segunda-feira, 25 de julho de 2011

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Infantaria, Traumas e Robôs Gigantes

Por Synthzoid

 

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Para quem ainda não sabe, a etimologia da palavra “infantaria” tem origem na antiguidade: os “infantes”, eram literalmente, jovens rapazes recrutados para participar da vanguarda de seus exércitos. Antes da conscientização do papel da criança na sociedade, culturas ancestrais retiravam púberes de seus lares para passarem por intensa doutrinação militar, tendo na história seu exemplo mais notável, a cultura espartana. Se pararmos para pensar, eles eram os primeiros a encontrar combate, a tropa de choque, os despreparados, vulgarmente conhecidos como “bucha-de-canhão”.

Hoje ainda observamos esse tipo de fenômeno em conflitos. Não é nenhum assunto velado episódios de milícias compostas por crianças na África, ou até mesmo adolescentes e jovens adultos em grupos extremistas como Talibã e Al Qaeda.

Entre os fãs de animação japonesa e mangá, sempre existe a piada relativa ao clichê da “jornada do herói”, onde um garoto é recrutado por uma autoridade e ao mesmo é dada uma arma poderosa capaz de aniquilar o inimigo. Na opinião de muitos, isso é uma manobra de marketing dos estúdios japoneses para alcançar empatia de seu público alvo, garotos de idade colegial, muitas vezes tímidos, com dificuldades para compreender seu papel em meio tamanha responsabilidade.

Efeito semelhante acontece nas escolhas de design para as tais “armas”, Yoshiyuki Tomino criador da série Mobile Suit Gundam, comentou o quanto a BANDAI amenizou a aparência de seus robôs para as audiências infantis, adicionando cores e outras peculiaridades que normalmente seriam não-ortodoxas para um equipamento bélico.

(Ou não, se levarmos em consideração o aspecto “vanguarda” da infantaria, soldados que atraiam a atenção do fogo inimigo para si…)

A “metáfora da infantaria” é comum no universo de Mobile Suit Gundam, em sua primeira encarnação, a tripulação da nave White Base é majoritariamente composta de civis e adolescentes, tendo como protagonista o jovem Amuro Ray, que se vê de forma forçada a começar uma carreira militar aos 15 anos de idade, pilotando o lendário RX-79.

Imaturo, Amuro Ray aos poucos entende a natureza da guerra, desenvolvendo traumas, encarando a inevitabilidade da morte e os joguetes políticos por trás dos conflitos, embora seja a “estrela” do desenho, Amuro (assim como diversos outros que o sucederam) eram apenas crianças, peões em um tablado de xadrez, gostaria de ressaltar que este tipo de fatalismo é recorrente no trabalho de Yoshiyuki Tomino, as séries Gundam costumam ter uma contagem de corpos alta em seu término.

Um exemplo – tão gritante quanto Gundam – se encontra no trio de Neon Genesis Evangelion, onde, por razões científicas, apenas um grupo seleto de crianças podem pilotar o andróide Evangelion, a última esperança da humanidade. Os traumas psicológicos e o confronto com a inevitabilidade são visíveis em Shinji Ikari, órfão de mãe, temeroso ao pai distante e apático – responsável pelo programa que o recrutou –  Asuka Langley e seu problemático complexo de Édipo, e Rei Ayanami, o maior exemplar de “infantaria” da série, desumanizada e objetificada (fora e dentro da série, inclusive por um fandom moe, coisa para se pensar) luta para encontrar algum sentido na vida além do amor possessivo de Gendo Ikari.

Shinji Ikari é o inverso do arquétipo do herói, ele é essencialmente covarde e emocionalmente imaturo, ainda assim, compelido para dentro do conflito, cada vez mais prensado por forças maiores que a vontade dele.

É interessante este caráter “objetificante” em ambas as séries, onde para os “adultos”, eles não são crianças, quiçá seres humanos, mas sim componentes necessários para se alcançar um objetivo maior – e muitos vezes, irrelevante a ótica infantil.

 

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Em Gundam, o comandante Noa Bright é responsável em exercer um papel paternal perante Amuro Ray (e Kamille Bindan, Judau e tantos outros…), em Evangelion, graças a natureza esotérica do EVA, existe a concepção de “voltar ao útero” toda vez que Shinji e cia. passam a pilotar, é como se fossem protegidos pelo colo maternal de todo e qualquer perigo externo.

Se em Mobile Suit Gundam, Amuro e cia. experimentam uma passagem forçada na vida, em Evangelion existe aquela frívola busca por uma vida conciliatória, onde seus personagens intercalam exercícios militares com uma rotina escolar, tentando buscar humanidade no cotidiano, apenas para terem a mesma arrancada no próximo conflito.

Tanto Amuro Ray quanto Shinji Ikari passam a serem temidos pelos colegas graças ao papel “desumanizante” que desempenham. Amuro Ray como o primeiro de muitos a serem considerados “newtypes”, um salto evolucionário do ser humano condicionado a vida no ambiente espacial e Shinji como o piloto de uma arma de destruição em massa (e posteriormente, em seu papel central no Projeto de Instrumentabilidade Humana). 

 

Este tipo de situação não é exclusiva a cultura pop japonesa, analisamos dois fenômenos literários recentes: Harry Potter e Crônicas de Fogo e Gelo. No primeiro, um jovem de 11 anos é jogado em meio a mundo fantástico, porém igualmente sortido a medida em que amadurece e sua ingenuidade é abandonada (e até mesmo questões como se a Armada Dumbledore possa ser ou não considerada uma “infantaria”). Em Crônicas, o choque é ainda maior para quem – assim como eu – conheceu a através de sua adaptação pela HBO, se na série de televisão, personagens como Robb Stark e Daenerys Targeryan aparentam quase seus vinte anos de idade, nos livros, nenhum deles passam dos quinze anos de idade, demonstrando um caráter verossímil a nossa cultura medieval.

Sim, estamos falando de Daenerys, engravidando de Khal Drogo aos treze anos de idade…

4 Comentaram...

Sr.Elton disse...

Esse texto ficou muito bom, parabéns ^^
As análises desses dois animes (meus preferidos por sinal) foram algo novo pra mim, enquanto que sempre via analises das situações e confrontos nunca vi uma análise tão "humanista" dos personagens principais, além desse correlação entre a nossa cultura militar.
Muito bom mesmo.

alexandresc disse...

Lembrando que isso continua a acontecer ainda, pois quanto mais cedo você entra no ensino e doutrina militar, mais rapidamente você absorve a sua cultura e menos crítico será a sua tendência contra essas organizações =]

lembrando também que existem vários Gundam Wings e cada um possui uma "peculiaridade" para ser analizada
o Mobile Suit Gundam Wing (do Heero Yui, Relena Peacecraft e cia...) é um Gundam que trata bastante de política e natureza humana, o Gundam Seed e Seed Destiny, além de tratar das questões políticas também, aborda questões bem complexas como transhumanismo, bioética, clonagem humana.
Uma coisa é comum em todos os Gundams, as questões políticas e o estudo sobre a natureza humana, gênese dos conflitos e a resolução para eles.
Assistir Gundam Wing enquanto criança e depois como adulto, possui uma grande diferença(principalmente após 4 anos em uma faculdade de humanas/sociais ahahahah)

Evangelion também possui algumas características que necessitariam de um estudo mais avançado, aborda bastante questões psicológicas que não estou me lembrando no momento, e que o presente texto traz um pouco disso

no final, minha opinião pessoal seria a de que
esses "desenhos" japoneses (dos quais eu adoro :P) não são apenas para crianças,
pois aposto que muito marmanjo não entenderia nem 10% sobre os assuntos que um Gundam Seed ou Seed Destiny aborda por exemplo

Anônimo disse...

Oi Nescau,

Na série original existem dois protagonistas, Amuro Ray – comentado no meu texto – e o outro, que realiza contraste com o primeiro, que se chama Char Aznable, a nível de influência na franquia, toda série Gundam tem um “personagem mascarado”, graças ao papel que Char desenvolveu inicialmente.

Char é uma espécie de rival/mentor de Amuro, enquanto este, como você bem apontou, entrou cedo para a doutrina militar, ele passa ao longo de quinze anos da cronologia servindo como soldado raso, mesmo ciente de suas habilidades.

Char é o contrário, de origem burguesa, fica órfão graças a uma intriga política que levou ao assassinato do seu pai, ele cria um plano de vingança – de natureza bem maquiavélica - contra a Dinastia Zabi.

É muito legal ver o embate dos dois, não apenas bélico, mas como também ideológico, Char almeja emancipação de tudo e todos, mesmo que isto contrarie a vontade das pessoas, acredita que pessoas como Amuro merecem ter o potencial reconhecido, e que não devem se restringir apenas a “buchas de canhão”, porém o conformismo (ou imaturidade, lavagem cerebral, ideologia) de Amuro leva a não aceitar a posição revolucionária de Char.

Porém, me permitindo os spoilers, é interessante ver que na segunda temporada, Gundam Z, Amuro é praticamente relegado ao ostracismo por seus superiores, enquando Char continua lutando por um ideal.

Uma das coisas que sempre me atraiu na série Gundam são as áreas cinzentas da política, se por um momento a Dinastia Zabi impõe um nepotismo fascista nas colônias espaciais, são eles que se opõem a política opressora da ESEF.

Se Gundam Seed foi uma “modernização” de Gundam 0079 – a primeira série – vale lembrar que Gundam 00 aborda muitas questões tecnológicas/militares/éticas do mundo atual, eu recomendo a série, por tratar também de assuntos como transhumanismo, terrorismo, células para-militares, milícias infantis e a realidade da guerra.

alexandresc disse...

Todo Gundam tem um homem mascarado hahaahahah

Lembrando também que a conquista do mundo no Gundam Wing(do Heero Yui) tem o apoio da fundação Rockefeller (que de certa forma parece bater um pouco com o nosso mundo real mesmo :P)

Seguindo a linha de animes inteligentes Synthzoid, recomendo que assista a Code Geass(possui 2 temporadas) também, é um anime cativante com um final bem "diferenciado" e também trata de questões psicológicas e políticas

assim como você falou, Gundam 00 também é muito bom e aborda de certa forma uma formação política que "parece" estar se criando atualmente, com a formação de novos atores globais e uma nova geopolítica mundial(que era basicamente 3 grandes unidades políticas, americana, européia e asiática), com uma organização internacional (as Nações Unidas) que continua ainda a atender mais aos pedidos dos Estados mais fortes, fornecendo esmolas aos países mais fracos para ganhar popularidade e confiança :D

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