“As pessoas se vingam dos favores que lhes prestamos.”
“A raça mão passa dessa grande corja de fodidos de minha espécie, catarrentos, pulguentos, espezinhados, que vieram parar aqui perseguidos pela fome, pela peste, pelas doenças e pelo frio, os vencidos dos quatro cantos do mundo. Não podiam ir mais longe por causa do mar. A França é isso e os franceses são isso.”
Quentin Tarantino e Cães de Aluguel. Stephen King e Carrie, a Estranha. Katsuhiro Otomo e Akira. Estou citando todos esses artistas porque eles conseguiram um feito raro: alcançaram a consagração logo em suas estréias. O francês Louis Ferdinand Céline, que segundo entrevistas, nem mesmo se considerava um bom escritor, foi ainda mais longe. Seu primeiro livro é a sua maior obra-prima e marca o início de nova literatura. Com A Viagem ao Fim da Noite, Céline não só entraria na alta literatura como se fosse a sua própria casa, como ainda chutaria a sua porta.
Mas a aceitação de Céline nunca foi completa. Em 1932, ano em que Viagem ao Fim da Noite foi publicado, Marcel Proust era o grande nome da literatura francesa. Só fazia cinco anos que o último volume de Em Busca do Tempo Perdido fora publicado. Nesse cenário, o Viagem teve o impacto de uma bomba. O que Em Busca do Tempo Perdido era em harmonia e delicadeza, Viagem ao Fim da Noite era em crueza, violência e palavrões. Tal como Proust, Céline pretendia renovar a literatura francesa. Para isso, buscou captar a sonoridade da linguagem oral, do povo, com todos os seus erros e vícios de linguagem, gírias, palavras que não se ligam e um certo descaso com a pontuação.
Graças a essa preocupação, Céline se tornou capaz de atrair leitores que Proust e Victor Hugo nunca interessariam. Em poucos meses, Viagem mereceu nada mais nada menos que cem artigos entusiasmados ou revoltados e em um ano já havia vendido quase cem mil exemplares, sem contar as traduções para o inglês, o holandês, o tcheco e o russo que viriam logo a seguir. A edição soviética se tornara o livro de cabeceira de Joseph Stálin e um dos preferidos de Lev Trotski.
“A melhor coisa a fazer, quando estamos neste mundo, é sair dele.”
“Aos vinte anos eu já não tinha mais nada a não ser passado.”
O romance e Céline ainda abriram espaço para outros escritores incrivelmente talentosos. Henry Miller reescreveu todo o Trópico de Câncer após ler o Viagem já nas provas tipográficas. Charles Bukowski diria em um conto que Céline era o maior escritor da história e que livro Viagem ao Fim da Noite foi o melhor livro escrito dos últimos dois mil anos. Além disso, ele o transformaria em personagem de Pulp, seu último romance. Jack Kerouac, William Burroughs, Kurt Vonnegut, Philip Roth e Milan Kundera também deveriam muito a ele em suas obras. Sua influência é tão grande que apenas dois escritores do século XX inteiros podem ser comparados a ele, Marcel Proust e James Joyce.
Clássico instantâneo e tendo perdido por muito pouco o Goncourt, o prêmio literário mais importante da França, Viagem ao Fim da Noite não é, de maneira alguma, um romance para todos. Se você gosta de histórias com finais felizes ou aventura, é melhor procurar outro livro. Pra começar a obra-prima de Céline não é um romance comum. Invés de uma história com início, meio e fim, ela apresenta as desventuras de Bardamu e suas observações cínicas. Ler Viagem é mergulhar num poço profundo de degradação e sofrimento, permeando todo o sofrimento e a fragilidade da vida humana. É um soco no estômago para os fracos, com todas as podridões humanas que dificilmente estamos habituados a ver, ouvir ou ler. As que sabemos que existem, mas evitamos pensar porque nos provoca desconforto. É uma viagem pelo horror da vida e pela exaustão que ela provoca, e não pela revolta. Para sentir revolta é preciso ter esperança de que é possível mudar a sociedade em que se vive. Aqui não há um pingo de esperança, apenas pessimismo. Como o próprio título já indica, Céline nos leva até o fim da noite, sem ocultar nada e poupar ninguém, nem a si mesmo.
Mas Viagem é livro vigoroso, daqueles que nos seguram com força, nos prende, gostando ou não. E impossível parar de lê-lo depois que se começa. Também não é daqueles livros que se após duas semanas ninguém mais lembra do enredo. Viagem ao Fim da Noite é como grandes livros como 1984, Moby Dick e A Metamorfose. Ele nos marca para sempre. É impossível lê-lo e seguir sendo nós mesmos.
Para entender melhor a atmosfera e da visão cada vez mais pessimista do autor a cada página é preciso, antes de entrar nos méritos do livro, é preciso falar da vida do próprio Céline. Porque assim como Bukowski, Kerouac e tantos outros, muito da sua obra veio das suas próprias experiências pessoais. Porque ele mesmo trilhou os passos de Bardamu. Filho de uma família de pequenos comerciantes, fazia o serviço militar em 1914 quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Vivenciando o horror de combate que só na França deixou mais de um milhão e meio de mortos, foi ferido gravemente no braço direito e transferido para Paris. Mesmo tendo passado poucas semanas no front, elas foram traumáticas, deixando-lhes sequelas para o resto dos seus dias: a insônia, a eterna enxaqueca e os distúrbios auditivos causados por explosões de granadas. Após isso, já médico e funcionário internacional da Sociedade das Nações, ainda testemunharia a colonização da África, a exploração capitalista nos Estados Unidos e a miséria da periferia urbana. De todos esses eventos surgiria Viagem ao Fim da Noite, um relato semi-autobiográfico destes tempos, e seu anti-herói e narrador, Ferdinand Bardamu.
“A guerra em suma era tudo aquilo que a gente não compreendia.”
“Quem poderia prever antes de entrar realmente na guerra tudo o que continha a escabrosa alma heróica e vagabunda dos homens? Agora eu estava envolvido nessa fuga em massa rumo ao assassinato em comum, rumo ao fogo... Isso vinha das profundezas e havia chegado.”
Bardamu é um estudante de medicina parisiense, de família humilde e antipatriota que se alista no exército como voluntário. Enviado ao campo de batalha, ele passa a testemunhar a carnificina mecanizada, onde milhões de pessoas tentam assassinar uns aos outros e até os cavalos morrem de forma mais digna que os seres humanos. Cidades inteiras são queimadas como fogos de artifício e os soldados precisam combater a própria fome e o medo, além do próprio exército adversário. Quando até o dia de amanhã parece absurdamente distante, uma dúvida imensa. Pode-se já estar morto quando cair à noite.
"Tratava-se no fundo para todos nós de viver uma hora a mais, e uma só hora num mundo em que tudo se reduziu ao homicídio já é um fenômeno"
“Nosso coronel, a gente tem que dizer as coisas como elas são, demonstrava uma bravura assombrosa! Passeava em plena estrada, e depois ia para lá e para cá entre as trajetórias das balas, com tanta tranqüilidade como se estivesse esperando um amigo na plataforma de uma estação de trem, só que um pouco impaciente[...] Esse coronel, portanto, era um monstro! Agora, eu tinha absoluta certeza, pior do que um cachorro, ele não imaginava a própria morte! Pensei ao mesmo tempo que devia ter muitos feito ele no nosso exército, valorosos, e também provavelmente outros tantos no exército à nossa frente. Quem sabia quantos? Um, dois, talvez no total vários milhões? E a partir daí meu cagaço virou pânico. Com criaturas semelhantes, aquela imbecilidade infernal podia continuar por toda a vida... Para que parariam? Nunca eu sentira mais implacável a sentença dos homens e das coisas.
Seria eu portanto o único covarde nesta terra? Pensava. E com que pavor!... Perdido entre dois milhões de doidos heróicos e enfurecidos e armados até a raiz dos cabelos!”
Esqueça muito do que você já leu de anti-heróis. Poucos conseguiram ser tão perversos e covardes, ridículos e mentirosos, aproveitadores e sacanas, e mesmo assim conquistar a simpatia do leitor tão facilmente quanto Bardamu. Boa parte disso vem do fato dele não ser um poço irrecuperável de defeitos como outros anti-heróis. Por vezes ele se mostra piedoso e nobre, até gentil, capaz de trabalhar de graça quando as pessoas são pobres demais para poder lhe pagar, mesmo passando fome ou dando calote no aluguel por causa disso. Ele é tão complexo quanto um ser humano, capaz de fazer tanto mal quanto o bem, de cometer erros e sentir remorso como qualquer um.
Bardamu não passa de um produto de seu mundo e época. Além da guerra, testemunha a exploração do povo africano e dos franceses que vão trabalhar nas colônias e perdem, pouco a pouco, toda a conexão que possuem com o resto do mundo. Fracos e doentes, tornam-se meros assombrações enquanto vivos. Depois disso, ainda é seduzido pelos Estados Unidos das oportunidades e da beleza e não perde a primeira oportunidade de ir para lá. Tudo para ter sua vida sugada diariamente pela máquina de exploração capitalista das fábricas e pela rotina esmagadora. Não demora muito para julgar que era melhor estar levando tiros na guerra, do que na América. Em certa noite, mesmo exausto, Bardamu não conseguir dormir por lembrar do esforço sobre-humano que precisará fazer para continuar seguindo em frente, tentando melhorar de vida, sempre em vão. Era de sonhos e mais nada que a humanidade precisa para continuar. Os de Bardamu, ele nos confidencia, eram os pornográficos.
“É triste as pessoas se deitando, a gente percebe muito bem que não ligam a mínima se as coisas não andam como gostariam, a gente vê muito que eles não tentam compreender o porquê de estarmos aqui. Para eles tantos faz como tanto fez. Dormem de qualquer jeito, são umas descaradas, umas bestas quadradas, umas insensíveis, americanas ou não. Sempre têm a consciência tranqüila.”
“Eu ainda não havia aprendido que existem duas humanidades muito diferentes, a dos ricos e a dos pobres. Precisei, como tantos outros, de vinte anos e da guerra para aprender a me manter na minha categoria, para perguntar o preço das coisas e dos seres antes de tocá-los, e especial antes de desejá-los.”
Dentre todos os medos que acompanham a humanidade desde os seus primórdios nenhum é mais universal que o medo da morte. É o assunto evitado até nas reuniões familiares, temido até por quem crer na vida após a morte. Tratada sempre como uma fatalidade, mesmo sendo uma das fases da vida. Apesar disso, sempre estamos em contato com o tema. Segundo pesquisas, até os onze anos já presenciamos mais de dez mil mortes na televisão, internet, livros e quadrinhos. O medo da morte ganha ares de verdadeira fobia em Viagem ao Fim da Noite. A Morte parece se esconder atrás de cada esquina, cada porta. As pessoas ao redor de Bardamu sempre parecem só aguardar a melhor ocasião de assassiná-lo, de subir em cima em das suas costas, por mais ajuda que ele ofereça. A única forma de sobreviver parece ser fortalecendo seu próprio egoísmo.
“É dos homens e só deles que se deve ter medo, sempre.”
"Viver na austeridade, que maluquice! A vida é uma sala de aula cujo bedel é o tédio, que aliás está ali o tempo todo a nos espiar, temos que dar a impressão de quem está fazendo, custe o que custar, algo apaixonante, senão ele chega e lhe devora o cérebro.”
Depois de absorvido por inúmeros escritores o “escrever como se fala” de Céline perdeu muito do impacto que provocava nos leitores da época do seu lançamento. Mas continua a ser incrível como após quase oitenta anos ele continua a ser o melhor escritor a utilizar a técnica. Bardamu relata a sua vida com a naturalidade de quem conta um caso a uma roda de conhecidos, como tantas vezes faz em seu livro. A maior prova disso é a facilidade com que ele nos faz penetrar num mundo digno de pesadelo e a ainda nos fazer rir com seu senso de humor auto-irônico e ferino. Mas seu humor não funciona como a de outros livros. É muito mais como o humor mordaz de Kurt Vonnegut. Ele nos faz rir em auto-defesa, para não chorarmos ou cairmos em desespero.
“Eu tinha visto coisas demais para estar feliz. Eu sabia demais e não sabia o suficiente. [...] O que é pior é que a gente fica pensando como que no dia seguinte vai encontrar força suficiente para continuar a fazer o que fizemos na véspera e já há tanto tempo, onde é que encontramos força para essas providências imbecis, esses mil projetos que não levam a nada, essas tentativas para sair da opressiva necessidade, tentativas que sempre abortam, e todas elas para que a gente se convença uma vez mais que o destino é invencível, que é preciso cair bem embaixo da muralha toda a noite, com a angústia desse dia seguinte, sempre mais precário, mais sórdido.
É a idade também que está chegando talvez, a traidora, e nos ameaça com o pior. Já não temos muita música dentro de nós para fazer a vida dançar, é isso. Toda a juventude já foi morrer no fim do mundo no silêncio de verdade. E aonde ir lá fora, pergunto a vocês, quando não temos mais em nós a soma suficiente de delírio? A verdade é uma agonia que não acaba. A verdade deste mundo é a morte. É preciso escolher, morrer ou mentir. Eu, eu nunca pude me matar.”
Entretanto, o estilo coloquial pode fazer com que muitos leitores subestimem o talento transbordante de Céline. Não se deixe enganar. Por trás dos palavrões e de toda a putaria escondem-se construções verbais e imagens poéticas dignas da mais alta literatura, nos momentos mais. Principalmente nos momentos em que Bardamu demonstra toda a sua sensibilidade e até estupefação com a loucura que é obrigado a presenciar todos os dias. Como não sentir pesar pela morte do único paciente que Bardamu, já médico diplomado, realmente quis salvar? Ou como não se emocionar com o seu espanto ingênuo ao encontrar pela primeira vez na vida uma pessoa boa de verdade? Perante a isso as suas descrições cheias de ternura ou violência dos lugares e fatos que costumamos desviar o olhar ganham muito mais força.
“No grande abandono indolente que cerca a cidade, ali onde a mentira de seu luxo vem supurar e findar a podridão, a cidade mostra, a quem quer vê-la, seu grande cu, em latas de lixo. Há fábricas que evitamos ao passar, que cheiram a todos os odores, alguns inacreditáveis, e onde o Arão redor se recusa a feder mais. Bem pertinho, mofa o pequeno parque de diversões, seus cavalos de pau desbotado são caros demais para os que os desejam, freqüentemente durante semanas, fedelhinhos raquíticos, atraídos, rechaçados e subjugados ao mesmo tempo, com todos os dedos no nariz, por seu abandono, pela pobreza e pela música.”
“Eu estava triste, tristeza da verdadeira, por uma vez na vida, por mim, por ela, por todos os homens.
É talvez isso que a gente procura pela vida afora, só isso, a maior tristeza possível para nos tornarmos nós mesmos antes de morrer.”
Apenas um personagem em todo o livro chega a eclipsar o próprio Bardamu. Robinson, o companheiro mais recorrente do protagonista, que aparece por coincidência em todos lugares que viaja, é ainda mais cínico. Se Bardamu tem pouquíssima fé nos homens, Robinson não tem nenhuma e está pouco se importando com isso. Robinson é puro egoísmo, fazendo de tudo para conseguir sobreviver independente do que acontecer com os próximos, os quais sempre despreza. Não lhe interessa se as pessoas lhe demonstram afeto ou preocupação com ele. O seu bem-estar é o que conta. Nada mais.
Céline sabia como poucos a força que as palavras têm sobre os homens e o mundo. Talvez por isso ele tenha escrito Viagem ao Fim da Noite, o romance que considerava o seu único perverso, da forma como o escreveu. Porque pelas palavras ele poderia tentar amenizar toda a dor que sentia. Buscar compreender toda a insanidade do gigantesco hospício que é o mundo. Um mundo em que os pobres são tratados como lixo, onde padres vendem seus semelhantes por trocados e senhores idosos planejam a morte da própria mãe para diminuir suas despesas. Céline não poderia estar mais certo. Após o lançamento de Viagem sua vida nunca mais seria a mesma. Seria considerado por muitos como o melhor escritor da França e, por alguns, endeusado como um verdadeiro herói, a representação dos sonhos dos sonhos fraquezas de toda uma nação.
“Palavras, há umas escondidas entre as outras, como pedrinhas. Não as reconhecemos especialmente, e depois elas no entanto fazem com que estremeça a toda a vida que você possui, e inteirinha, no seu fraco e no seu forte. Então é o pânico... Uma avalanche... A gente fica ali igual a um enforcado, acima das emoções... Foi uma tempestade que chegou, que passou, forte demais para você, tão violenta que jamais acreditaríamos que ela pudesse existir só com os sentimentos... Portanto, nunca desconfiamos o bastante das palavras, é minha opinião.”
Chega a ser uma pena que mesmo sendo tão talentoso que nem os seus piores críticos conseguiam negar isso Céline seja apenas um nome desconhecido para muitas pessoas e sua obra esteja cada vez mais ostracizada. Hoje em dia ele nem mesmo é considerado um dos grandes nomes da literatura francesa. E tudo isso por causa das escolhas erradas que fez em vida, como tantos homens. As mesmas palavras que o levaram fama trouxeram-lhe obscuridade e execração. Seu primeiro erro foi em 1937, quando iniciou uma campanha a favor do anti-semitismo e do racismo, onde denunciava uma conspiração judaica internacional que pretendia uma nova guerra com as mesmas proporções da Primeira Grande Guerra.
Mas o que custou sua carreira, fama e quase a sua vida foi o apoio que deu ao governo de Vichy, instaurado pelo governo alemão, justamente quando a França se encontrava mais fragilizada: durante a ocupação dos nazistas. Um país humilhado teria que ver um dos seus maiores ídolos frequentando recepções de Otto Abetz, embaixador do terceiro Reich e escrevendo aos jornais pró-nazistas cerca de trinta cartas e onze entrevistas aprovando entusiasmado à Solução Final. O problema não era o apoio de Céline aos nazistas. O que ficou entalado na garganta dos franceses é que eles mesmos tomaram a mesma decisão que ele. Eles também tinham se rendido ao jugo e ao anti-semitismo. Com o fim da guerra, Céline se viu como um bode expiatório, o grande traidor, alguém que deveria ser eliminado.
Em 17 de junho de 1944, onze dias depois do Dia D, Céline foge para a Dinamarca com a segunda esposa ao saber-se condenado à morte pela Resistência. Lá passou seis duros anos. Livre da extradição, mas ainda penou um ano e meio numa prisão em Copenhague. Nesse meio tempo, escreveu mais de mil cartas a vários amigos, mostrando-se cada vez mais perturbado mentalmente, com mania de perseguição e obsessão por dinheiro.
"Nunca estamos muito pesarosos que um adulto se vá, é sempre um pulha a menos na face da terra, é o que pensamos, ao passo que uma criança é, afinal, mais incerto. Há o futuro."
"Indiscutivelmente haveria que fechar o mundo por duas ou três gerações pelo menos se não existissem mais mentiras para contar. Não teríamos mais nada a nos dizer, ou quase."
Por falta de recursos e obrigado a morar de favor, tentou ser reeditado várias vezes em outros países e propôs inúmeras peças de teatro, roteiros de cinema e até balés a produtores americanos. Tentou asilo nos Estados Unidos, na Groelândia e na Suíça. Tudo em vão.
Em 1950, sua situação só pioraria. Condenado a um ano de prisão, ao confisco da metade de seus parcos bens presentes e futuros e ao estado de indignidade nacional, Céline faleceria como tantos outros escritores polêmicos: na miséria, doente e esquecido. Morreu em julho de 1961, de congestão cerebral, aos 67 anos. Menos de trinta pessoas acompanharam seu funeral.
Seus erros só nos fazem lembrar que mesmo os grandes gênios são imperfeitos. Gabriel Garcia Marquez e Jorge Luiz Borges também apoiaram regimes totalitários. H. P. Lovecraft era um racista convicto, crente na superioridade ariana. José de Alencar defendia que os negros deveriam permanecer cativos dos brancos. Mas nenhum desses fatos diminui a genialidade deles e o valor das suas obras. Por isso, nunca perca a oportunidade de entrar na Viagem que foi a maior obra-prima de um dos maiores escritores de todos os tempos.
Autor: Louis Ferdinand Céline
Páginas: 531
Preço: R$ 31,00
Nota: 10
4 Comentaram...
Parabens pelo texto, teve bastante folego e deu um bom espaço para os trechos do livro. ;)
Cara ÓTIMO texto. Eu às vezes me canso de ver gente pedante e chata, metida mesmo, falando sobre literatura. Fico bem feliz quando entro aqui e vejo que nós, nerds, somos capazes de falar de cultura dessa maneira tão despretensiosa mas ao mesmo tempo informativa. Parabéns mesmo.
Como você disse, Céline era, sob muitos aspectos, um canalha, mas gosto muito mais dos escritores canalhas (Henry Miller é meu "santo padroeiro") do que dos "mocinhos", pois a natureza humana é contraditória e esse tipo de artista não esconde nada de si mesmo.
Excelente essa resenha de "Viagem ao Fim da Noite". É o tipico clássico da literatura francesa. Coloco-o ao lado de "A Náusea" de Sartre e "Todos os Homens São Mortais" de Simone de Beauvoir.
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