A arte que escorre das mãos de James Jean garantiu a Fábulas um cartão de visitas impecável. Em um desenho de curvas sutis em traços fortes e um sombreamento impressionante, Jean transformou as capas de Fábulas em quadros que se tornaram cada vez mais expressivos e grandiosos. Lembro que quando comecei a ler, a revista encontrava-se por volta do volume 70, eu não aguentava a curiosidade e ficava olhando as capas dos volumes mais adiantados sem me preocupar com spoilers, apenas com a vontade de apreciar as capas. Como os melhores capistas, Jean capta muito bem todas as subjetividades da obra, as capas se transformam em imagens que ganham todo o sentido após terminar de ler o volume, e em certos momentos essas imagens parecem à cena que faltou dentro do quadrinho.
O capista também faz uma ótima participação no especial, Fábulas – 1001 Noites, neste além da capa Jean desenha o conto Um Olhar de Sapo, que conta o passado do Príncipe Ambrose, também conhecido como Príncipe Sapo. Fábulas não é o único trabalho de Jean, ele também foi capista do quadrinho escrito por Gerard Way, vocalista do My Chemical Romance, e desenhado pelo brasileiro Gabriel Bá: Academia Umbrella. Recentemente nos Estados Unidos foi relançado um especial contendo apenas as ilustrações das capas de Fábulas desenhadas por Jean. Foi relançado porque a primeira impressão não deu pra quem quis. Por aí você tira se James Jean é ou não foda. Atualmente o artista dedica-se a trabalhos completamente autorais, fazendo de obras de arte abstratas a retratos e estudos de musas da sétima arte hot (Sasha Grey).
Atualmente as capas estão nas mãos do tupiniquim João Ruas (mais um reafirmando a grandiosidade dos nossos artistas). Sim, o cara é brasileiro e faz um trabalho tão bom quanto o de James Jean, tendo todos os pontos fortes que citei ao falar do primeiro capista. A verdade é que ambos pertencem à mesma escola, um olhar desatento pode nem perceber a troca de artistas. Eu gostaria de escrever trilhares de conceitos técnicos sobre desenho e pintura, porém meus conhecimentos não me permitem, mas acredito que o pessoal desta área possa se interessar em analisar as obras dos caras e o pessoal que só curte ver um bom desenho pode dar uma procurada só pra conhecer. Vale a pena ao menos pelo deleite visual.
A arte de Fábulas atualmente encontra-se nas mãos de Steve Leialoha e Mark Buckingham, mas no princípio no lugar de Buckingham trabalharam Lan Medina e Craig Hamilton, que até hoje fazem algumas participações em alguns contos. Na realidade, vários artistas fazem participações em Fábulas: Leialoha e Buckingham desenham a coluna vertebral, o que sustenta e aquilo que realmente influencia o decorrer da série. Os contos que Willingham normalmente usa para amarrar as pontas soltas da história ou só para contar uma boa história são desenhados por vários outros artistas. Listar o nome de todos esses artistas daria um tremendo trabalho, sem contar que a maioria eu nem mesmo conheço, vendo-os apenas em Fábulas. Mas posso citar aqui o nome da ganhadora do Eisner Awards de 2010, Jill Thompson, com sua participação no conto Divisão Justa no já citado Fábulas – As 1001 Noites.
A história de Fábulas é bem famosa; trata-se do exílio de todas as Fábulas que conhecemos, indo do “inocente” Pinóquio ao “sanguinário” Lobo Mau. Exilados, mais precisamente em Nova York. Expulsas de suas terras por um inimigo em comum conhecido apenas como O Adversário, as Fabulas foram obrigadas a aprender a tolerar, respeitar e até mesmo a perdoar muitos de seus inimigos. Tudo para garantir a própria sobrevivência em uma terra nova e completamente desconhecida, onde toda a magia que outrora fora completamente comum agora não passa de algo escasso e racionado. Começamos o quadrinho em Nova York, com João do Pé de Feijão, alardeando ao xerife Lobo Mau que sua namorada Rosa Vermelha, irmã da Branca de Neve, fora brutalmente assassinada.
A partir desse ponto Bill Willingham começa a sua trama, resolvendo o mistério do assassinato e introduzindo os leitores a parte do nosso mundo onde habitam inesperados visitantes: as Fábulas. Então, quando nos damos conta, estamos completamente envolvidos com a vida dessas Fábulas, com seus romances aparentemente impossíveis, suas picuinhas medíocres e suas lutas políticas. Toda a história vai se tecendo com uma quantidade surpreendente de pontas soltas que pouco a pouco vão sendo habilmente amarradas, e você se toca que qualquer ponto de interrogação que apareça será resolvido seja agora ou daqui a cinquenta edições. Da mesma maneira que há uma quantidade enorme de pontas soltas há também uma enorme quantidade de temas abordados, e aí você acaba se tocando também que Fábulas é uma miríade de sentimentos e reflexões, um mosaico construído de amor, fraternidade, amizade, política, religião, literatura, heroísmo e mais um monte de coisas.
Willingham escreve uma obra para ser percebida em suas minucias, onde todos os personagens têm suas vidas particulares, com seus próprios problemas domésticos e seus próprios demônios pra resolver, mas também para ser entendida em um grande panorama onde toda uma comunidade se esforça militar e politicamente na tentativa de voltar para as suas terras natais. Isso é mais uma das coisas que dá a Fábulas um ar grandioso, por ser algo que cai tanto na gravidade dos grandes problemas políticos como diplomacia e a eleição de um representante maior, quanto na condição mais intima do ser humano (embora sejam todos Fábulas, não seres humanos), é o momento em que você se envolve com o amor não correspondido de Bigby Lobo, a dor de perder toda a família do príncipe Ambrose, da tristeza que este mesmo príncipe e Pinóquio sentem ao perder um grande amigo, a insatisfação de ver a própria irmã se transformar em uma inimiga, a empreitada heróica de Azul a procura de autoafirmação, a depressão em que se afunda Rosa Vermelha quando descobre tardiamente que amava alguém que não está mais entre eles, a tentativa de Frau Tortekinder de recompensar com muito esforço o favor daqueles que ela fez tanta questão de um dia destruir.
Bill Willingham criou um quadrinho original em cima daquilo que já existia, sem deixar de dar sua mão aos antigos personagens: Branca de Neve não é aquela criatura frágil que conhecemos, o Príncipe Encantado, como já é de se esperar, não é exatamente o príncipe dos seus sonhos, e talvez você descubra que o verdadeiro príncipe na realidade é um Lobo. Da mesma maneira que a personalidade de alguns personagens mudou, mudaram também suas lendas e por aí você deve esquecer os sete anões legais que ajudaram branca de neve. Willingham foi um cara muito esperto ao conceber a ideia de Fábulas, mas como uma grande ideia não é nada se não tiver alguém competente para desenvolvê-la, Willingham se mostrou um escritor versátil e com um grande poder de argumentação. Sua escrita vai evoluindo com o passar da série e se moldando conforme é seu conto, podendo ser um grande relato de segunda guerra ou a linda narrativa de uma aventura épica. Seu poder de argumentação por vezes se mostra gigante, e é possível mudar de lado diversas vezes ao ver seus personagens protagonizando intensos debates. Além de Fábulas Willingham escreveu Sandman Apresenta, House of Mistery, Marvim Punpkin Head, Robin e mais coisas que dão preguiça de digitar.
Provavelmente não exista necessidade de uma resenha dessas, acredito que boa parte dos leitores do NSN que curtem quadrinhos já lê Fábulas e boa parte dos que não lê já escutou falar, porem como a série alcançou em dezembro a marca de 100 edições, sendo o primeiro quadrinho nascido dentro do selo Vertigo a alcançar esta marca, achei que merecia um post pelo menos em tom comemorativo.
Autor: Bill Willingham
Editora: DC Comics/Vertigo
Nota: 9,5
1 comentário
Ótimo post, Bulaxa :D
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