Colaborou Carlo Makembe*, de Moscou
"Este é o seu grande final. A KGB governa o país"
K.N.Borovoi, deputado da Duma, a câmara baixa do Legislativo russo
“O Plano de Putin é a Vitória da Rússia”
Cartaz de propaganda pró-Putin afixado em Moscou
Após o fim da União Soviética e o esvaziamento de poder de Gorbachev, assumiu a presidência da Rússia, cargo mais importante da ex-União, um dos seus pupilos - que mais tarde se revelaria um desafeto: Boris Yeltsin. Com ele a Rússia experimentou uma regressão política e econômica extrema, ficando com os piores índices de crescimento entre os ex-países socialistas europeus. No campo político a coisa era ainda mais deslavada, com uma gangue liderada pelo magnata Boris Berezovski - que ocupava os principais cargos políticos. Fora isso a máfia - composta principalmente de ex-integrantes do Partido Comunista da União Soviética e ex-agentes da KGB - tomava conta de 1/5 da economia, e o regime ultra-liberal de privatizações colocava as principais empresas do país nas mãos de novos bilionários (90% deles amigos de Yeltsin).
No campo militar, durante 50 anos a maior especialidade dos russos, a coisa também desandava: oficiais se suicidando graças ao fato de agora precisarem pedir esmolas (em cidades do Oriente Russo, como Vladivostok, o dinheiro do soldo nem sequer chegava), e equipamentos sendo contrabandeados aos montes para encher os bolsos de alguns (gerou-se até uma conversa acerca da existência de malas-bomba com ogivas nucleares que teriam sido vendidas para países como o Afeganistão, mas que ainda não foi comprovada).
Mas o mundo só entendeu a gravidade da situação interna russa (alguns devem ter dado umas boas risadas) quando explodiu o primeiro levante checheno, em 1994. Foram dois anos de guerra sangrenta, e uma derrota humilhante para o outrora poderoso Exército Vermelho, o que obrigou o governo em Moscou a permitir a independência de fato da república, desde que ela permanecesse dentro de suas fronteiras (petróleo. Ponto!). Ao todo foram mais de 30.000 mortes, boa parte deles, civis, além da completa destruição da infra-estrutura chechena, agora inteiramente nas mãos de fanáticos islâmicos liderados por Shamil Basaiev.
Foi nesse quadro que emergiu Putin, em 1999. Em um ano e meio, Yeltsin já havia demitido quatro primeiros-ministros, e já dava sinais de estar preparando sua sucessão (os 3% de aprovação popular dele que o digam). O velho beberrão já estava quase impossibilitado de trabalhar, seja por doenças - ele estava surdo de um ouvido, tinha insônia, problemas cardíacos graves, um fígado que não aguentava nem o cheiro de álcool, circulação nas pernas comprometida, entre outras - ou por pura preguiça, e precisava de alguém que, ao menos, não o retirasse do trono antes da hora. Putin foi o escolhido.
Faixa preta em judô, egresso da KGB, onde serviu por 15 anos, seis deles na Alemanha Oriental, ele é politicamente oriundo de São Petesburgo, segunda cidade mais importante do país e ocupou o cargo de diretor da FSB, o serviço secreto interno russo. Ele garantiu que os últimos dias de Yeltsin fossem tranquilos. Durante investigações de corrupção em toda a família Yeltsin, Putin surge com sex tapes com o Procurador-Geral Iuri Skuratov como protagonista (e outras duas mulheres também). O medo de Yeltsin era terminar como Nicolae Ceausescu: fuzilado, juntamente com toda a sua família.
Cinco anos antes, Putin era simplesmente vice-prefeito de São Petesburgo, cidade onde ele nasceu. Em 96 ele ruma para Moscou, apadrinhado por Anatoly Sobchak, ex-professor e prefeito de São Petersburgo, que possuía bons contatos com Yeltsin. Em 98 assume o cargo que queria: chefe do FSB. Mesmo reduzindo a estrutura do Estado a níveis beirando a precariedade, os serviços de espionagem russos - FSB, segurança interna; SVR, espionagem política exterior; FAPSI, espionagem nas comunicações e desinformações; e GRU, espionagem militar - ainda eram muito poderosos, mesmo com a redução do orçamento. Parte disso se deve a um poderoso lobby que ex-espiões mantém, se infiltrando nos órgãos do estado e garantindo fartas verbas para seus quadros.
No ano seguinte é o novo primeiro-ministro e apontado por Yeltsin como seu sucessor. Em 2000, nas eleições presidenciais russas, é eleito, e não abandona mais o poder após isso... Não se enganem: Putin é um líder soviético clássico. Entendeu rapidamente como controlar os órgãos do estado russo, e o fez ao longo do seus dois mandatos. A população russa o apóia - ele tem cerca de 77% de aprovação popular - mesmo com suas políticas rígidas (e anti-democráticas, segundo a União Européia e os EUA).
Mas, qual é o segredo para o poder sem limites da matilha de Putin (que tem nomes como Vladimir Yakunin, Igor Sechin e o próprio Medveded, atual presidente russo, entre os seus)?
Muito antes de 2000, ano que Putin assumiu a máquina do Estado, uma reunião secreta foi feita às margens do lago Komsomolskoye - como era chamada a ala jovem do Partido Comunista - foi decisiva para a chegada do ex-espião ao poder em Moscou. Tudo aconteceu em uma dacha nos arredores desse lago, situado a 60 milhas ao norte de São Petersburgo, próximo da fronteira da Finlândia. Ali, o Ozero (o lago), como o grupo se auto-intitulava, tramou a própria subida ao poder após o fim do regime de Yeltsin e o retorno de dividendos financeiros russos no exterior para o país. Como coisas em comum entre eles se destacava suas ligações com o KGB no passado (Igor Sechin foi tradutor na Angola e Moçambique no início dos anos 90; Vladimir Yakunin foi diplomata na ONU… a única exceção é Medvedev) e um forte descontentamento com o caos da gangue Yeltsiniana.
Na época Putin não passava de chefe de relações políticas do prefeito de São Petersburgo; Vladimir Yakunin, atualmente um dos principais políticos russos, recentemente presidente da Russian Railways, a estatal das ferrovias, não era mais que o chefe de um banco que antes era do Partido Comunista; Igor Sechin, que é hoje o presidente da Rosneft, a estatal do petróleo russo, não passava de uma espécie de mentor dos outros integrantes e os chefiava. O outro era um jovem advogado, uma espécie de secretário… e se chamava Dmitry Medvedev, que antes de ser presidente russo, comandou a maior empresa estatal do país: a Gazprom.
A idéia do Ozero era simples: fortalecer o papel do estado na economia. O plano era justamente o inverso do pensado por Yeltsin e sua trupe de bilionários briguentos, que evadiam as divisas em um mar de corrupção e levavam dinheiro para o exterior. Eles eram habilidoso, como funcionários da KGB conheciam operações secretas, como esconder dinheiro e noções de investigações – inclusive internacionais – sem chamar suspeitas.
O esquema que Yeltsin armou era poderoso, mas ingênuo e burro. Bilionários tinham francos poderes, mas não resistiriam as grades e as armas, caso o governo quisesse acabar com a raça deles. E foi basicamente o que eles fizeram. O Ozero já tinha uma pequena parcela de poder, graças aos seus contatos no Ministério da Defesa e com colegas da KGB, além de mafiosos que eram ex-colegas de profissão. Além disso eram de uma parcela de neo-comunistas que arregimentava mais e mais seguidores em pequenas províncias russas e repúblicas do interior. Não hesitaram em fazer um acordo com Yeltsin para livrar a cara dele, e garantir o poder para um dos seus integrantes: justamente Putin!
Com o lobo-velho-beberrão-renunciando a presidência depois de oito anos, Putin deixa o cargo de primeiro-ministro e se torna presidente interino. Com a confirmação de seu prestígio pelo voto popular, ele vê a oportunidade de levar seu plano adiante. O primeiro passo foi colocar seus camaradas no controle das estatais responsáveis pela energia e transporte – que não por acaso eram as mais ricas.
A outra, e mais importante medida foi trazer de volta para a Rússia diversos ativos que estavam no estrangeiro. Desde o ano 2000, cerca de 100 bilhões de dólares em dinheiro extraviado voltou para os cofres (públicos) russos, o que constitui uma das maiores operações financeiras feita por um país na história!
Os serviços de espionagem e as forças militares foram fortalecidas novamente, e seu orçamento aumentou cerca de 30 vezes. A secreta Comissão Industrial-Militar, que comandava mais de 15 ministérios na época soviética e tinha o maior orçamento entre os órgãos governamentais voltou a existir, sendo posta sob o comando do vice-primeiro ministro… Vladimir Yakunin.
Após cuidarem do dinheiro russo no exterior, chegou a vez de colocarem a gangue do governo passado literalmente nos eixos, e mostrar que novos tempos haviam chegado (pra que se corromper com o dinheiro deles, se eles podiam TER o dinheiro deles?, pensaram os governantes russos).
Um dos casos mais famosos foi o de Mikhail Khodorkovsky. Ele era presidente da Yukos da Rússia, uma das maiores empresas petrolíferas do país e foi acusado de sonegação de impostos e fraude. O resultado foram oito anos de condenação – para a Sibéria, como pediu pessoalmente Sechin – e a incorporação da Yukos pela Rosneft (que estava em dívidas, e hoje vale US$ 36 bilhões), que um ano depois seria presidida pelo próprio Sechin. Logo depois, não se sentindo satisfeito, o Kremlin faz nova acusação de lavagem de dinheiro, o que pode dobrar a pena de Khodorkovsky.
O próximo da lista foi o bilionário Igor Zyuzin, presidente da Mechel, uma poderosa companhia que atua no mercado de mineração. A estratégia foi acusa-lo de fixação de preços com a finalidade de fraudar impostos. A acusação, aliada a ameaças a integridade física de Zyuzin, fizeram investidores da empresa correrem e os papéis da Mechel negociados na bolsa de Nova York caírem 30%. A saída foi a empresa aceitar ajuda governamental (leia-se: ajoelhar!).
Mas o governo não parou por aí. A estratégia dele não era somente incorporar empresas que atuam em setores estratégicos, como o caso Yukos. Como a estratégia de ameaças a empresas de oligarcas havia funcionado muito bem com a Mechel, era hora de expandir a tática. O próximo alvo foi a maior mineradora de níquel do país, a Norilsk Nickel, que entrou na lista de “aquisições” do governo.
A idéia de Putin era (e ainda é, o plano ainda não está completo) criar um conglomerado das cinco principais empresas de siderurgia e mineração do país para competir com a toda-poderosa BHP Billiton. Para isso o governo “indica” nomes de presidentes das empresas, com a justificativa que ele precisa passar por investigações antes. A mensagem dessa estratégia, que começou com a Norilsk Nickel, foi simples. O nome do presidente indicado foi o de Vladimir Strzhalkovsky, não por acaso um – não se surpreenda – ex-agente da KGB, colega da época de Putin.
Tal estratagema – pegar gente corrupta e fazer a economia crescer – tem dado certo. O Estado enriquece sem muito esforço e consegue apoio popular. Não é lá muito difícil, no fim das contas. O governo anterior patinou no quesito qualidade de vida da população e economia, tornando a Rússia um país conhecido por seus calotes. Tal passado facilmente evoca na memória das pessoas de como os tempos da era soviética eram melhores. Os nacionalistas do Ozero, que hoje comandam o país completamente, entendem a coisa dessa forma, e estão aumentando o papel da Mãe-Rússia na economia, seja estatizando empresas dos chamados oligarcas – jovens bilionários, geralmente corruptos – ou colocando gente de confiança no comando delas.
No campo geopolítico as coisas também “retornem para onde nunca deveriam ter saído”, como o próprio Vladmir fala. Já se fala até mesmo em nova Guerra Fria. O fato é que o governo russo aproveitou os gastos americanos em guerras-atoleiro e aumentaram sua área de influência. Passearam na Geórgia, trocaram idéias com Hugo Chávez, e fizeram acordos com inúmeros países africanos. Também enterraram a Guerra da Chechênia juntamente com a capital da republiqueta, Grozny. Além disso ameaça a Ucrânia e Moldávia, e avisa aos americanos para desistirem de escudos anti-mísseis. Os uniformes militares voltaram a ser iguais aos da época da URSS, bem como o fato do exército russo oficialmente se chamar Exército Vermelho novamente. Estátuas de Lênin estão em todo o país…
Seus serviços de espionagem estão seus seus melhores dias novamente, escavando túneis em embaixadas, mandando forças especiais (a Spetsnaz) para capturar e matar com êxito o líder da resistência chechena: Shamil Basaiev.
Recentemente Putin fez mais uma de suas jogadas características: se manteve no poder. Como já havia ficado por dois mandatos, não poderia concorrer de novo, a não ser que mudasse a constituição. Mesmo com todos apontando para o fato de que ele efetivamente tentaria isso, Putin seguiu por outra estratégia e pegou o cargo de primeiro-ministro. O presidente que ganhou as últimas eleições já é conhecido nosso: Dmitry Medvedev.
Com isso, o ciclo de poder de Putin mostra que só está no início. Com um enraizamento tão profundo no poder, é incerto dizer quando eles o abandonarão (se é que o farão). Enquanto isso o mundo é sacudido e a população russa fica feliz.
Putin diria que é uma boa troca…
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*Carlo Makembe é moçambicano, estuda História na Universidade de Moscou, escreve para o jornal Argumenti I Fakti, e contribuiu com o artigo da revista Fortune que serviu como base para esse post
9 Comentaram...
Muito intereçante a materia...mas acho q poderiam tambem comentar os atuais acontecimentos no Honduras...to esperando por uma materia de vcs ^^
é só uma ideia...
falow grande abraço!
Putin é igual a todos os outros políticos russos de outrora. Chegou ao poder com a ajuda de milionários russos, e usufruindo dos benefíos que como chefe da FSB os proporcionava com informações de seus inimigos políticos. Putin nada mais é do que um ex-agente da KGB que ainda se perfaz das mesmas táticas outrora usada pela extinta agência de espionagem russa. Exemplo disso, foi o assasinato de Alexander Litvinenko que foi envenenado em um café na Inglaterra em 2006. Sacha como era chamado pelos amigos, deu o seu sangue pela Russia e por não aceitar ser corrupto como era a maioria na russia, morreu brutalmente assasinado a mando de Putin por denunciar diante de todo povo russo na ORT (Um canal de televisão russo), todas as facetas criminosas da política russa e da FSB.
Portanto sem me prolongar, como todos os políticos Putin não passa de lixo. Assasinou um pai de família, um cidadão russo que deu a vida por seu pais, aonde o mesmo sonhava em apenas ter um lugar melhor para que seu filho e sua família vivesse longe do sofrimento e derramamento de sangue a qual por ele foi sofrido.
Grande abraço pessoal.
Mas suas medidas econômicas de estatização são louváveis, a qualidade de vida da população vem aumentando, o que é impensável em um governo puramente neo-liberal.
Querendo ou não, não ouvi mais falar da fama de colotera da Rússia... e pelo que tenho acompanhado na web e lido por ai o país tem melhorado.
Talvez os meios para isso sejam discutíveis... mas me parece muito interessante um país crescer e oferecer melhores condições para o povo.
Parabéns Voz do Além, escreveu bem o texto. Este é um dos meus posts favoritos. Fez bem em mostrar a história do amado e odiado Putin. Este é o tipo de político que toma atitudes erradas sem desagradar o povo. Ou seja, um mestre mais perfeito que o Lula (piadinha infame, mas a intenção é boa).
Valeu muito a espera do glaspost. É sempre prazeroso ler algum post sobre geopolítica.
VLw Nsn.
E cade o brunera?
Gostei da matéria! Para representar a tão glorioso mãe Russia http://www.youtube.com/watch?v=kK5XBaslNd0&feature=channel_page
hahaha Abraço!
Carai, nego prefere Putin ao Lula?! Putz, então vai lá desfrutar a democracia russa...
O Anônimo que disse asneiras acerca de Putin e do MVD/FSB é realmente mais um (entre os milhões) de alienados no planeta terra (principalmente no ocidente) pela "imparciabilíssima" mídia de massa (propriedade do mercado).
O mesmo não diz que Aleksander Litvinenko era amigo íntimo e trabalhava para ninguém menos que BORIS BEREZOVSKY, sim, o "Platon Elenin", o senhor das máfias e do desmonte do Estado Russo na década de 90, braço de George Soros na Rússia. O "arquiteto" da Revolução Laranja na Ucrânia, e que hoje virou pó. O ocidente nada tem a oferecer para a Ucrânia além de bases da OTAN e ostracismo em relação a maioria pró-Moscou (Leste Ucraniano)
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