela ainda escrevia histórias de humor despretensiosas, antes de partir para a aventura de um youkai em busca dos fragmentos da Jóia de Quatro Almas.

Ranma Saotome e seu pai Genma, estão na China treinando artes marciais quando desobedecem o guia e vão para as fontes Jusenkyo. O que eles não sabiam é cada fonte tem a história de alguém que morreu afogada nela. Quando uma pessoa cai em uma das fontes, se transforma na pessoa que morreu com água fria e volta ao normal com água quente. E como não podia deixar de acontecer, ambos caem em duas fontes. Ranma vira uma garota ruiva e seu pai um panda. O problema é que havia sido prometido por Genma, que seu filho Ranma se casaria com uma das três filhas do seu amigo Soun Tendo. Como o garoto é metade mulher, decide-se que ele deve ficar noivo da caçula Akane, já que ela odeia homens. Assim, começam as confusões do mangá.

 

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Ranma 1/2 não possui exatamente uma história. É quase como uma sitcom, onde acompanhamos as situações que os personagens mais estranhos se metem. Um é o Tatewaki Kuno, colega de escola que odeia Ranma por ser apaixonada pela Akane. Só que ele é tão burro que acaba se apaixonando pela versão feminina do Ranma sem perceber que se tratam da mesma pessoa! Outro que aparece logo depois é Ryoga Hibiki, que considera o Ranma como seu inimigo mortal porque ele sempre pegava o último pãozinho na cantina na hora do recreio! Ou ainda a Shampoo, chinesa apaixonada por Ranma, que cai numa fonte e se transforma numa gatinha. Só que o Ranma morre de medo de gatos! É claro que existem muitos outros personagens, até o velho clichê de velhinho tarado aparece. Às vezes a história da busca pela cura da sua maldição ou o relacionamento dele com a Akane acabam ficando meio de lado. A impressão que dá é que a Rumiko Takahashi pensou em personagens interessantes primeiro e depois em uma história capaz de impulsioná-los.

A arte de Ranma 1/2 não é exatamente a melhor do mundo, é apenas razoável, cumprindo sua função. Mas, a partir de um determinado tempo de leitura, passamos a achá-la perfeita para o tom do mangá. A história, apesar da loucura dos personagens, é, como já disse, bem simples e fácil de ser entendida mesmo, para quem perdeu alguns volumes. Ao todo são 38, o que é meio extenso.

 

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Ranma 1/2 chegou a ser publicado no Brasil pela Animangá, numa edição bem porca até ser cancelado. Tivemos que esperar dez anos até a JBC (minha editora favorita) licenciar o título e fazer o trabalho que nós, fãs, merecemos. Ranma 1/2 não vai mudar a sua vida, mas certamente te divertirá bastante, nessa que talvez seja a melhor obra de uma das autoras mais consagradas do Japão.

 

Autor: Rumiko Takahashi

Preço: 10,90 por volume

Nota: 7,5

 

PS: A editora NewPop subiu no meu conceito agora. Vai publicar duas das mais famosas  obras do Osamu Tezuka: Dororo e Metrópolis. Já vou ali quebrar meu porquinho pra comprar essas preciosidades.

PS2: Qualquer dia desses resenho outro mangá de humor que andei lendo nos últimos meses.

Avatar Voz do Além

Viacom, lamento, mas esse 1 bilhãozinho mole que você queria ganhar do Google, fica para a próxima

 

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Além de processarem em milhares de dólares um monte depessoas por baixarem um filme, as mega corporações de comunicação, de vez em quando, querem comer fatias maiores d dinheiro. Uma mostra disso é o processo de US$ 1 bilhão que a Viacom - a dona da MTV e da Paramount - moveu desde 2007 contra o Google, e o YouTube, eles por permitirem que seja feito upload de vídeos protegidos por direitos autorais, e lucrarem com isso. Tipo de processo estapafúrdio de gente megalomaníaca.

Mas, a Viacom perdeu em primeira instância, e todo o processo parece ir por água abaixo agora. O juiz Louis Stanton considerou que o Google não pode ser responsabilizado apenas por possuir "consciência geral" de que podiam haver quebras de direitos autorais no seu serviço. No entender dele, não é obrigação da direção do YouTube procurar fatos indicando quebras de direito autoral, fora que a empresa deletou todos os vídeos protegidos apontados pela Viacom. Stanton usou como base, uma regra da Digital Millennium Copyright Act (DMCA) - entidade protetora dos direitos autorais na internet - que diz que as prestadoras de serviços de internet estão livres de punição se retirarem todo o conteúdo protegido que for apontado pela detentora dos direitos. A regra ainda diz que a responsabilidade por achar esse conteúdo e avisar a prestadora do serviço é da empresa que tem o direito sobre a obra. O problema é que a Viacom queria censura prévia sobre os vídeos, e que todos os vídeos protegidos nem sequer entrassem no ar, o que não é contemplado pela lei de copyright americana.

 

Ao longo de três anos, as relações das duas empresas foram estendidas a limites que ultrapassaram as vias legais. Vieram a público documentos que comprovaram que a Viacom contratou empresas que secretamente uparam diversos vídeos protegidos para o YouTube, no intuito de agravar o caso. Depois a situação da Viacom piorou ainda mais, pois surgiram emails corporativos da empresa que mostraram conversas entre executivos, que afirmavam só estarem processando o YouTube porque não conseguiram compra-lo.

A Viacom promete apelar, mas dificilmente ganhará em uma instância superior, graças a essa cláusula da lei…

O que esse caso mostra melhor é até onde podem ir executivos gananciosos no sentido de encherem os bolsos ainda mais. Se eles fazem isso com uma das maiores e mais importantes empresas do mundo, imagine o que fariam contra nós, simples e pobres mortais.

 

[Via Boing Boing]

Avatar Colaborador Nerd

Ganhe um kit A Mão Esquerda de Deus na faixa

 

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Lembra DESSE preview? Pois bem, chegou a hora de você concorrer a um kit da obra, contendo um exemplar do livro e uma camisa. Para concorrer é bem simples: basta assistir o trailer abaixo, e responder três perguntas logo abaixo!

 

LINK para a segunda história em quadrinhos do livro

-Em que mão o personagem do vídeo está segurando uma espada?
-Qual a última frase mostrada no book trailer?
-Que roupa o personagem do vídeo está usando?

Estarão concorrendo ao kit todos os que responderem corretamente as perguntas nos comentários desse post, até às 23:59 do dia 29/06 (próxima terça). No dia seguinte será realizado o sorteio que definirá o vencedor.

Corram!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Avatar Voz do Além

Será a Guerra - contra a Droga - a Saúde do Estado?

 

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Ontem, a minha querida Nane Ulsan, meio que sem querer, iniciou uma discussão no Twitter. Ela retwittou um twitt do Rodrigo Quarto Sinistro, que dava a entender que abortar um embrião de três semanas não era equivalente a matar uma vida - ou, entrando ainda mais na questão, é direito da mulher e do homem que realizaram a transa que resultou na fecundação, escolher sobre o destino dele até certo ponto da gestação. O Gabriel Dread, um dos maiores amigos do NSN e defensor ferrenho da liberdade, deu sua opinião sobre o tema, e observou que o Estado, como instituição, cria leis no sentido de presumir que pessoas são más, tornando o tema ainda mais abrangente.

Em outras palavras: os grilhões que o Estado cria no sentido de reprimir a população - inclusive no que tange aos crimes sem vítimas (e o aborto, tecnicamente, seria um deles, assim como uma tentativa de suicídio ou uso de drogas) - seriam uma forma de mantê-la como cordeiros amestrados, e não como indivíduos livres e pensantes. As leis seriam nada mais que ferramentas de manter o poder (lembra do post sobre os Sofistas? Então, é nessa linha…).

Até aí tudo bem, todo o ser livre e inteligente já deve ter refletido sobre o assunto. Mas, as twittadas do Gabriel me lembraram de um texto impactante e bastante interessantes, escrito pelo advogado criminal, e anarquista, Bob Black, que mostra essa perturbadora constatação do Estado sob uma ótica repressora, discorrendo sobre o papel da Guerra no fortalecimento do poder público, especialmente na moderna guerra contra as drogas.

O texto é um pouco longo, mas vale bastante a pena. A fonte dele, bem como a tradução e a introdução em itálico abaixo, é do Protopia Wiki, que já foi tema de dois posts nossos, e reúne diversos artigos sobre o Anarquismo e Subversão.

 

Será a Guerra - contra a Droga - a Saúde do Estado?

Neste momento, nos Estados Unidos da América, 2.700.000 pessoas estão presas (o maior índice per capita do mundo). Todas as semanas são mais 1.600 as pessoas que entram na prisão para além das que saem. Mais de 40% dos presos estão lá por crimes não-violentos relacionados com drogas. Nas políticas da maioria dos governos do mundo o combate à droga assume crescente protagonismo. O seguinte artigo, escrito por Bob Black – anarquista e advogado de profissão –, lança uma visão diferente sobre este fenômeno. Ainda que baseada no contexto norte-americano, com ajustes de pormenor e de escala, a argumentação poderá ser extrapolável a outros países.

 

Ninguém alguma vez fez observação mais importante em sete palavras do que Randolph Bourne: “A guerra é a saúde do estado” (Resek, 1964 :71). A guerra tem sido o motor principal da extensão do poder estatal na Europa ao longo de 1000 anos, e não só na Europa. A guerra alarga o estado e aumenta a sua riqueza e os seus poderes. Promove obediência e justifica a repressão sobre dissidentes, redefinida como deslealdade. Serena tensões sociais dirigindo-as para fora, para um estado inimigo que simultaneamente faz, claro, exactamente o mesmo com semelhantes consequências. Da perspectiva do estado há só uma coisa errada nas guerras: elas terminam.

Que as guerras terminam é, em última análise, mais importante do que o facto de elas terminarem em vitória ou derrota. Ocasionalmente a derrota tem como consequência a destruição do estado, como aconteceu com os impérios Otomano e Austrohúngaro após a Primeira Guerra Mundial, mas não frequentemente, e mesmo quando isso sucede, esses estados dão origem a outros estados. O sistema estatal não só dura, como prevalece. Normalmente a guerra vale bem o risco — não para os combatentes ou para os civis sofredores, claro, mas para o estado.

A paz é, mais uma vez, um outro assunto. A consequência imediata poderá ser a recessão ou a depressão, como após a Revolução Americana ou a Primeira Guerra Mundial, cujas dificuldades são tão mais humilhantes quando recaem sobre a população que “ganhou” a guerra e que ingenuamente supõe ir partilhar os frutos de uma vitória que pertence ao estado, não ao povo. O regime pode prolongar artificialmente o clima de repressão e sacrifício, como fizeram os Estado Unidos fabricando o Red Scare (Pânico Vermelho) após a Primeira Grande Guerra, mas cedo o povo suplicaria por aquilo que Warren Harding lhe prometera, o regresso à normalidade. Os vencidos, é certo, raramente se saem tão bem como o Japão ou a Alemanha ocupadas se saíram após a Segunda Guerra Mundial, mas mesmos os alemães inicialmente conheceram a fome.

Houve épocas em que alguns estados estavam quase sempre em guerra, como acontecia na Roma republicana, cujas oligarquias, tal como Livy (1960) repetidamente demonstrou, estavam bem conscientes de como a guerra consistia numa válvula de escape para dissipar conflitos de classe. As guerras coloniais servem bem este fim já que são travadas longe de casa e normalmente empreendidas contra antagonistas que, apesar de corajosos, são largamente inferiores em termos militares.

O império britânico nos séculos dezoito e dezanove é um bom exemplo. Congestionados com a riqueza do capitalismo comercial (em breve inimaginavelmente engrandecida pela revolução industrial), seguros pela sua insalubridade, escudados pela maior armada do mundo, com uma robusta e desumana classe dirigente, sábia da arte de governar, o estado britânico poderia suportar uma guerra quando dela precisasse. Existiam, no mercado, completos mercenários, tais como os Hessianos. E os inimigos de ontem eram as tropas de hoje. Os irlandeses, repetidamente esmagados no século dezessete, eram uma fonte. Começando em 1746, os ingleses aniquilariam a sociedade e a cultura dos escoceses, recrutando depois regimentos de entre os que sobreviveram. Viriam a repetir estes “métodos econômicos” na Índia, em África, em todo o lado. E depois existiam as fontes ingleses de dispensáveis: os camponeses expulsos das terras pelo emparcelamento, e os pobres da cidade. Não deixariam saudades, e havia sempre mais de onde estes vieram.

Mas os tempos mudaram. Alguns estados possivelmente podem continuar, por algum tempo, agindo à moda antiga – talvez a Sérvia, Coreia do Norte, Iraque – mas os Estados Unidos não, no mínimo por duas razões: somos demasiado escrupulosos, e somos demasiado pobres. Demasiado escrupulosos no sentido em que, enquanto Saddam Hussein se vangloriou antes da segunda Guerra do Golfo*, a América é uma sociedade que não consegue tolerar 10.000 mortos. Ele tinha razão, embora isso não lhe tenha valido de nada já que foi incapaz de infligir 10000 ou mesmo 1000 mortos. Granada e Panamá foram um divertimento, mas mesmo guerras de dois tostões como o Líbano e Somália já não o foram, e ninguém tem mais estômago para uma guerra no Haiti ou na Bósnia. Os americanos estão a perder rapidamente o seu gosto por guerras mediáticas, para já não falar das verdadeiras guerras.

E demasiado depauperados para qualquer guerra suficientemente longa para produzir um efeito durável no índice de popularidade de um qualquer presidente. O ataque ao Iraque foi o ponto de viragem. Como habilidosamente a manipulação das massas ocorreu, os americanos somente foram para a frente com a guerra na condição de que os “aliados” pagassem. Mesmo mentes pouco capacitadas estão conscientes que a parte de leão dos seus impostos federais vai para pagar dívidas de guerra e gastos militares dos quais eles nunca colherão quaisquer benefícios. A contrapartida para as vidas numa fotogênica guerra de alta tecnologia é dinheiro. Custa mais, imensamente mais, do que alguma vez a guerra custou. Mas os Estados Unidos não têm mais, imensamente mais riqueza do que alguma vez tiveram. Têm progressivamente menos e menos e menos.

Mesmo com as forças maciças da ABC, NBC, CBS, CNN e todo o resto dos grandes media por detrás (Black, 1992), e apesar de uma esmagadora vitória que deveu tanto à sorte como ao engenho, George Bush tornou-se o primeiro presidente americano a ganhar uma guerra e a perder uma eleição — para um fumador de erva e mulherengo que não cumpriu o serviço militar.

Deste modo o regime é apanhado no que os marxistas costumavam chamar de “contradição”. Precisa de guerra, já que a guerra é a saúde do estado, mas (com efémeras excepções ocasionais) não consegue suportar tanto ganhar como perder guerras. Mas que tipo de guerra é possível travar, com um custo tolerável, que evite esta dupla armadilha — uma guerra que não possa ser ganha ou perdida?

A “Guerra Contra a Droga”. Que não é uma verdadeira guerra, claro, mas apenas aquilo que os alemães chamariam um “sitzkrieg”, uma falsa guerra. Antes venderam-nos a guerra para acabar com todas as guerras. Agora vendem-nos uma guerra interminável.

Tal é a utilidade, para o estado, da Guerra Contra a Droga. Não pode ser perdida, já que não existe um inimigo a derrotar. E por incontáveis razões não pode ser ganha. O governo não consegue interditar mais do que uma fração da cocaína, heroína, marijuana e outras drogas que, ao ilegalizálas, o governo fez subir o seu preço até ao ponto de valer a pena traficá-las. E alguma droga, tal como a marijuana e o ópio, é facilmente produzida dentro dos Estados Unidos. Dezenas de milhões de americanos já se entregaram ao consumo de drogas ilegais, incluindo o Presidente. Os filhos não vêem qualquer razão para não experimentar aquilo que os pais já consumiram, independentemente daquilo que os pais agora preguem. As crianças tendem a não prestar atenção aos pais quando sabem que estes estão a mentir. Para além disso, há sempre o álcool.

E nos subúrbios, tal como nos guetos, ilegalizar as drogas fez disparar o seu preço até níveis tão altos que prendendo vendedores não tem qualquer efeito no lado da oferta. Tirar um vendedor de droga das ruas apenas abre uma vaga para outro empresário. Na verdade, é prática corrente dos vendedores fazer com que os seus competidores sejam presos, com o fim de ganharem uma parcela adicional de competitividade. Mas não faz mais diferença quem trafica a droga ou quem dirige o estado. De facto, até podem ser as mesmas pessoas! A Guerra Contra a Droga é a saúde do estado.

Porque apenas é uma falsa guerra, a Guerra Contra a Droga é fiscalmente comportável. O governo pode gastar tanto mais ou tanto menos quanto desejar, já que o resultado será sempre o mesmo. Mesmo os custos para o contribuinte são disfarçados, divididos como são por governos federais, regionais e locais, e confundidos com financiamento ao sistema de justiça. A maior despesa individual, as prisões, é aquela que a maior parte das pessoas erradamente interpretam como a melhor coisa que o governo faz por elas. Suportar este erro é um equívoco acerca sobre qual é o produto do sistema de justiça criminal. Não é o controlo do crime, se é que tal pudesse ser medido com alguma exactidão, não há qualquer prova de que a imposição da lei em geral reduza o crime (Jacob, 1984). O produto são índices de criminalidade (Black, 1970), que são uma função, não do nível de criminalidade, mas do nível de imposição da lei. Daí que as autoridades possam fabricar uma “onda de criminalidade” se quiserem mais dinheiro, ou abrandar o controlo se quiserem obter algum crédito por fazerem exatamente o oposto. Tirando eles próprios e os seus superiores hierárquicos, os únicos beneficiários daqueles 100 000 polícias adicionais que o Presidente Clinton quer colocar nas ruas serão os vendedores de donuts.

Para além disto, até um certo ponto a Guerra Contra a Droga paga-se a si mesma. Tal como os exércitos que costumavam subsistir largamente “através do terreno”, pilhando as zonas que atravessavam, também os guerreiros da droga amontoam os seus cofres com o saque de bens confiscados. E isto só a nível formal e legal. À margem da lei, claro que a polícia sempre confiscou muito mais droga do que aquela que chega à sala de provas. É improvável que os vendedores ou os drogados protestem (o cenário clássico: um polícia faz uma busca ilegal na rua. Ele encontra algo. Pergunta, com cortesia, “Isto é seu?” e a resposta é sempre “Não”). Alguma droga a polícia vende por sua conta. Alguma consomem-na eles próprios. E alguma utilizam para “tramar” (colocar drogas na posse de suspeitos vendedores ou adicionar mais droga àquela que foi encontrada para converter um delito menor num crime grave) (Knapp Commission, 1973).

Ainda de uma outra maneira, a Guerra Contra a Droga oferece um dos benefícios de uma verdadeira guerra sem os seus custos e riscos. Toda a verdadeira guerra é um holocausto de liberdades cívicas (Murphy, 73). Mesmo ao nível formal e legal, a segurança nacional — um chamado “interesse obrigatório do estado” — tende a impor-se aos direitos fundamentais, pelo menos até que o tiroteio pare. Entretanto vigilantes patrióticos levam a cabo as castrações, os linchamentos, e os incêndios — o trabalho demasiado sujo para o estado fazer mesmo numa suposta emergência de guerra, mas não demasiado sujo para o estado não fazer vista grossa depois. Os Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial e durante o Red Scare é um exemplo; a Itália que os liberais deixaram que os fascistas tomassem, depois de os deixarem, à margem da lei, esmagar socialistas, comunistas e anarquistas, é outro. Mas a paz regressa e o terreno legal perdido é, na sua grande parte, recuperado ou mais terreno ainda é retirado. Uma vez que o estado tenha demolido irreparavelmente a oposição radical, pode muito bem repor direitos constitucionais para os impotentes sobreviventes e gozar o calor da sua própria glória anunciada, desfilando a sua tolerância quando esta já não fizer qualquer diferença.

A falsa guerra é muito mais eficaz. Não pode ser conduzida sem massivas invasões de propriedade e limitações da liberdade. O mais importante direito individual implicado, e ameaçado pela Guerra Contra à Droga é a Quarta Emenda [da Constituição], que proíbe buscas e apreensões injustificadas. Este corpo legal efetivamente começou durante a Proibição e hoje é, como afirma Fred Cohen, “conduzido pelas drogas.” Os direitos de qualquer pessoa são definidos pelos direitos que a Justiça de má vontade concede aos delinquentes de casos de droga.

Outros direitos são, também, reduzidos. Sob a legislação de confisco, propriedade individual é retirada sem um processo ou justa compensação. Aplicada a nativos americanos e outros, a legislação sobre droga interfere com a liberdade de religião; como a prática comum de forçar condutores embriagados a participar em “reabilitações” para os doutrinar com dogmas religiosos dos Alcoólicos Anônimos. Até a campanha contra a posse de armas é uma consequência indireta da Guerra Contra a Droga. A proibição tornou a droga uma comodidade muito valiosa: no interior das cidades, de longe uma das mais valiosas comodidades. Entretanto, os toxicodependentes roubam para suportar o seu vício. O resultado é uma corrida ao armamento e um clamor pelo controlo das armas. Uma proibição conduz a outra.

Para o criminoso, o último desafio é o crime perfeito. Para o estado é a legislação perfeita. Será a proibição?

Talvez não. A proibição da droga é actualmente muito mais popular do que a proibição do álcool alguma vez o foi, mas dentro da memória viva, a descriminalização foi um séria possibilidade. Poderá tornar-se assim novamente se a histeria anti-droga continuar a crescer até chegar a um ponto impossível de suportar. E provavelmente crescerá, porque a Guerra Contra a Droga foi institucionalizada. Várias agências e organizações têm direitos adquiridos sobre a sua ilimitada expansão, embora isso seja, não só impossível, como destituiria o estado da grande vantagem da Guerra Contra a Droga sobre a verdadeira guerra: a sua previsibilidade e exequibilidade. À medida que alguns órgãos governamentais crescem e crescem, sobra menos e menos para os outros. Já que a vitória, tal como a derrota é impossível, não existirão nunca “dividendos de paz” para repartir. O estado está, provavelmente, já a gastar mais fundos da sociedade civil do que seria consentâneo com os seus interesses a longo prazo. Se mais e mais for tirado, o parasita matará o hospedeiro — ou o hospedeiro matará o parasita.

Eventualmente o estado poderá sucumbir ao seu próprio sucesso. O estado é gigantesco. E é burocrático. Isto significa que está intrinsecamente subdividido por funções (ou por aquilo que era inicialmente considerada uma divisão do operariado por funções: de facto, jurisdição sobreposta e conflituosa é comum e tende a crescer com o tempo). Mesmo quando a mão esquerda sabe o que a mão direita faz, pode não ser capaz de fazer nada acerca disso. A cooperação entre agências torna-se mais difícil quando que se torna mais frequente e mais necessária. “A complexidade da ação em conjunto frustra a ação ou o seu objetivo” (Pressman & Wildausky, 1984).

É muito difícil administrativamente reduzir o orçamento de um gabinete, mas é fácil aumentá-lo. Os gabinetes resistem ferozmente aos orçamentos “zero-based” — isto é, partindo do zero, tem que haver uma rejustificação anual de cada linha do orçamento apresentado — como se tratasse do reinvento da roda. E é difícil as altas autoridades identificarem áreas para redução de custos, se quiserem apenas, já que a própria raison d’être da organização burocrática é a deferência para com os peritos institucionais. A maneira fácil é tomar o anterior orçamento como o presumível próximo; são apenas desvios do status quo, não o status quo em si, que necessitam de justificação. O gabinete, preenchido com supostos peritos, é ele próprio a fonte usual de justificação para desvios, e os desvios são sempre na direção de mais dinheiro e mais poder para o gabinete. O que vai para cada gabinete vai para todos. Daí o governo cresce.

Referindo a forma como a competição entre trabalhadores faz descer os salários para todos eles, Fredy Perlman (1969) observou: “A prática diária de todos anula os objectivos de cada um.” Tal como acontece com a competição entre agências pelo dinheiro dos impostos. As implicações a longo termo da Guerra Contra a Droga são, para o estado, ameaçadoras. Quanto mais o estado estende o seu controlo sobre a sociedade, menos controlo ele tem sobre si mesmo, quanto mais o estado absorve a sociedade, mais fraco como entidade responsável por uma coletividade ele se torna. Ele desintegra-se num pluralismo autoritário reminiscente do feudalismo, ainda que carecendo do seu charme romântico. Algumas agências engordam à custa da Guerra Contra a Droga, mas muitas não. As que engordam são as primeiras a seguirem os seus próprios caminhos. A procuradora-geral Janet Reno não teve controlo sobre o Bureau of Alcohol, Tobacco and Firearms quando este exterminou os Branch Davidians para ganhar o que equivalia a nada mais do que um guerra de “gangs”: mas ela tomou a responsabilidade. A Drug Enforcement Administration é igualmente tão independente como o FBI de Hoover e a CIA de qualquer um.

Para o estado, outra consequência adversa inevitável da Guerra Contra a Droga é a corrupção (Sisk, 1982). Não que a corrupção seja necessariamente uma coisa má para o estado. Até certo ponto, as extorsões policiais a vendedores de droga, chulos e outros empresários extra-legais beneficiam o estado de diversas formas. Quanto mais os polícias recolherem em privilégios e confiscos, menos têm que ser pagos em salário. Os polícias cujos superiores sabem que eles estão envolvidos em extorsão (como decerto sabem já que eles próprios a isso se dedicam também) (Chambliss, 1988) fazem vista grossa a não ser que, por alguma razão, tenham necessidade de se livrar de um polícia em particular. A corrupção é, pois, uma ferramenta de gestão.

Mas alguns polícias tornam-se demasiado gananciosos e vão longe de mais. A maioria são “comedores de erva” (subornados) que aceitam aquilo que lhes aparecer, mas alguns são “comedores de carne” (extorsionários) — corrupção ativa — que ativamente buscam ou montam oportunidades de corrupção, como os detectives da Special Investigative Unit retratados no filme Serpico (Daley, 1978; Knapp Commission, 1973). Os comedores de erva dão cobertura aos comedores de carne (o “código de silêncio”) já que todos têm algo a esconder. Até recentemente, os administradores de polícia e os seus aliados académicos julgaram poder manter a corrupção sob controlo através de várias reformas institucionais, a maioria das quais foram inicialmente propostas pela Comissão Knapp (Sherman, 1978). Talvez as reformas resultassem, exceto numa coisa: na Guerra Contra a Droga. A corrupção está de regresso, mesmo na NYPD* reformada por Knapp (Dombrink, 1988). Já que as penalizações são mais severas e os lucros do tráfico de droga são mais altos, a proteção que a polícia vende dita um preço maior (Sisk, 1982). A corrupção motivada pela droga é o sector em maior crescimento nos abusos de conduta da polícia (Carter, 1990).

Para o estado, o problema da corrupção descontrolada é que ela não pode ser confinada ao espaço onde os benefícios excedem os custos. O estado necessita da polícia para um bocadinho de imposição seletiva da lei e, mais importante que isso, para controlo social — logo que a situação exija furar uma greve, evacuar squatters, suprimir tumultos, reprimir dissidentes e manter o tráfego a circular. Mesmo nestes tempos sofisticados, em que a manipulação é a estratégia de controlo mais em voga, frequentemente não há substituto para a arma e o cassetete.

Mas os polícias que impõem leis contra a droga ficam indisponíveis para impor outras leis. Tem havido um expansão tremenda no trabalho de polícias à paisana nos anos recentes (Marx, 1988), inevitavelmente acompanhada de mais corrupção (Girodo, 1991). Os polícias, como trabalhadores, são particularmente difíceis de gerir pois estão normalmente sós, não controlados. Os detectives, especialmente, estão numa posição de poderem ser reservados acerca das suas atividades (Skolnick, 1975; Daley, 1978), e mais controlo do tráfico de droga significa mais trabalho à paisana e de detective. Estes polícias estabelecem a sua própria agenda.

Os escândalos de corrupção desmoralizam a polícia a ilegitimam o estado. A maioria das pessoas obedece à lei na maior parte do tempo, não porque receiem ser punidas se não o fizerem, mas porque acreditam no sistema. Assim que deixem de acreditar, deixarão de obedecer — não só às leis que não importam (como “não consuma drogas”) como também àquelas que importam (como “pague os seus impostos”). E, ironicamente, operações anti-corrupção comprometem a eficácia policial em outras áreas (Kornblum, 1976).

O estado adquiriu um peso tão grande que esse peso começa a quebrar as suas fundações. Não é o tipo de elefantismo que pode ser aliviado através da privatização. Não importa quem recolhe o lixo. O que importa é quem tem as armas. A essência da soberania — os meios para impor a ordem — está deteriorada. O cancro é inoperável. Os estado pode bem morrer de uma overdose.

 

[Referências no texto original]


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