Ninguém acredita em mim quando digo que houve uma época em que eu achava que jogos de tiro eram estúpidos e não tinham razão de existir. Eu só gostava de estratégia e RPG, no máximo um Tomb Raider, e isso porquê na minha cabeça jogos de tiro não precisavam de nenhum tipo de capacidade cerebral, era só andar pra frente e atirar.
E pra ser justo, antigamente era assim mesmo. Na minha época, Doom era a sensação dentre os jogos de tiro, e nele os inimigos vinham em números enormes que era pra compensar o fato de que programar inteligência artificial era difícil e CPUs da época não tinham esse tipo de capacidade de processamento. Todos copiavam Doom com jogos da mesma maneira, até a vinda de Half-Life mudar tudo. À partir de Half-Life, os jogos todos almejavam ter uma inteligência artificial, digamos, inteligente como a dele. E à partir de então, os jogos de tiro passaram a se levar cada vez mais a sério, até se tornarem como Gears of War, que é basicamente sobre dois soldados cujas veias saltam do pescoço de tanto músculo e que correm por lugares cinzentos se escondendo atrás de paredes pra ser “realista”.
Half-Life 2 me fez ver que os jogos de tiro eram mais do que a princípio pareciam, e agora tenho que regularmente pegar algum game legal pra dar uns tiros. O que eu não sabia é que eu teria saudade de algo que antigamente eu não gostava. Agora, gosto do jeito ridículo de se fazer jogo de tiro. Felizmente, tenho empresas como a People Can Fly, que faz shooters que trazem de volta o velho estilo, como Painkiller e agora, Bulletstorm.
HISTÓRIA
O quê? Tá lendo um parágrafo sobre a história de um shooter estilo Doom? O que você tem na cabeça? O que tenho eu na cabeça de escrever sobre isso?
Mas, para minha total surpresa, Bulletstorm possui uma história coerente! A People Can Fly até tinha colocado uma historinha lá em Painkiller, mas ela era totalmente desnecessária e você poderia muito bem jogar o game sem assistir nenhuma cutscene. É bem diferente em Bulletstorm, já que existe uma história coerente e razoavelmente engajante para motivar o jogador, apesar de ser bem idiota.
Você controla Wolverin... quero dizer, Grayson Hunt (que tem a voz do Wolverine do desenho dos X-Men... e também parece bastante com ele), um comandante de um esquadrão que se tornou pirata após trair seu general chefe. Sua traição foi descobrir que o oficial em questão ordenava que eles assassinassem pessoas inocentes, com a justificativa de que eram traficantes ou matadores de aluguel, e então mandar o cara ir se foder. Literalmente.
Então, numa introdução bastante inebriada, a nave de Grayson dá de cara com a nave-mãe do governo desse universo estranho, onde o general estaria. Em sua raiva bêbada, Grayson joga sua própria nave contra a nave-mãe de seu inimigo, provocando a morte de metade de seu esquadrão, toda sua tripulação, e obrigando seu melhor amigo Ichi ter a ter o cérebro misturado com um “bioprocessador” para poder sobreviver, tornando-o um cyborg sem remorso que solta frases como “Deus não é relevante” durante as lutas.
Grayson e Ichi sobrevivem e caem no planeta onde as naves estavam orbitando, e descobrem que o general também caiu lá. Você deve então passar o resto do game tentando encontrar o general para tentar conseguir sair desse planeta estranho, e ao mesmo tempo se arrependendo da cagada que fez enquanto estava bêbado e também tentando não ser morto por seu melhor amigo cyborg. Eu não disse que a história era um Shakespeare, disse?
Ainda que seja idiota, os personagens são surpreendentemente profundos. Grayson se transforma durante o jogo de um bêbado louco que tem apenas a vingança em mente para um comandante respeitado por seus companheiros. Ichi tem alguns diálogos bem interessantes, e o jogo ainda consegue ser bem humorado mesmo com tudo isso. Mas digo “bem-humorado” com um porém: não é pra qualquer um. A boca suja desse jogo chega a ser até bizarra, já que uma das piadas do jogo é inserir xingamentos onde eles não fazem sentido. Exemplo em ponto: no seu primeiro encontro com Trishka, ela diz “Se vocês se moverem, vou matar seus pintos!”. O que é imediatamente respondido por Grayson com um “O quê? O que quer dizer com isso? Eu mato o SEU pinto, o que acha disso hein?”. Jóia.
GRÁFICOS
Ok, me rendo. Cada vez que falo mal da Unreal Engine 3, um jogo novo vem me morder na bunda. Bulletstorm utiliza a engine como nenhum outro, e estou tentado a compará-lo com o recente Crysis 2, tamanha a qualidade gráfica, tanto técnica como artística, à mostra aqui. Os efeitos de iluminação de Bulletstorm são incríveis, e se beneficiam do lugar onde se passa a história: um planeta com dois sóis, onde olhar pra cada um dos horizontes faz você se cegar com raios de sol em tons de vermelho e laranja.
Texturas são muito bem detalhadas, os locais que você visita são bastante variados e a animação, tanto sua (um shooter onde você tem pé!) quanto dos seus inimigos e companheiros, é bem fluida. Tirando alguns problemas com modelos clipando pelas coisas, tudo jóia. E não só isso, mas algumas das seções com mais ação ininterrupta me fizeram ficar realmente boquiaberto, como a parte em que uma roda gigante está perseguindo os heróis que estão num trem, enquanto estes explodem carros e helicópteros com uma metralhadora de seis canos.
Mas não é totalmente sem problemas. Bulletstorm tende a ter alguns bugs. Na maior parte do tempo, o jogo roda muito bem a constantes 60 frames, mas de vez em quando o jogo dá umas trancadas, como se estivesse carregando a próxima parte da fase. Nada que quebre o ritmo, mas é perceptível. O problema mais grave é que ocasionalmente acontecem alguns glitches gráficos que fazem explosões piscarem em verde e vermelho com uns quadrados, como se sua placa de vídeo estivesse fritando no processo.
SOM
Bulletstorm é barulhento. A todo momento você vai ouvir tiros, explosões, inimigos mutantes gritando e chefões monstruosos arregaçando tudo. Ao meu ver, aqui só tem coisa boa. As armas soam poderosas, como um bom shooter deve ser. E cada um dos inimigos mortos tem um satisfatório “splooosh” quando você explode a metade de cima dele com uma 12, ou usa o chicote para puxar eles pra cima de um cacto, e o efeito é lindo quando você chuta um inimigo numa cerca elétrica e ele explode em uma bola de eletricidade. É pra quem gosta de descontar a raiva em algo.
Atuação de voz é boa, dado o conteúdo aqui presente. Grayson parece muito com Wolverine, e sua voz é perfeita para as piadinhas e pura macheza contida nos diálogos desse game. Os outros personagens não são tão adoráveis, mas fazem seu trabalho decentemente. Já a trilha sonora é muito boa, com partes orquestradas épicas nas sequências de ação mais poderosas e um pouco do tradicional heavy metal que sempre gosto em algumas sequências com maior número de inimigos e variedade. Combinação perfeita.
JOGABILIDADE
Aqui é onde o jogo realmente brilha, mas é necessário um pouco de paciência. Bulletstorm começa um pouco lento, introduzindo a história e os personagens e ensinando os comandos. Nesse tutorial, você tem apenas uma arma e é um simples fuzil de assalto que não tem nada de especial. Porém, quando você consegue o acesso ao chicote e às novas armas e seus modos alternativos, aí sim você volta a ver onde a People Can Fly mostra seu forte.
A variedade de armas aqui é imensa. O jogo possui sete armas, e cada uma delas possui um modo secundário, chamado de Charge Mode, que é utilizado apertando a tecla C antes de atirar. Começa apenas com o já mencionado fuzil, e um revólver, mas eventualmente vai se expandindo até ter fuzis de precisão que permitem que você controle a trajetória do projétil, e uma arma que atira duas granadas com uma corrente que se enroscam no corpo do inimigo. Não apenas as armas, mas você também tem o chicote de energia que permite que você puxe inimigos na sua direção para facilitar a mira, e também pode chutá-los no melhor estilo Duke Nukem, além de poder deslizar no chão, botas primeiro. Com esses movimentos, os inimigos entram em slow motion no ar, e assim você pode facilmente mata-los de várias maneiras diferentes, usando o engenhoso sistema de Skillshots.
Assim que você começa a poder usar as Skillshots, o jogo realmente toma forma. Eu sou fã incondicional de qualquer jogo que recompense o jogador por tentar coisas diferentes, como os combos de Devil May Cry. Aqui funciona da mesma forma. Cada uma das armas do jogo tem pelo menos umas 10 Skillshots associadas a ela, e essas Skillshots são recompensas em pontos por matar inimigos. Por exemplo, usando o fuzil de assalto, você ganha pontos extras por tiros na cabeça, por tiros na garganta, e até mesmo por acertar nas bolas do inimigo e depois arrancar sua cabeça enquanto ele as segura. Esses pontos são usados para destrancar os modos de Charge das armas e para comprar munição. No total, são 131 Skillshots. Bastante variedade!
Esse sistema faz o jogador experimentar, e isso é algo que falta muito nos jogos de hoje em dia, especialmente nesses shooters onde você regenera vida só de ficar atrás de um muro chupando o dedão por alguns segundos. Você poderia muito bem apenas atirar nos caras e boa, mas Bulletstorm faz ser divertido tentar amarrar duas granadas num cara e depois chutá-lo na direção dos seus companheiros, ou atordoar um mini-chefão e depois chutá-lo na bunda. Você sempre está fazendo algo retardado em Bulletstorm.
Também ajuda bastante que a variedade de cenários e inimigos é bem grande, digna de Painkiller. Inimigos são sempre diferentes e forçam o jogador a adotar táticas (e Skillshots) diferentes. E algumas das sequências de ação aceleram os batimentos cardíacos com tiroteio ininterrupto. Cada um dos capítulos termina com alguma sequência muito boa, seja com perseguições envolvendo rodas gigantes, seja com represas explodindo, ou com uma luta épica contra uma planta carnívora gigante. Eu sempre estava louco para continuar e ver a próxima sequência épica.
Você também ganha pontos por algumas coisas arbitrárias, como sequências de Quick-Time Events (pelo menos você não morre se não completa-las, o que me impede de remover um ponto do jogo apenas por ter isso) e algumas partes removidas diretamente de Gears of War, que te dão pontos ao segurar um botão para não perder algum evento épico que está acontecendo, ou algo que o jogo realmente quer que você veja. Parece uma forma de impedir que o jogador olhe pra onde queira, como em Half-Life 2, mas é difícil de se importar com isso também.
Claro que se você não gostar de shooters old-school, Bulletstorm não irá fazer muito para mudar suas ideias. O jogo leva em torno de 7 horas para chegar ao fim, e todas essas 7 horas são gastas atirando em coisas. Mas as 131 formas diferentes de atirar em coisas podem muito bem fazê-lo gastar um tempo bem grande com esse jogo. Depois de terminado, você pode entrar no modo ‘Echoes’, que é basicamente um “time trial” que envolve terminar uma seção da campanha no tempo mais rápido possível e conseguindo o maior número de pontos possível, recompensando experimentação e troca de armas na correria. É uma forma divertida de alongar o tempo de jogo, mas depois de terminar todos com 3 estrelas, as opções se esgotam. É como um daqueles filmes de ação, que você assiste uma vez e depois esquece.
FATOR REPLAY
O fator replay de Bulletstorm depende do número de Skillshots que o jogador conseguiu na primeira vez que jogou. São 131 formas diferentes, e eu não tinha conseguido nem 100 na minha primeira vez, então imediatamente voltei para tentar conseguir as 131. Também existem cinco níveis diferentes de dificuldade para quem gosta de mais desafios, mas fora isso, o jogo não possui muito mais o que fazer depois de completados os modos ‘Echoes’, a não ser que gostem de ficar tentando quebrar o próprio recorde múltiplas vezes.
PRÓS E CONTRAS
+ História surpreendentemente compreensível
+ Wolverine Grayson
+ Ocasionalmente engraçado
+ Melhores gráficos na Unreal Engine 3
- Travadinhas e artefatos gráficos bizarros
+ Trilha sonora ótima
+ Barulheira ensurdecedora, bom para um shooter old-school
+ Variedade de locais, inimigos e armas é enorme
+ 131 formas diferentes de acabar com seus inimigos
+ Uso do chicote mais os chutes fazem o jogador se sentir O FODA
- Começa meio lento
- Jogo curto
- Pouca coisa pra fazer depois de terminado
CONCLUSÃO
Pode parecer que Bulletstorm possui muitos pontos negativos, mas a avaliação de jogos sempre se baseia no quão divertido eles são. E as poucas horas que passei com Bulletstorm me encheram de sorrisos. O segundo álbum de uma banda é sempre o teste para saber se o primeiro não foi apenas um golpe de sorte. No caso de seu segundo game, a People Can Fly pode ficar orgulhosa de si mesma: é tão bom quanto Painkiller, e provou que eles também conseguem contar uma história, mesmo que ela seja besta. Esperarei ansiosamente pelos próximos trabalhos.
NOTA: 9
1 comentário
Na primeira vez que joguei consegui a maior parte dos skill shots, tirando a bouncer que é um saco de usar. Mas vamos esperar e ver se colocam mais coisas nas futuras dlc's...
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