Por Letícia Roese*
A pichação é um ato de vandalismo, os pichadores costumam “competir” entre si para ver quem picha mais e mais alto, por isso frequentemente vemos as fachadas de prédios, bancos das praças, locais públicos e privados, sujos por causa disso. A mais recente arma de ação contra os pichadores é o Artigo 65 da Lei de Crimes Ambientais, número 6.905/98, existente desde 1998 e que estabelece punição de três meses a um ano de cadeia e pagamento de multa para atos similares a esse.
A solução seria levar esses pichadores para conhecer um pouco de arte, e é aí que aparece o grafite.Podemos considerar como primeiros exemplos de grafitagem os desenhos rupestres feitos nas cavernas. Eles representavam animais, caçadores, e muitos símbolos que ainda hoje são uma incógnita para muitos pesquisadores, mas que de fato são significantes aos seres daquele contexto, naquele momento, e não podemos desconsiderar que fizeram e fazem parte da nossa história. A grafitagem é uma expressão de arte que contém linguagem própria e hoje utiliza-se de recursos menos primitivos dos utilizados na época. Atualmente, grafiteiros utilizam tintas em spray ou mesmo em lata; pintam símbolos específicos de um determinado tema, defendem causas, pintam idéias, pintam uma história. Uma definição mais “técnica” para a grafitagem, seria a de que ela nada mais é do um desenho pintado ou gravado sobre um local que normalmente não é previsto para esta finalidade.
Fico feliz em saber que hoje, cada vez mais, essas definições estão mais distantes e a grafitagem cresce e ganha status de arte. Conta a história que a partir de maio de 1968, surge o movimento de Contracultura, quando os muros de Paris foram suporte para inscrições de caráter poético-político. Assim, a prática do grafite generalizou-se pelo mundo, em diferentes contextos, tipos e estilos. Já considerada arte urbana, a grafitagem é vista com outros olhos. Ela dá liberdade para o grafiteiro (artista) aproveitar espaços públicos e usar da sua forma de expressão, da sua linguagem, para interferir no modo de pensar das pessoas, fazendo-as refletir sobre determinado assunto.
E foi pensando nisso que Moa Ferreira e Marcelo Alves de Sousa, produtores culturais em Foz do Iguaçu - PR, tiveram a seguinte idéia: revitalizar as paredes do viaduto que liga a cidade de Foz do Iguaçu no Brasil à Ciudad del Este, no Paraguai. Eventualmente, os dois passavam pelo local a caminho do trabalho e ficavam indignados com tamanho descuido do ambiente. Rolou aproximadamente um ano entre a apresentação do trabalho e o início de sua execução. Para se obter autorização naquela região, o projeto necessitou da aprovação de várias instâncias que administram burocraticamente o local.
Vencida a primeira batalha, a Companhia de Teatro Amadeus, parceira direta no projeto, saiu em busca de recursos para esta mega-operação. O recurso foi disponibilizado através da pasta da Secretaria Ministerial do Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente (PPCA), mantida na cidade pela Itaipu Binacional. Um dos idealizadores, Moa Ferreira, comenta que a idéia era transformar o viaduto em um espaço cultural capaz de expressar a problemática da criança de forma positiva: “O espaço será referência das ações positivas no combate à exploração dos meninos e meninas na Tríplice Fronteira.”
A região de Foz do Iguaçu, faz fronteira com Ciudad del Este no Paraguai e Puerto Iguazú na Argentina, e talvez e também por isso conta com elevado número de jovens assassinados. “Este espaço mostrará a vontade da comunidade em acabar com a violência e a exploração, sexual ou trabalhista das crianças da região”, comenta Joel de Lima, assistente da Diretoria Geral Brasileira da Itaipu Binacional.
Desafio aceito, e para retratá-lo foram convidados artistas das três nacionalidades presentes na região. Argentinos, Brasileiros e Paraguaios unidos para grafitar sobre a riqueza cultural da região, alertando principalmente sobre os direitos das crianças e adolescentes. O Grupo We é formado por um coletivo de artistas da Argentina, organizado por Luckass e são estudantes da faculdade de Desenho Gráfico. David Linares ou Kast, como é mais conhecido no meio da grafitagem, é o que tem mais experiência com paisagem urbana. Paraguaio, foi considerado através da mostra Expression II um dos 100 artistas mais influentes de seu país.
Oz Montanía é paraguaio e designer gráfico, atua como ilustrador em uma agência de publicidade em Assunção. Já realizou trabalho de ilustração para a Sudameris Bank e sua última participação em um projeto internacional foi no álbum colaborativo da Copa da África do Sul (Plakker Álbum Geilustreer). Segundo ele “As paredes são espaços que devem ser tomados pelas pessoas.” Renato Pontello é ilustrador em Vitória – ES (cidade dos meninos do @BlogNSN!), é artista plástico autodidata e estuda Arquitetura e Urbanismo. Ya Basta é um grupo formado por três brasileiros: Lalan Bessoni, Luis Felipe Cachopa e Michel Dal Pizzol. Suas primeiras obras foram espaços degradados na cidade de Foz que se tornaram verdadeiras exposições a céu aberto. Sica Oliva, brasileira e diretora de arte em uma agência de publicidade, venceu o prêmio Central Outdoor de 2010 com um trabalho sobre exploração sexual de crianças.
Em meio a jogos de roda, brincadeiras antigas, bonecas, pipa, pião, pescaria e outros elementos que retratam a infância, este grupo de oito artistas e dezenas de voluntários procuraram misturar a brincadeira ao mágico, a religião na Tríplice Fronteira e a iconografia guarani num cenário que antes era de abandono, marginalizado e perigoso, num ambiente agradável. Marcelo Alves de Sousa, idealizador do projeto comenta: “... começamos a pensar em setembro do ano passado em fazer com que essa cidade fique mais bonita e considerando que essa cidade é o segundo ponto turístico do Brasil, é uma cidade que precisa de muitos reparos estéticos e o turista gosta de ver coisas bonitas. (...) a nossa proposta é continuar pintando essa cidade inteira para mostrar que é muito mais legal ter uma obra e um serviço público bonito. Esse era um ambiente marginalizado e perigoso, agora está bonito! Irá ser revitalizado com uma parte elétrica e vai se transformar em uma área para lazer no final de semana, a proposta é deixar essa obra de arte para as pessoas e fazer com que elas encarem obras e serviços públicos de maneira bonita, tudo pode ser bonito, não precisa ser feio.”
Para inaugurar obra de tamanha grandeza e importância na região trinacional, Luis Inácio Lula da Silva, presidente do nosso país, esteve presente no dia 02/09, pela manhã no local. Lula foi recebido calorosamente pelos convidados para a solenidade. A convite dos artistas, ele fez um desenho que simboliza os três países fronteiriços – Argentina, Brasil e Paraguai – e com uma lata de tinta spray branca não dispensou a assinatura no paredão. O presidente posou também diante de uma gigante figura com quatro braços e face semelhante à sua e encarou com muito bom humor a “homenagem”. A figura bem como as duas paredes internas do viaduto representam a religiosidade na fronteira.
Fronteira essa que soma a força de três povos para revitalizar o viaduto que serve de passagem para dezenas, centenas de pessoas todos os dias. Que representa a integração, a ponte de união que diminui diferenças e aproxima as distâncias; unidos pela garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, e tudo isso em forma de arte. Arte urbana, formas, cores e contornos livres, como deve ser uma nação, ou três como é o caso. Argentinos, brasileiros e paraguaios juntos e livres, tentando mudar o mundo disseminando conceitos de cultura e paz entre todas as pessoas, dando um colorido diferente ao mundo e fazendo também as pessoas refletirem sobre a tolerância e solidariedade, coisas tão difíceis hoje em dia.
Me orgulho em dizer que colaborei ainda que indiretamente neste marco, desta obra de arte de 3.415 metros quadrados, considerado o maior grafite do mundo (!) que se encontra praticamente ao lado de casa, passo por ela todos os dias. Obra esta que, além de embelezar a minha cidade, enfatiza a ética da estética em obras públicas e comemora os 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Acredito que não somente a estética da cidade foi mudada, mas também sua forma de pensar. Pensar que podemos sim construir uma sociedade mais justa, com melhores condições de vida e à garantia dos direitos das crianças e adolescentes, temas centrais e condutores deste projeto. Que este seja apenas um pedacinho da disseminação dos conceitos de cultura de paz entre todas as pessoas, manifestando as cores de um mundo melhor, mais tolerante e solidário.
Veja como ficou o viaduto depois da revitalização:
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A @letiroese é publicitária, iguaçuense, apaixonada por design, cores e pela tríplice fronteira. Atuou no projeto como fotógrafa “oficial” da equipe de grafiteiros.
9 Comentaram...
A iniciativa foi excelente! Realmente a visão naquela região mudou e pra melhor, pena que algumas pessoas sem ter o que fazer, já picharam, manchando uma pintura tão bonita. Não adianta tentar fazer algo novo, se a cultura da cidade não segue o mesmo ritmo. No entanto, parabéns aos grafiteiros! Fizeram um trabalho extraordinário.
E parabéns a @letiroese, pelo belíssimo post, bem detalhado, informativo e gostoso de ler. Certeza que não é jornalista também, Leti? hehe
Maravilhoso! Lembro das vezes que passei por esse viaduto e sempre olhava pra ele, mas pela sujeira, pelo mato que crescia e pelo descaso, agora tá lindão! Parabéns pela iniciativa e aos grafiteiros que fizeram um ótimo trabalho, deixando a cidade ainda mais bonita.
Ola sou a priscilha e gostaria de deixar em claro que faltaram mencionar os artistas que conforman o coletivo paraguaio Jopara (http://www.facebook.com/colectivojopara?ref=search) e tambem estiveram presentes como o Eddy http://www.flickr.com/photos/eddygraff/ o Ataq http://www.facebook.com/profile.php?id=100000789038717&ref=ts#!/profile.php?id=100000789038717&v=photos&ref=ts e eu http://www.flickr.com/photos/punkgodangell/
te deixo o meu post para saberes um pouco mais da experiencia http://punkgodangell.blogspot.com/2010/09/grafitenoviaduto-foz.html
Desculpa Pricscilha! faltou mesmo, mas você colocou aí, não menos importante. Valeu! ;D
Oi Leti!
Me deu tanta emoção ler este relato da grafitagem, lembrei de cada momento que passei junto com eles.
E obrigada por ter clickado cada pedacinho do trabalho!
Aí rapeize, tenho casa em foz e em SP, o trampo de vcs ficou top, mas dizer q é o maior Graff do mundo cs tão viajando!
auhauhauhahuahuahuauhauhauha
Na 23 de Maio em SP tem vários maiores q esse! Vários!
É nózes!
É triste pensar que o grafite ainda é visto como um ato de vandalismo, mas fico feliz quando vejo que alguém valoriza o trabalho dos jovens que o fazem. De qualquer forma, é uma forma de arte muito bonita e precisa de mais atenção.
Muito bom,vou registrar essa história numa palestra para os grafiteiros aqui do pantanal corumba,numa oficina a ser realizada pelo Museu de História do Homem do Pantanl,dia 18-12-12
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