quinta-feira, 7 de maio de 2009

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Glaspost #1 – O AK-47 e seus 60 anos de guerra

 

african-union-soldier 

“A noite já começava, e vi um grupo de homens saindo do meio de um matagal a cerca de 700 metros de nossa posição. A maioria estava a pé, e outros tinham cavalos, que estavam nos arredores se alimentando. Já tinha um certo tempo que havíamos perdido o medo dos soldados russos, então nossa infantaria continuou avançando. Mesmo sabendo que os fuzis deles eram superiores aos nossos, tínhamos certeza que nossos soldados eram mais treinados. Imediatamente começamos a atirar…

A cena que ocorreu a seguir foi de terror. Uma tempestade de coquetéis Molotov caiu sobre nossas tropas, incendiando todo o mato ao nosso redor e assustando os nossos soldados com o súbito ataque. Mesmo com munição de sobra, os russos que estavam a nossa frente não atiraram nada mais que seus Molotov, para logo depois fugirem, vendo que o pequeno incêndio estava amedrontando nossas tropas.

Nós fomos caça-los num bosque cheio de ravinas, pois sabíamos que incendiar vilas e atacar soldados com coquetéis era como os russos se despediam da gente. Quando nossas tropas entraram no bosque, sendo obrigadas a descer de seus veículos, presenciei uma das piores cenas da minha vida, mesmo com a minha experiência em guerra. Os russos que estavam naquela tropa não eram os russos “europeus”, que estávamos acostumados a enfrentar e tinham boa índole. Era um destacamento de cossacos, misto com tropas siberianas. Eram soldados cruéis, que preferiam o combate corpo-a-corpo a pesados bombardeios. Eles não deram um único tiro, afixando baionetas nas pontas das armas e cortando nossos soldados, que pouco conheciam o terreno, e estavam ainda apáticos com o fogo. O massacre foi completo, com gargalhadas de russos em meio as árvores, e nossas tropas tendo membros amputados. Os poucos que sobraram preferiram ter morrido. Eu fui obrigado a fugir para uma guarnição de tanque próxima.

O reforço demorou a chegar, dando tempo para eles irem embora e ajudarem na resistência da cidade mais próxima, Brest-Litovski, que estava combatendo nossas tropas com um destacamento do NKVD (polícia secreta) e um batalhão de mulheres obstinadas, convocadas às pressas…”

Fragmento achado no diário do Capitão Seckeet, comandante da I Companhia de Infantaria Alemã, que combateu na URSS na II Guerra Mundial

“Para que um soldado ame a sua arma, ele deve compreende-la e saber que ela não o trairá. Quando vejo na televisão Bin Laden com seu AK-47, fico revoltado. Mas o que posso fazer? Os terroristas não são tolos: também escolhem as armas mais confiáveis.

Eu gostaria de ter inventado um aparador de grama.”

Mikhail Kalashnikov, em entrevista ao The Guardian

Soldados russos têm em seus fuzis quase que extensões do corpo. Perder ou ter seu rifle danificado é quase sinônimo de morte. Mesmo em situações em que os ferimentos exijam as mãos para estancar uma hemorragia, o soldado russo provavelmente vai preferir ficar com o fuzil a mão. É melhor morrer ferido, do que metralhado por um soldado inimigo.

Capitão Von Seeger, comandante de um Corpo Panzer Alemão, na II Guerra

Na época em que os depoimentos do Capitão Seckeet e do Capitão Von Seeger foram escritos, o mundo estava sob o manto da II Guerra Mundial, e os russos estavam armados com os fuzis PPSh, que em muito lembravam similares americanas, mas com melhorias, como seus 900 tiros por minuto disparados. Era uma arma confiável, mas feria o princípio soviético relativo a armas: elas eram de difícil produção, e possuíam uma infinidade de modelos, o que dificultava o abastecimento das tropas e da linha de produção, que estavam sob pesado fogo.

Após a II Guerra Mundial, Stalin ordenou que se unificasse a produção de todos os rifles que doravante seriam usados em todos os países comunistas. Para encontrar a arma ideal fez um concurso para aprovar o melhor desenho de arma. Ironicamente foi um ferimento que, no fim das contas, foi o responsável pelo desenho campeão. Mikhail Kalashnikov, o dono do desenho vencedor e combatente da II Guerra, se interessou em projetos de armas quando teve que ficar numa cama de hospital.

Seu ferimento, no ombro, foi ocasionado por um bombardeio ao seu tanque. Antes disso, ele trabalhava numa fábrica de tanques, em Moscou, e se viu obrigado a combater, graças a iminente chegada dos nazistas a cidade. Com o ferimento, que o obrigou a ficar no hospital por um ano, ele precisava de uma coisa para matar o tédio. Começou a desenhar armas, e seu principal plano era fazer uma arma pessoal, similar ao dos alemães, durante a II Guerra, mas ainda mais simplista.

O resultado foi o AK-47 (Automatic Kalashnikov), arma cuja a história se confunde com toda a história de guerras do século XX. Só para se ter idéia, estima-se que já foram fabricadas cerca de 100 milhões de AK-47 e seu sucessor, o AKM. À partir da invasão do Laos pelo Vietnã, em 1958, eles participaram de todos os conflitos posteriores a sua criação, muitas vezes dos dois lados. E foi lá que ele mostrou o quanto é resistente, com excelente desempenho tanto na lama,  na selva, e até na água. Do outro lado do conflito que se iniciou seis anos depois, com a invasão da parte sul do Vietnã, estavam os M-16, a resposta americana aos Kalashnikov, que se mostraram como peixes fora d’água, exigindo diversos cuidados para o seu bom funcionamento.

 

kalashnikov

Mikhail Kalashnikov, segurando sua cria…

Após a Guerra do Vietnã, o AK-47 se espalhou pelo mundo, muito mais rápido que a doutrina comunista, que inflamava grupos guerrilheiros que estavam combatendo regimes ditatoriais. Foi a arma usada por diversos traficantes, e bandidos que se espalharam pelo planeta décadas depois. Mas, o principal passo a imagem da arma estar hoje associada a terroristas islâmicos foi a vontade da União Soviética querer firmar presença no Oriente Médio, ligando sua imagem ao do islamismo, mesmo com suas fortes características ateístas.

O primeiro país a receber apoio da União Soviética foi o turbulento Afeganistão. Seu Partido Democrático logo ascendeu ao poder, numa disputa antiga, que sozinha daria um post completo. Os mujahedins expulsaram os comunistas depois… usando as mesmas AK’s que eles haviam fornecido anos antes.

Com a África não foi muito diferente. Enquanto os soviéticos já estavam equipados com modernos AKSU-74, eles resolveram levar sua poderosa arma – e de quebra, a doutrina – para os africanos. Milhares de AK-47 foram despejados em movimentos populares na Angola, em Moçambique e na Libéria. Muitos desses fuzis ajudaram na queda definitiva dos antigos impérios pré-II Guerra, como o britânico, e francês. E onde tem guerra no continente africano, lá está o Kalashnikov. Até mesmo na bandeira de Moçambique ele está presente. Eles tinham diamantes e petróleo, e os russos tinham o poder de fogo para eles manterem o governo nas mãos em meio a várias tentativas de golpes.

Logo depois a última fronteira foi alcançada. A estável América, coberta pela bandeira dos EUA, recebeu alguns exemplares, através dos sandinistas e sua guerrilha da Nicarágua, na década de 70. Com a deposição do ditador nicaraguense, Augusto Somoza, os sandinistas, agora no poder, resolveram também espalhar os seus AK’s pelo restante da América. E eles mostraram mais uma vez sua capacidade de se espalhar.

Logo chegaram a toda parte continental da América Central, e depois ao Sul, em países como Colômbia, Peru… e Brasil. Até mesmo os traficantes do Comando Vermelho usaram as AK’s como símbolos do poder recém-adquirido.

Hoje, o rifle possui fábricas na Albânia, Bulgária, Egito, Vietnã, Romênia, Rússia… e mais oito países, fincando sua presença em cerca de 92 nações – e fabricado em 14 delas (a Venezuela mostrou interesse em montar uma fábrica em seu território, depois de comprar 100 mil AK’s). A ONU recentemente decretou que sua produção está descontrolada, e seu preço reduzido demais, podendo ser comprado por meros 30 dólares em certos países da África, devido a sua robusta oferta, simplicidade e confiabilidade. Parte dessa preocupação é devido ao estimado número de 7 milhões mortas pelos tiros da arma.

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Mas qual é o segredo por detrás dessa arma, resultando em tamanho sucesso (ao ponto de americanos guardarem-na como troféus na Guerra do Vietnã, em detrimento dos seus M-16)? Simplicidade, eficiência e uso para qualquer terreno.

A arma funciona a gás, com um cilindro sob o cano. Quando a bala é atirada, uma quantidade de gás força o pistão para trás. O cão da arma afasta-se da culatra, colocando um novo cartucho no lugar e jogando o usado fora. Existe a opção de tiro automático, com a arma fazendo todo esse processo enquanto o gatilho estiver pressionado. Seu cartucho varia de de 30, 60 e até 100 balas, e sua razão é de 600 tiros por minuto. Seu calibre é o padrão soviético: 7,62 mm, e o alcance confiável é de 400 metros.

 

Olhando assim, nem parece o mais bem-sucedido e duradouro armamento portátil já feito. Coisas da Rússia…

 

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17 Comentaram...

Anônimo disse...

Meus parabéns.
Agora com o Glaspost, acho que foi o empurrãozinho final pra deixar esse blog num nível diferente de todos.
É o único que posta diariamente bom conteúdo, com bastante coisa escrita, não só ilustrações grandes com um texto mínimo.
Excelente, meus parabéns!

Anônimo disse...

muito bom o texto, grande arma, uma das melhores nos jogos fps (meus favoritos) porem unica coisa chata é pensar na finalidade dela e ver ela como um negocio.

Gabriel

Felipe disse...

Demais a primeiro texto do post.

E 30 dolares uma Ak-47 ?? Se tivesse me avisado antes não compraria na steam para ter minha propria arma em casa. ^^

MPauloS disse...

Meus parabéns, acompanho o Nerd Somos Nozes já faz tempo (mas comento pouco), estava no aguardo do primeiro Glaspost, estou ansioso para os que virão.

Felipe disse...

Voz do além,
Eu queria pedir uma favor, se você não pode tentar trazer fotos de mulheres russas. ^^
È dificil achar, então se você poder postar algumas imagem para o glaspost eu ficaria agredecido.

Max, O Observador disse...

Legal esta série de posts sobre a Rússia... Só uma dica de assunto: fale sobre a maior ameaça aos tanques alemães da 2ª GM !

Aleatório disse...

POw

Adorei esse Glaspost *_*
Eu não sabia que a M16 era tão problemática x.x
Muito interessante, agora já sei qual arma eu usarei nos FPS's ^^

Att.

João Lucas Scharf, o Aleatório

Bruner disse...

o mais triste nisso tudo é saber que o Mikhail não deve ter recebido um tostão dessa brincadeira toda... ou recebeu? filiPera!

A Voz do Além disse...

Muitíssimo obrigado pelos elogios... podem ter certeza que as colunas manterão esse nível.

@Felipe: Sim, vão ter fotos de mulheres russas, com certeza, mas um pouco mais para frente. E sim, de novo, elas são tudo o que você imagina e mais!

@Max: Vão ter vários posts sobre II Guerra e sobre armamentos sim. Mas não dá pra falar tudo, a II Guerra sozinha exige mais que uma coluna; exige um blog. Mas o assunto que você indicou está as minhas pautas!

@BruNêra: Eu não falei como vive hoje Mikhail para não glamorizar as armas. Mas ele é rico, tem seu nome numa marca de vodcas, e mora num castelo na cordilheira dos Urais, estando hoje com 89 anos.

A Voz do Além disse...

E deixem suas respostas no Glaspost inaugural para concorrer ao livro!

Thiago Fernando disse...

Tão baratinha que eu vou pedir uma pro natal.
Passar na granja e fazer um abate coletivo. Já imaginou, pena voando pra tudo que é lado.
:D

Vou dar outras aplicações praticas para uma ak47
1 - Cortar a grama.
2 - Podar as arvores (jardinagem nunca foi tão divertido)
3 - Cortar as unhas do pé
4 - Cortar os pelos do nariz (chega de ter que fazer isso toda semana)
5 - Matar baratas, mosquitos, pequenos insetos rastejastes. (É impressionante como é eficiente :D)

Depois de todas essas vantagens compre logo seu AK 47 pelo 03000 -|- -|- e divirta-se

:D

Vanat disse...

Parabéns pelo esse post Voz!
O conteúdo e embasamento histórico é de ótimo qualidade. Sempre achei a AK - 47 uma excelente arma (em game FPS, óbvio que nunca usei uma de verdade, mas já atirei com o FAL 7.62 da IMBEL de verdade ^^). Coisa que remetem a URSS (especialmente Rússia) e Segunda Guerra Mundial me fascinam *.*

resumindo, continue o excelente trabalho!

Moziel T.Monk disse...

Salvo engano, o Mikhail não recebe royalties sobre a maioria (senao de todas) as versoes e clones do AK-47 fabricados mundo afora, ao menos foi o que vi em um documentário sobre a arma ao qual assisti há alguns anos. E só para complementar: o projeto da arma é baseado no primeiro fuzil de assalto, o alemão MP-44, e seu projeto serviu de "inspiração" a outros projetos, como os fuzis Galil israelense e os Valmet filandeses. O m-16 tem algumas boas características, mas é muito sensivel a sujeira, e no inicio de sua operação no Vietnã pegou a péssima fama de falhar, mas isso devido ao uso de munição inadequada.
Descobri a pouco esse blog, e percebi que oferece textos e aborda temas bem variados e distintos em relação a maioria dos blogs.Parabéns!

Cuzeiro disse...

Demorei para ler esse post, mas valeu muito a pena!
Esses assuntos mais interessantes nunca são ensinadas nas escolas!
Parabéns pelo texto fil... Voz do Além!

FiliPêra disse...

Acabou de me dar uma idéia brilhante para uma série de posts! Aguarde e verá...

kwhvelasco disse...

engraçado... na escola dá pra se falar disso, problema é as crianças quererem ouvir! eu já dei aula sobre II guerra a partir do CoD2, ué? Já falei das guerras de libertação da África dando justamente o chamariz "vcs sabem porque aquela arma do terror do CS está na bandeira de moçambique????" Claro que as mães ficam aterrorizadas -"professor falando de arma pros alunos!!!" - mas no final, dá pra mandar a msg. Por isso que História é f..., e sim! o MP44 é a base do AK, mas o MP44 é pesado - todo em aço -, falha muito, aquece a mão de quem atira e não é resistente a´água. Na neve, dá trabalho. Mas engraçado é que Hitler foi quem tinha antipatia por arma de baixo calibre, e relutava em autorizar a produção do MP44. Com ela, os alemães mudaram suas táticas de ataque - o caso da batalha das Ardenas é exemplar - e os soviéticos perceberam e aprenderam muito bem essa coisa. Kalashinikov tem o mérito de transfromar uma arma cara e complexa num exemplo de simplicidade e eficência, pena, claro, que de consequencias terríveis.

Anônimo disse...

Ainda Reclamam das armas nucleares, as verdadeira arma de destruição em massa são as AKs!

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