Por Paulo Roberto, do Em Paralello
Me recordo de uma situação no colégio em que minha professora de sociologia corrigia as provas na sala de aula. Como a prova era pequena e na época a referida matéria não era tida como muito importante, lá estávamos na sala de aula após fazer a prova esperando a nota que seria dada pela professora.
Uma das questões apresentadas no certame era a seguinte: “O que você entende por Estratificação Social?” Um colega de classe que não sabia responder a questão resolveu dar uma sacaneada, e deu a seguinte resposta na prova: “Estratificação Social foi o fenômeno descoberto por Isaac Newton no momento em que ele viu uma maçã cair da árvore”.
Não, Estratificação Social não tem a ver com Isaac Newton. Resumidamente Estratificação Social é a diferença de hierarquia existente entre os indivíduos ou grupos segundo suas posições, estamentos (pelo prestígio que a pessoa possui na sociedade) ou classes (de acordo com o poder aquisitivo).[1] Desde primórdios da civilização, o conceito de Estratificação Social já existia, porém a possibilidade de Mobilidade Social só veio a ocorrer com o advento do capitalismo, tendo como momento mais importante a Revolução Industrial. A Mobilidade Social por sua vez é a capacidade do indivíduo de ascender ou descender de posição social dentro de um grupo ou de status sociais.
Assim como o surgimento do Capitalismo trouxe a possibilidade de mudança na camada social, também trouxe consigo um fenômeno que é muito comum em nosso país: A Desigualdade Social. Embora a discrepância social no Brasil ainda seja latente, podemos perceber que ao longo dos anos a situação dos brasileiros tem mudado. Os ricos, é claro, tem aumentado sua fortuna, mas os pobres tem tido cada vez mais oportunidades de ascender socialmente, e saírem de seu estado de pobreza. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, de 2003 a 2009, quase 7 milhões de brasileiros romperam a fronteira da alta renda aumentando para 20 milhões de pessoas. Por outro prisma, no mesmo período 30 milhões de pessoas que amargavam a classe D e E alçaram a classe C e as projeções para o futuro é de que esse número aumente em até 50%.[2]
As empresas, de olho no mercado brasileiro tem procurado investir cada vez mais nessa nova gama de consumidores. A exemplo disso temos o mercado de games. Durante a Game World ocorrida em março deste ano podemos observar o otimismo dos representantes das maiores empresas de games do mundo. Anderson Gracias, chefe da divisão de PlaysStation da Sony Brasil informou em sua entrevista que a empresa possui para este ano grandes planos comerciais em torno dos acessórios e jogos para PS3 passando pela redução do IPI e é claro o lançamento do Jogo “Infamous 2” totalmente em português. Para os “nintendistas” de plantão, Bill Van Zyll, gerente geral da Nitendo na América Latina em seu discurso pareceu bastante animado com as projeções futuras: “Estamos reforçando nossa equipe no Brasil através de nossa distribuidora, trabalhando mais perto deles para nos aproximarmos também dos revendedores e fortalecer nossa presença no geral”.[3]
Fato é que o brasileiro como um todo tem mudado, não só economicamente, mas culturalmente. Hoje as pessoas preferem investir mais nas suas carreiras em vez de terem filhos cedo. Muitos de nós quando éramos pequenos presenciamos a cena em que nossos pais saiam para trabalhar todos os dias enquanto nossas mães ficavam cuidando de nós e da casa, atualmente esse cenário mudou. Ambos os cônjuges trabalham, provando que esse conceito familiar pretérito beira a extinção. Tal fato contribui para o crescimento da renda da família, pois o casal que se capacita cada vez mais profissionalmente tende a ter um acúmulo maior de riqueza.
É claro que esse crescimento gera uma consequência. Com a economia aquecida, pessoas ascendendo socialmente, o volume de crédito tende a aumentar, ou seja, se o volume de crédito aumenta, se a renda aumenta as pessoas compram mais. Resumindo: hoje o brasileiro está endividado justamente por seu consumismo irrresponsável.
Não é necessário ir muito longe para constatar isso. Você vai a uma concessionária com o intuito de comprar o seu carro zero, sem dúvida o vendedor vai tentar te empurrar um plano em que você poderá realizar o seu sonho em “tranqüilas” 72 parcelas. O grande problema é que ele não te explica que ao final das 72 prestações você terá pago dois ou até mesmo três carros zero iguaiszinhos ao seu.
Esse exemplo mostra que embora o brasileiro tenha tido uma majoração em seu poder aquisitivo, muitas das vezes acaba não conseguindo arcar com as parcelas em virtude da falta de planejamento ou até mesmo pagando o triplo do valor do bem simplesmente por ignorar o valor da taxa de juros. Em uma pesquisa recente, foi constatado que dois em cada três entrevistados ignoram o valor da taxa de juros de seus financiamentos. O pior é que 60% disseram que vão fazer mais empréstimos até o fim do ano. Mais isso não é o maior absurdo disso tudo, eles afirmam ainda que o importante no momento da compra não é o valor dos juros em si ou o valor final do produto, mas sim o quanto irão pagar mensalmente em suas parcelas.[4]
O Banco Central, por sua vez, tenta frear esse consumismo desenfreado elevando a taxa de juros, mas o brasileiro não se importa com isso, pois embora no preço total o valor seja mais elevado, ao longo das parcelas o aumento é ínfimo.
Assim como meu amigo sequelado não sabia o significado de Estratificação Social, o povo brasileiro, embora veja, ainda não se deu conta da grande e rápida mudança que vem vivendo de alguns anos para cá. Lá na Revolução Industrial, que ao mesmo tempo trouxe a possibilidade do indivíduo ascender socialmente ao mesmo tempo gerou uma desigualdade social absurda onde pessoas passaram fome, não tinham onde morar superlotando as grandes cidades e esvaziando o campo. Portanto, nós precisamos tomar consciência disso e nos planejar, angariar informações na hora da compra, barganhar um desconto no caso de compra a vista e assim por diante.
Não sei onde isso pode parar. Como eu disse as previsões para o futuro são promissoras, mas como dizia um professor meu a época em que eu estudava Administração de Empresas: “Para você ter uma empresa de sucesso você precisa ter planejamento”. Não é isso que tenho visto, não só do povo brasileiro em si, mas dos gestores governamentais. Posso estar prevendo um futuro apocalíptico demais, mas se as pessoas não aprenderem a consumir de forma consciente, a poupar para eventuais emergências não estaremos tão longe assim de países como EUA ou a Europa que neste momento passam por uma crise financeira justamente por se acharem inatingíveis.
Referências Bibliográficas:
[1] Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Estratifica%C3%A7%C3%A3o_social
[2] PADUAN, ROBERTA. Classes A e B, o mercado que mais cresce. Revista Exame, Edição 995, Nº 12, p.40, junho, 2011.
[3] Kotaku - http://www.kotaku.com.br/conteudo/sony-microsoft-nintendo-e-a-hora-do-brasil-no-mercado-de-games/
[4] MOSCHELLA, ALEXANDRE E SALOMÃO, ALEXA. Um país que rasga dinheiro. Revista Exame, Edição 997, Nº 14, p.42 e 43, agosto, 2011.
5 Comentaram...
A discussão acerca do consumismo é riquíssima e o brasileiro tem se tornado um ávido consumidor, mas falar de estratificação social se referindo a classes C e D e usando consoles de video game deixam o argumento do texto bem esvaziado. Primeiro por que crédito (pelo menos o tipo de crédito citado no texto) alimenta a economia interna e isso mantém boa parte da estabilidade econômica que temos na economia do país (até agora), mas a política governamental tem sido exatamente essa. A de incentivar compras de bens de consumo para manter a circulação de dinheiro e manter a liquidez dos bancos. Lógico que video games não entram nessa parte porque o Brasil ainda é mercado em estado embrionário desses produtos. E isso de fato é uma faca de dois gumes como foi muito bem dito ao fim do texto não temos como prever o que vai acontecer daqui a 5 ou 10 anos, mas a realidade brasileira já é muito mais complexa do que classes A,B, C e D. As regiões do país são muito díspares e a minha opinião é de que vermos a sociedade como uma pirâmide de andares separados é muito simples pra ser levada a sério.
E, ou eu ando as notícias erradas, mas eu não lembro do Banco Central estar freando o consumo como você diz.
E lógico, eu posso estar totalmente errado...
Bom, vamos lá! Eu não acredito que a desigualdade social tenha surgido com o capitalismo, ela já existia muito antes e era pior porque a pessoa nem podia ascender socialmente, como vc mesmo disse. Acredito que o que se percebeu, na verdade, foi uma segmentação baseada em outros fatores que não o de "direito por nascimento".
Um outro ponto que você tocou no seu texto, o aumento do poder aquisitivo do brasileiro e seu suposto "endividamento negligente", se não me engano o brasileiro tem honrado cada vez mais os pagamentos das suas dívidas e o aumento de compras a prazo é somente um reflexo do aumento da confiança na estabilidade da economia do país e, por consequência, em não ficar desempregado. E, para esclarecer, o comentário do Michel Ribeiro, se aumenta o crédito, aumentam as compras, o que alimenta e faz girar a economia. E a primeira coisa que o BC faz, qdo isso acontece, é tentar frear tudo com aumento de juros e outras medidas, se deixar crescer desenfreadamente, gera colapso econômico. Não é só agora que eles estão fazendo isso, eles sempre fizeram assim.
O que leva à outra parte do texto e do comentário do Michel, que seria o investimento das empresas de Games, isso não me espanta em nada! Na verdade, vejo isso até como algo bem conservador. O Brasil JÁ é o terceiro maior mercado de consumo de games no mundo, só ficando atrás de EUA e China. Eles investirem aqui me parece só um reflexo natural, sem muitos riscos até.
Enfim, voltando pro texto, a estratificação social nunca vai deixar de existir, o sistema que vivemos depende disso pra crescer e não acho ruim nem nada. Você lutar para passar de uma classe para outra é como conseguir um achievement! Sem contar que isso incentiva todo mundo a trabalhar mais e ajudar a economia crescer.
@Michel Ribeiro
A análise das desigualdades sociais é algo extremamente complexo de se estudar. Isso se dá em virtude da diversidade de fatores existentes em nossa sociedade e que é inerente ao ser humano em si. Contudo, a divisão por classes tem sido, embora não perfeito uma forma de medir a evolução de uma sociedade como um todo e tem se mostrado extremamente válido. Realmente em nosso país isso se torna mais complicado ainda em virtude de nossas dimensões, pois a realidade de uma pessoa situada na Região Sudeste é bem diferente de uma pessoa que reside no Norte, por exemplo. Portanto concordo plenamente com você.
No tocante ao Banco Central partilho do mesmo entendimento da Vanessa deixo aqui uma notícia que saiu no R7, sobre o quarto aumento da taxa de juros feito pelo Banco Central este ano visando frear o consumo http://migre.me/5xMXp.
@Vanessa
No tocante ao surgimento do capitalismo em si concordo plenamente com você. Só acho que ele só tomou forma em si a partir do surgimento do mesmo, mas realmente essa “desigualdade” já existia há tempos!
No que se refere ao “brasileiro estar honrando com seus pagamentos” não partilho do mesmo entendimento. Segundo a CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas), a inadimplência do brasileiro aumentou 4,25% no primeiro semestre desse ano em relação ao ano passado (Link: http://migre.me/5xN7S). Portanto, embora meu foco no texto não tenha sido a inadimplência em si, mas sim a forma impensada como o brasileiro vem consumindo acho que uma parcela da população brasileira não tem conseguido arcar integralmente com o pagamento de suas dívidas.
Ascensão social é a maior ilusão que o capitalismo já criou. Triste ver que tem tanta gente que ainda cai nessa história. Certamente pessoas que nunca precisaram sofrer para não passar fome sem chegar a lugar nenhum, o que acontece com a maioria das pessoas do sistema capitalista.
Gosto muito do seus textos. Estou com 36 anos e olhando para trás vejo como o Brasil mudou.
Posso dar um exemplo disso: O Baú da Felicidade.Nos anos 70 e 80, adquirir eletrodomésticos não era para qualquer um. As classes mais baixas viam na chance de serem sorteados pelo Sr. Silvio Santos e adquirir uma geladeira e um fogão.
Hoje, o pessoal vai nas Casas Bahianas e parcela em 72x sendo que no final vai ter pago a cozinha inteira....
Pior ainda quando vc vai para o exterior e vê aquele console que custa aqui R$ 1000,00 e vc paga lá a metade do valor.
Nosso consumo ainda é muito restringido. Nossa carga tributária é imensa e não temos nenhuma contra prestação.
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