quinta-feira, 19 de março de 2009

Avatar FiliPêra

O Edifício

 O Edificio-01_1 

Eu admito: essa é a segunda obra de Eisner que leio, que se soma a Um Contrato com Deus. O Cara, como ele é chamado por aí, deixou um legado de dar inveja a qualquer Bendis, Loebs e Johns da vida. Até o Oscar dos quadrinhos, muito mais importante que sua contraparte cinematográfica, tem o nome dele. Will também é um dos responsáveis por  mudar a face dos quadrinhos, tirando a nona arte do gueto e a aproximando da literatura. Entretanto, suas tramas simples e com elementos predominantemente humanos, acabam por afastar dos jovens leitores. E quanto tentam tornar uma obra sua mais pop, mesmo a sua obra que mais se aproxima do público menos adulto, como é o caso da adaptação The Spirit, pelas mãos de Frank Miller, o resultado geralmente é o desastre.

Mas é inegável que – vou dizer isso com o risco de ser mal interpretado – dificilmente sua obra realmente sobreviva ao tempo. Infelizmente com Universos, Multiversos, Guerras Civis, e todas essas coisas caça-níqueis, não sobra espaço para tramas tocantes como as narradas por Eisner aqui em O Edifício. Não culpo nem a indústria de quadrinhos, e tampouco os leitores. Os tempos realmente são outros. Hoje, grande parte dos leitores não têm a paciência de admirar uma obra quadrinística calcada em tramas cotidianas. Caso a revista não agarre o leitor nos primeiros quadros, ela logo é xingada de lenta (não que isso seja um xingamento) e abandonada em algum canto empoeirado até virar comida de traça (como tudo, claro, existem exceções).

Essa obra de Eisner segue exatamente seu estilo (pode parecer prematuro da minha parte falar sobre o “estilo” de Eisner, mas, caso esteja errado, me corrijam). Tem humanidade transbordando as páginas, misturada com experiências do próprio autor. Tudo isso unido, forma uma obra completa, coesa; é exatamente esse tipo de história, com esse tipo de narrativa que se caracteriza como graphic novel (hoje, pelo visto, qualquer coisa encadernada o é).

Como o título mostra, essa HQ narra a história de um edifício. Ou melhor, de como a demolição dele, afetou a vida dos que estavam a sua volta e o habitavam. Logo num dos primeiros quadros da revista, Eisner dá mostras do que será toda a história: sob o que era antes o edifício do título, surge outro, mas com quatro fantasmas o habitando, presos com assuntos pendentes, todos ligados ao edifício.

E a história começa de verdade com o início da narração da vida de cada um desses fantasmas (que na verdade são apenas referências aos leitores). Monroe é um deles. Ele jamais consegue esquecer do dia em que não conseguiu evitar que uma criança morresse. Ele passa a ajudar crianças, jamais alcançando a redenção que tanto procura.

Gilda é uma mulher que não se casou com o verdadeiro amor para poder obter segurança financeira. Mas ela tornou seu antigo namorado o atual amante, não conquistando a felicidade que tanto procurava. Seu marido, que também arranja amantes, não ajuda em nada, tornando Gilda ainda mais infeliz. Antonio, um violinista, é outro que orbita em torno do prédio. Jamais conseguiu ser um profissional e, após um acidente, termina por ficar tocando violino em frente ao prédio, ficando doente à medida que vai chegando o dia do  prédio ser demolido.

Mas, é na história de P. J. Hammond que Eisner se supera, apesar dela parecer clichê. Ele queria porque queria comprar o edifício por motivos sentimentais. Herdou o dinheiro e os empreendimentos de seu pai e se lançou numa campanha para compra-lo, mesmo que isso exija métodos sujos e a falência.

 

edificio_eisner

Eisner, em pouco mais de 80 páginas bem aproveitadas, consegue mostrar o quanto que tem a dizer. Ele discorre com autoridade por temas espinhosos como imigração, obsessão, corrupção, traição e vários outros “ãos” que todos querem longe. O conjunto da obra é semi-depressivo, com as vidas dos personagens caindo como folhas no outono, acompanhando o destino do edifício, rumo a destruição e ruína.

Para quem conhece a arte monocromática de Eisner, não existem surpresas. Como ponto forte estão as expressões em seus personagens, e a falta de uma verdadeira divisão das páginas em quadrinhos em si, fazendo os olhos do leitor passearem livre nas páginas, sem nunca se perderem.

Bom, mas se tem uma coisa que essa obra despertou em mim, é a vontade de ler mais coisas de Eisner. Creio que jamais o cultuarei como ocorre com as figuras quase míticas de Alan Moore e Grant Morrison, mas, com certeza ele é vital para entendermos o porquê do nível dos quadrinhos ter se elevado tanto. Faça como Eu, se não leu a obra de Eisner, livre-se desse pecado o quanto antes.

 

Autor: Will Eisner

Páginas: 80

Lançamento: 1987

 

Nota: 8,5

5 Comentaram...

Unknown disse...

horraaa !! deu vontade de ler agora, encontrei por R$10, nunca li nada do Eisner mais se tiver o mesmo ritmo de Moore concerteza vale a pena !!

Anônimo disse...

Não acredito que existem tantas pessoas que ainda não leram a obra do Eisner! Eu já li quase tudo, cara. E, até agora, não encontrei sequer um ruim.

Jenny Taylor disse...

Não vou dizer que foi a primeira vez que eu chorei lendo um gibi, por que na verdade foi lendo Dreadstar.

Nem foi a que eu MAIS chorei, por que aí foi lendo A História de Sam do Loeb, que eu até hoje não consegui ler até o final.

Mas o Edifício me marcou muito. E eu levei tempo pra ler...e li por acaso, tava barato no Esconderijo (sebão do vale do Anhangabaú..rs) e acabei levando.

Anônimo disse...

Eu tenhu esse ai, faz parte da coleção Graphic Novel que a Editora Abril lançou em 1989, todos excelentes como Rocketeer, Void Indigo, A Bandeira do Corvo, entre outros.

Douglas disse...

É bem exagerado dizer que a obra do Eisner (talvez) não sobreviverá ao tempo, não?
Ela certamente não estará sempre na memória do grande público - mais interessado na novidade do que na qualidade, e geralmente em busca de uma leitura que implique num esforço mental mínimo -, mas tenho a impressão de que Eisner não concebeu sua obra pensando nele, de qualquer maneira. Dentre as pessoas que gostam de quadrinhos autorais, esse tipo de narrativa "lenta", com temas do cotidiano, não representa problema algum. Autores como Harvey Pekar, Crumb, Daniel Clowes, Peter Bagge e os irmãos Hernandez também trabalham/trabalharam brilhantemente com esse elemento.
Quem sempre teve "Star Wars" como parâmetro de ficção científica pode ter dificuldades para se acostumar com o ritmo de "2001: Uma Odisséia no Espaço", mas isso OBVIAMENTE não significa que a obra de Kubrick não sobreviverá ao tempo.

De resto, ficou muito legal o texto. E não resista à tentação de ler Eisner! Eu nunca me arrependi por ter dedicado algum tempo a isso.

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