Há 25 anos - e dois dias - a Nintendo lançou no Japão The Legend of Zelda. Shigeru Miyamoto, o maior game designer de todos os tempos, diria mais tarde que a idéia para o jogo partiu de lembranças das explorações que ele fazia em cavernas e florestas, tudo junto com mitologia nórdica, japonesa e a inspiração do filme A Lenda. Em tempos de games cheios de CryEngines da vida, o clássico com a primeira aventura de Link parece um mero rabisco, mas creio que todos sabem que é ali que está a gênese de uma das melhores séries de videogame da história, que além de manter sua estratosférica qualidade nos dias de hoje, ainda é um poço de inventividade aliada a sua longa tradição.
Falar de Zelda é complicado, e não só pra mim, um fã confesso de tudo relacionado a série. Fã de Zelda geralmente é uma raça ruim. Fala aos quatro ventos que deseja inovações, mudanças de fórmulas desgastadas, mas deixa uma lágrima rolar ao ouvir o tema musical do jogo que toca em milhões de casas mundo afora por duas décadas e meia. Reclama da perpetuação de certos itens, mas solta um sorriso de orelha a orelha ao mirar na cabeça de cinco inimigos e lançar o bumerangue de forma perfeita.
Eu imagino que tipo de impacto The Legend of Zelda teve na cabeça dos primeiros que o experimentaram. A linearidade absoluta foi colocada de lado, permitindo que os jogadores acessassem as fases em ordens diferentes, além de existir todo um processo de achar e conseguir jogar cada dungueon. Não existia o processo de terminou-uma-fase-pulou-pra-outra, o que deve ter deixado muita gente com várias noites sem dormir. Foi Zelda que instituiu as clássicas baterias de save, o que mandou já marcou uma morte precoce dos intermináveis passwords.
Pouco mais de 12 anos depois de ter sua primeira aventura lançada, a série alcança a perfeição, com o capítulo Ocarina of Time, provavelmente uma das melhores experiências que os videogames já proporcionaram a um jogador. Tudo foi superlativo ali, desde o hype absurdamente mamutesco que só crescia à medida que a Nintendo fazia das suas e adiava continuamente a data de lançamento - só quem respirava videogame na época sabe como foi - até o produto final, que conseguiu atender e superar todas as altíssimas expectativas criadas ao redor dele. Com Ocarina of Time, a Nintendo mostrou que definitivamente o 3D foi muito bem recebido por suas séries - dois anos antes, Mario havia feito sua estréia em três dimensões - e que a empresa faria seu papel de chacoalhar tudo mais uma vez.
Só quem mirou com o botão Z pela primeira vez, viu a árvore Deku morrer, tirou a Master Sword do Temple of Time e viu que Hyrule se transformou num reino destruído, reencontrou Saria no meio da floresta - ouvindo uma das melhores músicas de toda a série -, cavalgou com Epona livremente pelos campos e viu o pôr-do-sol, lutou contra inimigos invisíveis, atirou flechas em fantasmas enquanto andava a cavalo… entre uma série infinita de experiências únicas, sabe o que é a experiência inesquecível de Ocarina of Time que tento descrever aqui.
Após Ocarina of Time veio o subestimado Majora’s Mask. Esse é um bom exemplo que demonstra a natureza dos fãs que querem-mas-não-querem qualquer tipo de inovação. Majora’s trouxe uma das maiores reviravoltas nas mecânicas de jogo da série, ao colocar Link - o herói da série, pra quem não conhece. Se bem que na verdade o nome é mais pelo fato dele representar um elo com o jogador, pois quem joga é que escolhe o nome do personagem - num mundo alternativo com uma rotina de três dias até a destruição da tudo pela queda da lua do lugar. Tudo deve ser feito nesse prazo de três dias, sendo possível aplicar magias musicais de estender ou acelerar o tempo, bem como voltar nele. Provavelmente por ser uma aventura menos épica - o jogo é consideravelmente menor, porém com um nível de dificuldade bem elevado, um clima bastante sombio, e com bastante tarefas extras -, fora de Hyrule e sem Zelda, o jogo não foi recebido como deveria, mas pra mim é quase tão bom quanto Ocarina. Nos créditos, outra mudança importante na série: foi nesse capítulo que Miyamoto deixou a cadeira de diretor da série e passou a responsabilidade pra Eiji Aonuma, posto que ele ocupa até hoje.
No final de 1999, durante a Space World - uma feira exclusiva da Nintendo que rolava sem qualquer periodicidade no Japão - a Big N mostrou Link matando alguns monstros no sistema do seu novo console. Lágrimas e saliva foram vistos na platéia quase toda composta por jornalistas profissionais. Parecia uma nova revolução se aproximando. Mas eis que na E3 de 2001 a opinião sobre o sucessor de Majora’s - chamado Wind Waker - se dividiu: a Nintendo adotou para o jogo um visual cel shading, essencialmente cartunesco e parecido com um mangá. “É um Zelda pra menininhas”, diziam alguns mais fanáticos.
O mundo praticamente se dividiu em quem odiou a proposta da Nintendo de fazer um jogo bastante calcado na beleza da linguagem visual, escancarando emoções e expressões únicas com o estilo; e os que o abraçaram com gosto, experimentando mais uma superlativa aventura em Hyrule, e podendo entender melhor como se comporta a cronologia e a(s) linha(s) do tempo da série - mesmo que cada um entenda de uma forma diferente, pois os produtores do jogo jamais se pronunciaram oficialmente sobre o mistério. Mas uma coisa é certa, a mídia especializada o elegeu um dos melhores Zeldas de todos os tempos e o cel shading se espalhou pelo mundo. Outra inovação foi com relação ao mundo de Hyrule, agora um grande conjunto de ilhas que devem ser exploradas através da navegação e do controle do vento. E o barco de Link - King of Red Lions - é cheio de personalidade, substituindo Navi e Epona ao mesmo tempo.
Depois, mais polêmica com a chegada de Twilight Princess, em 2006. O bola da vez é outra mecânica: Link se transformava em um lobo, e se transportava entre um mundo normal e um outro tomado pelas sompas, sempre auxiliada pela amada e odiada Midna - falarei mais sobre isso numa resenha que farei do jogo em breve. É inegável que Twilight Princess é bem mais do que isso. É com certeza o maior jogo da série em tamanho, com umas 60 horas de jogo por baixo, uma história elaborada com diversos momentos emocionantes, uma série de itens inéditos, uso primoroso do Wii Remote, além de skills que tornaram o combate uma coisa única, recompensadora e até estratégica, evoluindo e muito as já bem vindas inovações que Wind Waker trouxe. Isso tudo, mesmo com uma leve queda no nível de dificuldade geral nos calabouços do jogo.
E 2011 promete ser mais um ano excelente para os fãs das aventuras de Link. Provavelmente o ano verá o novo capítulo da série, Skyward Sword, além do remake 3D de Ocarina of Time. Por uma Sincronicidade incrível, emprestei meu Wii para um amigo e ele me devolveu com todos os Zeldas que me faltavam jogar, e em troca dei meu cabo de vídeo componente pra ele. E isso significa que terei muito trabalho nos próximos meses (queria dizer semanas, mas último ano de faculdade + emprego sugam muito do meu tempo) para lançar uma série de textos completos sobre a evolução da série, sua cronologia e a magia presente nela, que assim como Mario, misteriosamente consegue transcender qualquer possibilidade de expressão racional e linguística e entra num campo de subjetividade e emoção. Por isso é tão difícil falar da Lenda de Zelda, seja pra mim como qualquer um, porque mais que um jogo, a série é uma experiência profunda.
Pense em quantas séries clássicas perdem sua essência, público e qualidade, aos poucos morrendo criativamente - como Final Fantasy e Sonic - e isso é apenas um dos motivos para você entender a importância do que Zelda ainda é (e pelo visto sempre será): um evento mundial capaz de comover gamers a cada lançamento, uma peça de arte única.
Não só por ser uma série de 25 anos, algo como ser avô nos games, mas pelo que The Legend of Zelda representa hoje como obra de arte, cultura e experiência aprofundada, é que não consigo imaginar o mundo dos videogames sem Link, Zelda, Ganondorf, Gorons, Dekus, Zoras e todos os habitantes do mundo da série. Sem o hylian de gorro verde desbravando Hyrule 25 anos atrás, provavelmente não haveria Final Fantasy, Shadow of Colossus, Oblivion, Dragon Age, isso só pra citar os que foram influenciados mais obviamente pela temática e pelas mecânicas da série.
Então, mesmo talvez não gostando e virando a cara pra série, ao menos saiba que sem ela, boa parte de vários dos jogos “épicos” que existem por aí, simplesmente seriam menos lendários. Ou nem existiriam.
Parabéns Link e Zelda - e Miyamoto -, vocês merecem!
3 Comentaram...
Ótimo artigo Filipêra.
Revivi momentos de minha infância lendo o texto...
Muito bom o artigo, (ah saudades do Ocarina of Time)
Dois games me marcaram: Link to the Past e Ocarina of Time.
Joga-los, numa época em que não havia detonados, sozinho no meu quarto, me trazem ótimas lembranças.
Cada item conquistado, cada Dungeon vencida, era EU vencendo e vivendo aquela história.
Isso tem se perdido hoje em dia.
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