Expectativas podem destruir. Depositar toda a sua ansiedade em cima de algo, em uma obra de arte em especial, pode afetar a sua opinião sobre ela. Certas obras superlativas passam por isso com uma mão nas costas, como é o caso de O Senhor dos Anéis, que nos mostrou que a perfeição pode existir (só quem o assistiu O Retorno do Rei num cinema, especialmente em sua estréia, sabe do que estou falando). Em outros casos a expectativa destrói completamente a obra, a tornando pior do que parece ser. Pense em O Cavaleiro das Trevas 2, ou All-Star Batman (é Frank Miller, hoje a treta é com você) e saiba como é a coisa. E há um terceiro tipo de caso, quando você termina a obra que estava cheia de expectativas e a deixa de lado com um simples: “É… legal.”
Origem se encaixa na terceira categoria. É uma boa HQ, sem dúvida, mas não passa disso. E olha que nunca fui fã ferrenho do Wolverine. E as expectativas sobre ela (não minhas) eram muitas. O mutante das garras de adamantium havia sido criado em 1974, por Len Wein, como coadjuvante de uma história do Hulk. Depois, pelas mãos de Chris Claremont e Dave Cockrum, ele foi integrado aos X-Men. Começou a ganhar a devida importância graças a John Byrne, que modelou seu conhecido estilo que mistura uma linha tênue de auto-confiança e arrogância.
Aos poucos, seu passado começou a ser modelado. Como seu fator de cura retarda seu envelhecimento, sua idade é indeterminada, aumentando ainda mais o mistério acerca de seu passado. Sabia-se que ele lutou ao lado do Capitão América na II Guerra Mundial, e atuou como agente secreto da CIA, lado a lado com seu maior inimigo, o Dentes-de-Sabre. Também sabemos de sua participação no programa Arma-X (uma dos melhores títulos do mutante que, infelizmente não consegui reler a tempo de resenhar), um projeto secreto do governo canadense para criar um super-soldado e que terminou por colocar o adamantium no esqueleto dele. E logo depois, quando Magneto arrancou o adamantium de seu esqueleto, nos foi revelado que suas garras, o seu item de ataque mais famoso, era parte funcional do seu corpo.
Bom, são várias peças do passado dele já devidamente reveladas. Só faltava os editores da Marvel mostrarem o início de tudo isso: de onde ele veio, de quem ele é filho, e essas coisas que fãs gostam de saber para tudo se completar a contento (e as fichas técnicas que os nerds fazem de cada personagem ficarem completas).
Para isso surge a HQ Origem. Ela cumpre bem o papel para qual foi designada. Desmistifica totalmente o personagem, o colocando na pele de um menino doente, e simples (não tem jeito, vão ter pequenos spoilers) e transferindo toda a trama para uma bucólica mansão no interior do Canadá, habitada pela tradicional Família Howlett, ao invés de alguma guerra sangrenta, ou floresta marcada pelas leis de Darwin. Os primeiros diálogos são inteligentes, aproveitando a chegada de uma nova moradora da Mansão – Rose, o fio condutor da trama – para fazer uma breve introdução da história dos Howlett, bem como ambientar o leitor no clima da história.
Daí para frente, quase inacreditavelmente, vemos uma legítima história de crianças, mesmo que rodeada de tragédias, nos fazendo esquecer que estamos de frente para a origem mais misteriosa dos quadrinhos. Rose (que é amiga de James e de Cão, o primeiro o herdeiro dos Howlett e o segundo o filho do jardineiro) nos ambienta na história, anotando no diário as coisas que acontecem nos saltos temporais que a narrativa exige para ficar fluída. Após uma série de acontecimentos na mansão, Logan e Rose fogem para terras bem rústicas distantes. Nesse período ocorre a transformação definitiva do humano em animal, bem como seu desprendimento da única pessoa que amava: Rose. Desse estágio para o Wolverine definitivo foi um passo.
Falar de Origem sem revelar ao final o contexto de suas reviravoltas é um ato complicado. Algumas dessas mesmas reviravoltas soam meio forçadas, parecendo mais com armadilhas, ainda que empolgantes. A arte de Andy Kubert (e cores de Paul Isanove) ajuda, principalmente pelas capas quase monocromáticas, feitas em conjunto com Joe Quesada (editor maldito da Marvel), com seus tons delicados e traços rabiscados, mas ainda assim a trama não consegue sair do status de “cumprindo tabela”. É uma boa história, principalmente para quem esperou anos e anos para saber de que buraco Wolverine havia saído (e que com certeza já a leram), e nada mais!
Panini Comics, 2002
Roteiro: Paul Jenkins
Arte: Andy Kubert
150 páginas
Nota: 7,5