segunda-feira, 18 de julho de 2011

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Versos Perdidos

[Nota da autora: Semana que vem não haverá publicação, afinal sou um ser humano, vou tirar uns dias de férias, até agosto]

Por Kallyandra

 

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Tem dias que amanhecemos tristes e vazios, com a alma dilacerada, porque não conseguimos comprar uma televisão enorme, um carro último tipo, celular e notebook top de linha, pois nossa felicidade está intimamente ligada ao consumismo e, ao mesmo tempo, queremos desafiar nossos limites, quebrar as regras impostas pelas tradições existentes, queremos colocar a marca da nossa geração na história, pois há “uma necessidade de uma geração mais jovem de se rebelar contra os mais velhos” (Burke, 2003, p.78). Insurgir-se é uma necessidade do homem, da humanidade per si em que ao mesmo tempo quer mudar a sociedade também deseja preservar o que lhe diferencie perante outras sociedades.

A cultura é uma manifestação popular (ou não), ela também muda, se adapta as mudanças, representando os questionamentos sociais dos homens simples, aqueles que não têm representatividade histórica, através de suas ações e manifestações tão ligadas ao seu cotidiano que nem percebe que faz parte da construção de sua sociedade.

Estou procurando resgatar o pobre, descalço, o agricultor ultrapassado, o tecelão do tear manual ‘obsoleto’, o artesão utopista e até os seguidores enganados de Joanna Southcott, da enorme condescendência da posteridade. Suas habilidades e tradições podem ter-se tornado moribundas. Sua hostilidade ao novo industrialismo pode ter-se tornado retrógada. Seus ideais comunitários podem ter-se tornado fantasias. Suas conspirações podem ter-se tornado imprudentes. Mas eles viveram nesses períodos de extrema perturbação social e nós, não. (Thompson apud Sharpe , 1992, p. 41-42)

Os homens que questionam os padrões tornaram-se os loucos de seu tempo, os artistas (inclusive os artistas esporádicos e anônimos), os revolucionários de sua época e o “afastamento significativo das regras, ou casos contrários de crescente formalização ou rigidez das regras, podem estar frequentemente relacionados com períodos de mudanças ou de crise nesse relacionamento geral” (Williams, 2008, p.57). Ou seja, a própria tentativa de padronizar a cultura e a sociedade faz com que elas transformem-se em algo diferente, eis o motivo pelo qual as gerações se rebelam contra o que lhes é imposto.

O ato de opor-se não significa que será de maneira brutal ou de revoluções sangrentas. Os atos de contradição podem estar em penteados, roupas, tatuagens, no modo de agir e pensar. O indivíduo pode começar a ser completamente louco[i], e por isso contrapõe-se ao sistema cultural vigente; eles desafiam, se rebelam, não aceitam ordens e nem imposições sociais, os loucos lutam, reagem e são amados por uns e odiados por muitos, mas eles estão em constante mudança e desejam que o mundo também mude.

Percebemos algumas poucas maneiras pelas quais a Indústria Cultural tenta manipular e direcionar o comportamento social, mas principalmente a maneira a qual tenta padronizar a cultura; entretanto, a uniformização repassa em querer uniformizar o pensamento humano. Porém o homem é formado por varias influências sociais e culturais, e como a sociedade é mutável, sua cultura também o é. Segundo Hannah Arendt (p.265):

A cultura – palavra e conceito – é de origem romana, a palavra cultura origina-se de colere – cultivar, habitar, toma conta, criar e preservar – e relaciona-se essencialmente com o trato do homem com a natureza, no sentido do amanho [cultivar, lavrar] e da preservação da natureza até que ela se torne adequada à habitação humana. Como tal, a palavra indica uma atitude de carinhoso cuidado e se coloca em aguda oposição a todo esforço de se sujeitar a natureza à dominação do homem.

A própria etimologia da palavra cultura mostra a possibilidade de mutação do homem e da sociedade em que vive. A cultura ao mesmo tempo em que cria e preserva; cria quando se hibridiza com outras culturas e preserva quando mantém suas tradições, renovando-se a cada dia. Com os meios de comunicação em massa o contato com as mais diversas culturas tornou-se comum, é “uma reação comum a um encontro com outra cultura, ou com itens de outra cultura, é a adaptação, ou empréstimos no varejo para incorporar às partes em uma estrutura tradicional”·, com essa incorporação de elementos culturais a cultura local modifica algumas de suas características.

Do mesmo modo que as culturas se adaptam, se modificam e ao mesmo tempo preservam, o mesmo processo ocorre com o homem, por isso que não é possível a uniformização cultural, apesar da aceitação de novos signos em seu cotidiano, o ser humano tenta preservar sua identidade que está ligada ao cotidiano da sociedade em que vive; e essa sociedade foi formada ao longo de muitos anos, e não deve ser vista como uma formula matemática a ser decifrada, já que os símbolos culturais não são quantitativos, e para cada pessoa o significado é diferente e suas interpretações interferem na estrutura social da história local (Levi, 1992, p.143-144).

Todos nós fazemos parte da cultura e historia de nossa localidade, conhecemos as ruas, os melhores bares, as historias sobre nossa localidade, mas aos poucos estamos perdendo isso, esquecemos nossas raízes, não nos preocupamos em manter nossos traços e nossos costumes, abrimos mão do que gostamos em prol do que os meios de comunicação em massa dizem o que é certo e o que está na moda.

Através dessa mistura cultural advinda de lugares próximos ou distantes, os contatos com essas diversas culturas não anulou ou destruiu totalmente a outra. Em vez da extinção houve um nascimento cultural. Nasceu uma nova cultura onde há traços das culturas estrangeiras e novos símbolos que apareceram, isto é, a renovação cultural acaba inovando e criando novos signos sociais e vice-versa. “Acho conveniente o argumento de que toda a inovação é uma espécie de adaptação e que encontros culturais encorajam a criatividade.” (Burke, 2003, p.17)

Como a sociedade é formada pelos homens e quase todos os homens, pelo lado biológico, são capazes de terem o mesmo desenvolvimento intelectual, o que muda de uma pessoa para outra são as influências que elas recebem durante a vida sendo, sociais, religiosas, familiar, cultural, etc. A cultura sofre influências de outras, com a Indústria Cultural a empregar seus meios para influenciar as pessoas e consequentemente a cultura, todos tornan-se iguais; contudo a cultura de um povo é formado ao longo de gerações com diferentes características e influências em seu desenvolvimento.

Estamos tão integrado as engrenagens da Indústria Cultural que não percebemos como estamos sendo manipulado e preso por ela, e de acordo com Jean Baudrillard “normalmente vivemos na ordem da lei, até quando incluímos o fantasma de eliminar”( Baudrillard, 1992, p.149), isto é, até quando procuramos discordar do sistema ele procura fazer dentro das regras impostas pela Indústria Cultura.

Cultura, sociedade às vezes esses conceitos parecem tão distantes, mas não são, não somos a cultura, nós somos a sociedade, nós somos responsáveis pelas consequências dos nossos atos, sobre as escolhas que fazemos, muitas vezes não conseguimos nos libertar dessas amarras, qualquer pensamento, qualquer mudança nasce de uma idéia, de discussões e o pior não estamos dispostos a olhar para o lado e nem perceber que fazemos parte da história e mundo que vivemos.

 

Referências

Arendt, Hannah, A Crise da Cultura Disponível em:
http://www.4shared.com/file/23374669/b2eac5ec/ARENDT_ACRISEDACULTURA.html

Burke, Peter; Hibridismo Cultural; Tradução: Leila Souza Mendes; Editora Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo-RS, 2003 (Reimpressão 2006)

Baudrillard, Jean; O Destino Político da Sedução in Da Sedução, Editora Papirus, Campinas-SP, 1992

Levi, Giovanni; Sobre a Micro-História; in Burke, Peter A Escrita da História: Novas Perspectivas / Peter Burke (org.); Tradução de Magda Lopes – São Paulo; Editora UNESP 1992. – (Biblioteca Básica)

Sharpe, Jim; A História Vista de Baixo; in Burke, Peter A Escrita da História: Novas Perspectivas / Peter Burke (org.); Tradução de Magda Lopes – São Paulo; Editora UNESP 1992. – (Biblioteca Básica)

Williams, R. Cultura, Ed. Paz e Terra, 2008, p57. 3ª Ed


[i] adj.: Afetados com um elevado grau de independência intelectual, inconformados com os padrões de pensamento, de fala e de ação devido a um estudo profundo de si mesmo; em desacordo com a maioria, em suma, pouco usual. É de salientar que as pessoas são loucas são diagnosticadas por funcionários destituídos de provas de que eles próprios são normais. Bierce, Ambrose; Dicionário do Diabo, tradução livre

1 comentário

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