Alguém se lembra daquele velho comercial da Semp Toshiba, no qual o japonês volta pra casa e descobre que a mulher dele teve sabe-se lá quantos filhos e ela diz pra ele: "50 meses, muito tempo, né?" Pois é. Agora imagine 150 meses, o que dá mais ou menos 12 anos. A tia poderia ter tido 12 filhos nesse meio tempo! Doze anos foi o tempo que eu e milhões de outros nerds esperamos por este game. O primeiro Starcraft, lançado em 1998, se tornou lendário nesse período como o primeiro jogo de estratégia a ter três raças totalmente diferentes e que não tinham nenhuma vantagem significativa sobre a outra. E por isso Starcraft e sua expansão, Brood War, continuaram sendo jogados por 12 anos, e se tornaram até mesmo esporte nacional na Coréia do Sul (sim, eles jogam isso profissionalmente. Sim, você pode mudar de canal na Coréia e ver um jogo de Starcraft!).
Porque a Activision Blizzard demora tanto pra lançar seus jogos? Diablo III já foi anunciado e espero estar vivo e que o mundo não acabe em 2012 para que eu veja ele ser lançado. Felizmente, Starcraft II já está aqui. E meu amigo, se a Blizzard demora pra lançar pra que os jogos sejam lançados com essa qualidade, que demorem o quanto quiserem. Tirando algumas reclamações com a versão brasileira (que já fiz no último post e não irei mais mencionar aqui), esse aqui é meu favorito de 2010.
HISTÓRIA
Ok, as más notícias primeiro. Já viu algum filme do Michael Bay? É, aqueles cheios de explosão e mais nada. A historinha aqui parece bastante com aqueles filmes. Tá vai, acho que tô falando mal em excesso assim. Mas a história desse jogo é certamente a parte mais fraca. Felizmente o jogo é tão bom que é difícil tirar pontos dele por causa da história, mas os personagens são tão rasos e a história tão cheia de clichês e uma "reviravolta" que nem reviravolta é direito que acaba prejudicando a campanha de certa forma.
Olhem como sou torturado, a iluminação em mim é cor-sim cor-não
A campanha de Wings of Liberty, como já foi anunciado há tempos pela Blizzard, é apenas um terço da história inteira, focando na raça Terran. Você toma o controle das forças de James Raynor, que depois de ter sido traído por Arcturus Mengsk no jogo original, virou uma espécie de caubói bêbado que na verdade é o xerife em uma colônia humana em Mar Sara. Mengsk se declarou imperador Terran depois de usar a raça dos Zerg para destruir o antigo império, sacrificando sua segunda-em-comando Sarah Kerrigan, que foi transformada em uma espécie de rainha Zerg. Raynor tinha um caso com Kerrigan, portanto agora ele passa seus dias enchendo a cara de uísque e tentando causar uma rebelião contra o império de Mengsk, contra o qual jurou vingança. Não se preocupe se isso soou confuso, o instalador do jogo conta tudo que aconteceu na história do primeiro game pra ninguém ficar perdido.
Não leva muito tempo até Kerrigan voltar a atacar para atrapalhar a sua rebelião contra Mengsk. Isso acontece depois que um velho amigo de Raynor, Tychus Findlay, se junta a ele para ir atrás de alguns artefatos Protoss que Kerrigan também quer. Depois de um tempo, também descobre-se que existe uma profecia Protoss sobre o fim do universo e que só existe um jeito de impedir o apocalipse. E claro, Tychus também é um traidor. "Mas cara, você tá lançando spoiler do jogo na resenha!", já ouço reclamarem. Bom, eu tendo a não considerar spoiler algo que está na introdução do jogo, e que depois ficam enrolando até o final pra "revelar". Quer algo mais clichê que um traidor e uma profecia apocalíptica? Aliás, isso também leva a uma outra pergunta: porquê as profecias nesse tipo de jogo SEMPRE são verdadeiras?
Warning, the Queen of Blades has returned
Mas isso é perdoável, afinal, a Blizzard nunca teve histórias muito interessantes (alguém via as ceninhas entre capítulos do Diablo II?). Mas, o realmente ruim são os personagens. Raynor é o mais legal deles, já que ele já era uma espécie de "caubói do espaço" no primeiro game, mas o resto dos personagens mal aparece, e os personagens novos são ridículos. Tychus é o típico machão, estilo Predador, que chega ao cúmulo de coçar o saco por cima da armadura numa cena. A nave de Raynor também conta com um engenheiro que consegue construir qualquer coisa, com um cientista com cara e voz de fuinha, o capitão que põe a liberdade do povo e o dever acima de tudo, um estereótipo de jamaicano com bonequinhos de vudu, e uma doutora gostosa que é interesse romântico de Raynor, claro. Mengsk foi transformado em um vilãozinho mequetrefe que só falta soltar gargalhada do mal, e Kerrigan mal aparece, e quando aparece, é só pra vir detonar tua base e não pra falar muita coisa. Simplesmente, não dá pra se importar com nenhum desses personagens.
A única parte mais legal é uma brincadeira que fazem com a rede de TV que claramente apóia o Império. Toda vez que a repórter vai falar alguma coisa sobre os "Raynor's Raiders", ou que o povo não apóia o império, o apresentador corta o áudio dela e manda pros comerciais. Pelo que parece, é uma brincadeira com a Fox News americana, mas é fácil traçar paralelos com alguns veículos de imprensa daqui mesmo, mesmo que seja uma brincadeira bem boba e inconsequente. Mas dá pra dar umas risadas.
Calma, não precisa me bater. Agora vem a parte boa.
GRÁFICOS
A princípio, pode parecer que os gráficos aqui são só o Starcraft 1 em 3D. E de certa forma, é verdade. Mas desde o Company of Heroes, em 2006 eu não ficava tão boquiaberto com os gráficos de um jogo de estratégia. Os gráficos são incríveis, não tanto por sua maestria técnica, como os efeitos de iluminação, sombras, shaders e outras frescurinhas, mas pela animação. Tudo isso é muito bom, realmente, mas a animação realmente traz o jogo à vida, e é uma das coisas que me fez viciar tanto. Todas as unidades se movem de maneira muito fluída e cada uma tem múltiplas animações para atacar, se mover e morrer, e as animações de morte também dependem de qual outra unidade matou. Um Zealot pode cortar um Marauder ao meio com suas psi-blades, enquanto um Roach pode derreter o mesmo Marauder com um jato de ácido. Zerglings fritam ao serem expostos aos lança-chamas dos Firebats. Marines explodem e pedaços e sangue voam por todo lado ao serem atingidos por Siege Tanks. Cada batalha parece épica, e deixa buracos e corpos pelo chão. Sério, meus amigos, screenshots não fazem justiça aos gráficos desse jogo. É necessário vê-los em movimento.
Você quer seus Zerg normais, ou extra-crocantes?
E o jogo não é só lindo, não. Como é de costume com a Blizzard, ele roda feito um sonho. Mesmo em meu computador desatualizado e envelhecendo rapidamente, Starcraft II funcionou perfeitamente com todas as suas opções no máximo. E como uma vantagem de ser exclusivo de PC, essas opções são muitas. Detalhe de terreno, animação, detalhe de shaders, texturas, efeitos de física, e até mesmo a opção de fazer os retratinhos das unidades ficarem em 2D ou 3D podem ser ajustadas como desejado, e uma pequena janelinha abre assim que você passa o mouse por cima de cada uma delas explicando exatamente o que cada um dos níveis de detalhe muda nos gráficos, para quem é usuário mais avançado. Raramente tive problemas (e quando tive, foram situações extremas, como 200 unidades camufladas por uma Mothership que está usando um Vortex, tudo na mesma cena). Nota 10.
SOM
O som é outra parte muito bem produzida de Starcraft II. Não me importei muito com a atuação de voz dos personagens, já que não me interessei por nenhum deles, mas as unidades em batalha têm vozes e sons muito legais. Tiros, explosões e ataques psiônicos todos soam naturais, e junto com a animação, trazem o game à vida. E como é de costume com a Blizzard, cada unidade tem linhas específicas quando você clica várias vezes nelas, e muitas dessas são referências à músicas ou filmes. Já encontrei inúmeras referências, desde às mais óbvias, como aos filmes Aliens, Top Gun, Predator e The Sixth Sense, como alguns um pouco mais obscuros, como Apocalypse Now, Unforgiven, They Live e até mesmo Pulp Fiction. Nada como rachar de rir ao ouvir o Reaper dizer "Não tenho tempo pra sangrar!" ou o Firebat dizer "É, acontece que eu detesto o cheiro de napalm pela manhã...". Só imagino como essas referências devem ter se perdido na tradução para o português. "I'm here to kick ass and chew bubblegum..."
JOGABILIDADE
Agora sim, a parte que interessa. Se você era fã do Starcraft 1, não vai encontrar nada de muito diferente aqui. Você ainda vai construir SCVs, Drones ou Probes, vai extrair minérios e gás vespeno, vai expandir sua economia e construir um exército para acabar com seu inimigo. Estratégia em tempo real old school, do jeitinho que eu mais gosto. Um tanto conservador, considerando que a Blizzard arriscou tudo ao mudar o jeito de se jogar em Warcraft III, mas na minha opinião, se saiu muito melhor assim. Pra quem esperava que eles iriam fazer uma coisa similar aos jogos da Relic, como Dawn of War 2, será um pouco decepcionante. Mas o game é ridiculamente divertido e viciante.
Muita coisa pra fazer…
Como já disse anteriormente, a campanha Wings of Liberty é apenas um terço do jogo completo. Mais duas expansões serão lançadas... um dia. Mas não se preocupe, não tá faltando conteúdo neste pacote. A campanha tem 26 missões (29 pra ser mais exato, mas três delas você escolhe jogar ou não), tamanho normal de campanhas de RTS, e é focada quase que totalmente nos Terrans, ou seja, não espere que a campanha seja apenas um tutorial pro multiplayer. Dentro da campanha principal, há uma pequena campanha pros Protoss, mas ela é bem rápida e não ensina realmente a jogar de Protoss.
Onde a história falhou em me chamar a atenção, a variedade de missões foi bem sucedida. Nenhuma missão tem objetivos repetidos. Numa delas, você está extraindo minérios de um planeta vulcânico, com o pequeno problema de que a lava sobe e encobre as partes mais baixas do cenário a cada 5 minutos. Numa outra, você está usando tanques para destruir trens do império e roubar os recursos. Em outra, você está destruindo bases Protoss enquanto uma onda de fogo passa por sobre o mapa, então você tem que se mover rápido e trocar de base a todo momento. Nenhuma missão é parecida com a anterior, e é isso que faz a campanha ser tão divertida e nunca ficar chata. Nas dificuldades mais fáceis, pode-se notar que cada uma das missões é feita como se a unidade que ela abre pudesse ser criada às dezenas e seria fácil de vencer a missão, por isso recomendo que qualquer um com um pouco mais de experiência em RTS jogue nos modos Hard ou Brutal. Felizmente, mesmo pra quem joga nas dificuldades mais fáceis, o jogo tem um sistema de "Realizações", que é um conceito que quem tem Xbox 360 já conhece bem, os Achievements. Basicamente são pequenos objetivos que quando realizados, podem ser exibidos na Battle.Net como se fossem troféus. Alguns desses são coisas fáceis de realizar, outras nem tanto. Tente conseguir fazer Raynor matar 50 unidades com um único tiro na missão Belly of the Beast.
Eles ouviram o chamado do bar
Entre uma missão e outra, você pode andar pela Hyperion, a Battlecruiser de Raynor. Essas partes funcionam mais como um menu entre missões do que algo que dê mais longevidade ao jogo, mas você pode fazer algumas coisas legais por aqui. Visitando a armaria, pode fazer upgrades nas suas unidades com os créditos que ganha entre missões, e são upgrades muito úteis, como fazer seus Bunkers terem maior capacidade ou reconstruir Thors destruídos em batalha pela metade do preço. No laboratório, pode fazer mais upgrades com pesquisas de cada uma das outras raças, que você ganha conforme completa objetivos bônus nas missões. Na cantina, pode assistir TV, pedir um drinque e trocar idéia com os membros da tripulação, além de jogar o mini-game Lost Viking, uma espécie de Space Invaders moderno com referência a velhos jogos de quando a Blizzard nem se chamava Blizzard.
Para quem é mais novo nesse tipo de jogo, há uma série de tutoriais bem simples explicando os controles e os conceitos, e para quem não quer ter a cara quebrada no multiplayer, uma série de desafios está disponível. Os mais básicos ensinam quais unidades são mais eficientes contra outras, alguns ensinam como controlar suas unidades apenas com hotkeys, e as mais difíceis envolvem usar as unidades especializadas de cada raça, defender contra uma Zealot Rush, e construir uma base e uma expansão com eficiência. São desafios muito bons pra quem quer aprender a jogar, e os jogadores mais avançados podem correr para exibir as medalhas de ouro online. Também temos um robusto modo Skirmish, no qual você pode colocar quantos computadores quiser na dificuldade que quiser e disputar umas partidas para praticar para o multiplayer.
Caubóis do espaço roubando trens, baby
Vamos para o multiplayer então! Quando começa, o jogador precisa disputar 5 partidas classificatórias que irão determinar onde ele será colocado no ranking. São 5 rankings: Diamond, Platinum, Gold, Silver e Bronze, do maior para o menor. No começo você pode ser colocado num ranking um pouco maior que sua habilidade o permite, ou um pouco menor. Depois de umas 10 partidas, você já fica mais confortável e o sistema já encontra mais adversários mais ou menos no seu nível de habilidade. Então os mais novos não precisam se preocupar muito, não irão lutar contra os profissionais nem nada disso.
Algumas unidades estão disponíveis apenas na campanha, como o Firebat, o Vulture e o Wraith, que na verdade não estão no modo multiplayer por questões de balanço entre as raças e também porquê outras unidades fazem os serviços destas. Há uma certa controvérsia pelos fóruns da Battle.Net sobre os Terrans serem um pouco mais fortes do que os demais, e certamente eu já perdi pra muitos Terrans (cuidado especial com o Reaper Rush, já perdi pra isso uma dúzia de vezes), mas as raças parecem ser bem balanceadas pra um jogo tão recente. Certamente depois de alguns patches, o jogo vai ficar tão balanceado quanto o original.
Lost Viking: cereja por cima do bolo
FATOR REPLAY
Vício, vício, vício. Vai variar de jogador para jogador, mas pessoalmente, eu joguei a campanha mais de uma vez, e isso sem ir atrás das realizações. Múltiplas dificuldades também ajudam bastante a incentivar um jogo novo. Você pode jogar Skirmish indefinidamente, e o multiplayer é tão viciante quanto o single player. Eu garanto que qualquer fã de estratégia em tempo real vai perder muitas e muitas horas de trabalho, descanso e aulas nesse jogo. De fato, eu demorei demais pra fazer essa resenha exatamente porquê não consigo parar de jogar essa joça. Quem tem vida social, cuidado...
PRÓS E CONTRAS
- História fraca e personagens ridículos
+ Gráficos (especialmente as animações) fluidos e incríveis
+ Som muito bem produzido
+ Referências cinematográficas amplas
+ Estratégia do jeito antigo, mas com roupagem nova
+ Campanha extremamente variada
+ Coisinhas extras bem legais, desafios e tutoriais
+ Sistema da nova Battle.net muito fácil de navegar e de encontrar oponentes de habilidade equivalente
- Raças um pouco fora de balanço (Terrans principalmente)
+ Viciante (isso pode ser considerado como ponto negativo, dependendo do ponto de vista)
CONCLUSÃO
Bom, pois é. Esperamos 12 anos por isso. Valeu a espera? Se você não estiver esperando um negócio que irá revolucionar os jogos de estratégia ou até mesmo que irá levar em consideração os novos jogos, como World in Conflict, Sins of a Solar Empire e Dawn of War 2, sim, vale muito a pena. A história é bem fraquinha, até mesmo se comparada a do original, mas não deixe isso impedir você de jogar. Starcraft II está aqui. Só espero que as duas expansões não demorem uma vida para serem lançadas.
NOTA: 9,5