Não me considero machista, e muito menos me considero feminista - e continuo achando impossível um homem ser feminista, mas não entrarei nesse assunto hoje. Prefiro me manter alheio a essa discussão, que considero extremamente recheada de conceitos retrógrados e de uma regressão argumentativa que não leva nada a lugar nenhum, tanto de um lado como de outro. Pra mim o Sexismo é como o palco político, um problema por si só… e que não será combatido com mais Sexismo, mesmo que vindo do lado oprimido. Da mesma forma, vejo a política como um problema em si, e por isso não resolverá nada, independente de quantos Obamas, Lulas, ou outros salvadores da pátria surgirem. Um exemplo disso é na quantidade de revoluções conduzida por camadas oprimidas, que tirou ditadores do poder… e colocou ditadores piores no lugar.
Mas o fato de querer me manter alheio, afastado da discussão sexista, não me impede de comenta-la e identificar algumas recaídas estranhas e discussões inúteis que afetam a área em que academicamente (e supostamente) tenho algum conhecimento aprofundado: o Jornalismo. Não sou do tipo que acredita - salvo raras exceções - em “tomar um lado por obrigação”, como parece ser o praxe hoje. Como já escrevi no início da terceira parte do meu ensaio sobre Repressão Estatal, esse tipo de dualismo excludente não é nada mais que uma armadilha mental para conduzir a um jogo de péssimo e menos pior, e nunca a uma solução de caráter mais efetivo. Você não gosta do Capitalismo? Logo é Comunista, entre outras variantes de um jogo de realidade ultrapassado herdado de Aristóteles e que insiste em perdurar ainda hoje, mesmo abandonado nos modelos mais modernos de Filosofia, Física e Psicologia.
Então, dentro dessa lógica, não considero dizer “Eu não apoio o movimento feminista” como um grito de machismo, da mesma forma que dizer “Eu não apoio o movimento gay” não me parece uma afirmação de caráter homofóbico. Mesmo achando que essas camadas da população têm todo o direito de buscarem resolver o que acham estar errado, não contarão com a minha ajuda, assim como não conto com ajuda deles quando falo acerca de Direitos Autorais.
Pois bem, considerações iniciais feitas, corta pra capa acima, da edição do mês que vem da Wired, a mais importante revista tecnológica do mundo. A moça que posou pra foto não é uma modelo típica de capas de revista femininas ou das Vogues de plantão, mas sim uma “operária”, a mestre e engenheira elétrica Limor Fried, da Adafruit Industries. A revista GOOD parece que não se amarrou no conceito por trás da capa e, através do seu editor de cultura Cord Jefferson, mandou o seguinte [tradução do Gizmodo Brasil]:
A Wired não colocou Limor Fried em sua nova capa. Como Fried realmente se parece está abaixo – ela é uma jovem mulher normal com um piercing labial e um cérebro muito acima da média e isso foi o que fez maravilhas para ela durante toda sua vida. O que a Wired colocou na sua capa é um Photoshop quase cartunesco que fez com que um amigo olhasse essas fotos lado a lado e perguntasse, “É a mesma mulher?”
Antes ele havia começado o artigo meio revoltado, dizendo que a atitude da Wired está “fudidamente errada”, e que a revista desnecessariamente cartunizou a imagem de Fried em sua capa. O motivo da revolta parece derivar do fato de que ela seria a primeira mulher engenheira (ou mulher com QI alto academicamente falando, com currículo, essas coisas) a aparecer em uma capa da revista. E justamente quando isso acontece, rola um tratamento desse tipo, que aos olhos da revista GOOD é uma diminuição das mulheres.
Nos comentários, Fried fez o seguinte apontamento:
A capa está estilizada, mas é assim que eu realmente sou. Eu não estou “plastificada” ou “com toneladas de Photoshop”. Se eu tirar meus óculos, arrumar meus cabelos, e usar maquiagem, é assim que eu fico.
Foto da “verdadeira” Limor Fried apresentada pelo artigo
Primeiro é preciso dizer que não é a primeira vez que uma acadêmica aparece na capa da revista. Em 1996, Sherry Turkle, pesquisadora de Sociologia Tecnológica do MIT foi capa da publicação, e dois anos antes Laurie Anderson, uma artista experimental, repetiu a dose. Fora essas, que foram tema de de reportagem e de perfis bem escritos, as outras mulheres que foram capas não passaram de uma espécie de fetiche, que cederam sua imagem unicamente como ilustração. Foi o caso de Martha Stewart, em 2007, e Sarah Silverman em 2008. Outros casos foram classificados como ainda piores, a exemplo de Julia Allison e Uma Thurman, que apareceram na capa em matérias relacionadas a fama na internet e romances de Philip K. Dick.
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A gota d’água para quem atacou veementemente essa espécie de fetichismo sexista da Wired em suas publicações, foi a capa de novembro do ano passado, quando um par de seios figurou triunfante, ilustrando uma matéria sobre implantes e o futuro da medicina.
Realmente não me parece uma boa perspectiva de tratamento, bem como me parece ser um quadro irreal, já que acredito que existam muitas mulheres fazendo coisas interessantes na área de tecnologia, como escreveu Cindy Royal de forma brilhante em uma crítica pessoal no blog dela, ao ponto de Chris Anderson, editor-chefe da revista, ir se manifestar em tom de desculpas nos comentários.
Obviamente que a resposta de Chris Anderson por lá - dizendo que faltam “mulheres de alto nível na indústria de tecnologia que são reconhecíveis o suficiente para vender uma capa” - não parece satisfatória o bastante, mas diz muito sobre a cultura comercial presente nas revistas em particular, e na mídia de modo geral. O que rola nas capas da Wired é uma mera consequência do que começa acontecendo nas revistas classificadas de femininas, como a Nova - versão nacional da Cosmopolitan -, Elle, Gloss, Cláudia, e similares (googlem as capas dessas pra entenderem, depois olhem a composição das redações delas e vejam que são quase todas formas por… mulheres). A Wired não criou um modelo, ela adotou um modelo, o que parece ainda mais claro se levarmos em conta que a revista é publicada pela maior editora de revistas dos EUA, a Condé Nast. Não estou dizendo que usar um modelo pré-pronto é algo positivo, mas simplesmente que deve ser levado em conta ao condenar uma atitude dela.
E pontuar o caso com um simples “o pensamento machista vigente entre os jornalistas foi o causador de tal coisa” me parece reducionista, além de constituir-se como um jargão clichê que pode ser usado como saída fácil para classificar qualquer coisa que desagrade. Para mim seria o equivalente a um “isso é coisa do diabo” ou “armação de esquerdista/direitista”.
Mas se a crítica da Cindy foi embasada e com um motivo bem claro pra olhos atentos - fetichização das capas da Wired -, o tiro de Cord Jefferson, da GOOD, parece saído pela culatra. Cindy escreveu calcada no histórico da revista e no tratamento de mulheres de modo leviano em suas capas, e foi ainda mais longe: questionando se não haviam mulheres trabalhando no ramo tecnológico que poderiam dar boas capas.
E a GOOD, bem a GOOD reclamou do Photoshop, o que me leva a uma conclusão bem óbvia: a percepção do autor acerca de mulheres inteligentes não parece ser das mais acertadas - além de não ter sacado que rolou uma óbvia referência a Rosie, a Rebitadora. Parece que pra ele deve existir um muro que separe beleza feminina de inteligência feminina. Mulheres reconhecidas por sua beleza E por sua capacidade intelectual - entenda capacidade intelectual como capacidade neurológica de transmitir informações de forma acertada e sem ruídos [definição do grande Alfred Korzybski] - seriam exceções a uma regra. E aí entra o que percebi da crítica equivocada da GOOD.
Limor é do tipo perfeito para uma capa da Wired - e pode ser o início de uma mudança na linha da revista no tratamento a questão, já que Anderson pediu desculpas em novembro do ano passado: bonita (com ou sem Photoshop, o que é uma busca secundária em vendagem de capas) e com um currículo invejável e condizente com a matéria. Ela possui mestrado em engenharia elétrica pelo MIT (o mais famoso instituto de tecnologia dos EUA) e é um dos símbolos dos eletrônicos DIY e open source. Ela afirma que pretende fundir arte com elétrica e criar ferramentas para dar liberdade para cada pessoa criar seus próprios eletrônicos.
Mas além disso o caso serviu para mostrar como existe um denuncismo de certos setores (ou “certo setor”, não vou coletivizar algo baseado em um exemplo) da mídia, que queriam ver uma Limor como ela supostamente é, “uma mulher jovem normal, com um piercing no lábio e um cérebro anormalmente forte”, como descreveu o artigo da GOOD, também se esquecendo da subjetividade presente na beleza - e na inteligência, o que mata todas as discussões e argumentos apresentados até então.
Por que não simplesmente esquecermos gêneros que nada influem na inteligência ou na capacidade mental de alguém, o que não me parece uma concessão muito complexa de ser realizada?! Limor é uma mulher brilhante numa função normalmente ocupada por homens? Ótimo, mérito dela, e acho ótimo que tenha sido reconhecida por isso. Mas uma crítica em cima de algo que simplesmente não aconteceu, me parece fruto de visões distorcidas.
Claro que existem questões secundárias em cima do caso, e nos fatores levantados pelas críticas - assim como em casos assim por todo mercado editorial, especialmente o americano. Com relação ao Photoshop, creio que não tem nada a se fazer a curto prazo: é a imagem que a publicidade criou, embora várias revistas européias - mesmo algumas pornográficas, como a Femjoy, que tem o slogan Pure Nude - praticamente preterem o uso de correções que plastificam, se limitando a apagar algumas cicatrizes maiores. Dobrinhas, pintas, imperfeições… tudo fica na foto, às vezes nem efeitos de iluminação são usados. Esteticamente fica muito mais bonito, na minha opinião, sem padrões idiotas, mostrando mulheres mais verdadeiras.
Revistas como a Vice geralmente se esquivam de padrões visuais mainstream, como os da Playboy, Vogue e outras. Outras masculinas como a Front criaram um padrão próprio bastante sofisticado, que tornam as fotos da revista reconhecidas em qualquer canto, no estilo das grifes fotográficas Suicide Girls e GodsGirls. Fotógrafos como Terry Richardson e Merkley vão pelo mesmo caminho. Com isso quero apontar que existe muito mais do que o padrão conhecido pela gente aqui, que é prejudicial e enjaulado por uma lógica mercadológica tacanha, e deve ser analisado não só pela reducionista ótica de “fruto de um pensamento machista dominante” ou qualquer outro rótulo que exista por aí e parece gritar quando vemos algo assim.
Outra questão é a deficiência de mulheres nas redações de revistas americanas, especialmente as mais ligadas às artes e política - as mais sofisticadas, por assim dizer. Não sei o exato motivo disso, principalmente pelo fato do jornalismo americano (América como continente, dessa vez) ter em sua maioria profissionais mulheres. E não só em cargos de redação, como de chefia, a exemplo de uma das estrelas do jornalismo atual: Arianna Huffington (que não é bem jornalista, mas tudo bem). Fora ela ainda, admiro a Amy Goodman, do Democracy Now, a Natália Viana, Marina Amaral e Tatiana Merlino, parceiras da agência de jornalismo investigativo Pública, entre muitas outras.
Já tive três chefes mulheres trabalhando com jornalismo, e as três foram ótimas - na verdade, a primeira que sou chefiado por um homem é agora, trabalhando no GamesBrasil. Então, dizer que o mercado não possui mulheres ou não permite a entrada de mulheres é meio falacioso. Talvez existam resquícios de gerações passadas que resultam na maioria dos postos de chefias ocupados por homens (não tenho dados nacionais ou de algum outro país específico mostrando isso, é apenas fruto de observação e estudo histórico), mas creio que esses números tendem a se equilibrar, e as mulheres passarem a ser maioria inclusive nas chefias de redação (se é que já não são).
No caso das revistas americanas, a situação é a seguinte:
Quadro de composição das redações de algumas revistas americanas (clique para ver maior)
Naturalmente que essa predominância masculina acaba tendo reflexos nos poemas e textos ficcionais publicados por essas revistas. Homens conhecem mais homens que mulheres, geralmente, e provavelmente por isso recebem mais indicações de autores masculinos, Claro que essa em si não é um motivo, mas vejo com ainda menos cautela o principal motivo apontado pelas mulheres, que relacionam a situação com um suposto “favoritismo sexista”. Creio que esse pode ser um motivo, mas é necessário critérios um pouco menos subjetivos para resolver a situação. E sem um estudo com uma metodologia clara, fica difícil chegar a conclusões, ficando apenas em margens especulativas. A autora do estudo, a organização VIDA (estudo completo linkado na lista no fim do artigo), fez um levantamento correto, com metodologia apresentada, e reconheceu que esse é apenas um lado da questão.
“(…) Mas também entendemos que estas estatísticas são apenas o início de uma conversa, que acreditamos ser necessária, e não um ponto final”.
Os números do estudo completo mostram um dado: livros, poemas, textos ficcionais de homens predominam nas revistas literárias americanas. Ponto. Dizer que existe um favorecimento já é especulação. Para um estudo mostrando outro ângulo de abordagem seria necessário saber a porcentagem de textos enviados as revistas, além de dados relativos a porcentagem de autoras no mercado global de livros. Sem essas comparações, não é possível chegar a uma conclusão.
E como não temos dados dessas revistas, vamos analisar uma plataforma aberta e sem essa rigidez editorial na escolha dos textos: a Wikipedia. Alguns podem argumentar que como o trabalho por lá é sem remuneração ele atrai menos pessoas, mas creio ser desnecessário refutar tal linha de pensamento, já que a produção de conteúdo “sem remuneração” direta supera e muito a paga sob contrato, e a qualidade deles muitas vezes é equivalente. Através da Wikipedia, pode-se chegar a conclusão que talvez as mulheres não escrevam tanto assim (embora esse seja um caso específico, não vamos generalizar). Conforme dados divulgados pela Wikimedia Foundation - mantenedora da Wikipedia -, cerca de 85% dos seus artigos são escritos por homens, o que é uma discrepância ainda maior do que as diferenças apresentadas pelo estudo da VIDA. A fundação está preparando campanhas para atrair mais mulheres e espera que esse percentual aumente para 25% até 2015.
Essa diferença de números, mais uma vez, causa certas interferências no conteúdo - da mesma forma que causa nas redações de revistas dos EUA. Artigos de coisas relacionadas ao universo feminino recebem menos destaque do que deveriam, como Sex and the City, por exemplo. E é preciso reconhecer que homens darão pouca atenção a criar conteúdo relacionado ao universo feminino, da mesma forma que algo parecido pode influenciar escolhas estéticas com relação a textos, embora considere isso injustificável de um ponto de vista.
Mais uma vez, nada conclusivo, apenas indícios que parecem apontar numa direção mais complexa do que a limitada ótica sexista.
Nas anotações do estudo da VIDA, é dito que as integrantes da organização - que milita justamente para uma maior participação das mulheres no mundo das artes - se comunicaram com chefes de redação dessas revistas e receberam respostas como uma que diz que a revista faz campanhas para receber mais textos de mulheres, que eles nunca foram meio a meio. Outros disseram que nunca atentaram pra essas diferenças, que só se preocupam com o texto em si.
Sem conclusões aqui, só estou tentando mostrar que não existe o preto e branco, e mesmo a pomposa exatidão dos números pode levar a um erro de julgamento se não forem contextualizados. A discriminação talvez não exista - e uma organização que luta exatamente a favor de uma maior participação das mulheres na arte literária, admite isso.
A mesma coisa pode ser dita da capa da Wired. A velocidade da GOOD em tecer uma acusação estranha e infundada - que para mim foi mais machista do que qualquer atitude da Wired - foi fruto de uma rapidez de julgamento que não levou em conta essa multiplicidade de fatores presentes na questão - e a crítica da própria fotografada mostrou isso.
E é por motivos como esse que procuro me manter afastado desse tipo de discussão. Se nos campos mais progressistas das sociedades humanas - a Ciência e a Academia - vemos mostras de comportamento reacionário do nível da queima de livros e perseguição a Wilhelm Reich, imagine onde impera a política, religiões totalitárias e discussões racistas, sexistas e territoriais.
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