Todos sabemos que a Justiça brasileira é um paquiderme que se afoga em seus próprios problemas e lerdezas. Sabemos também que a lei não é igualitária, e que o trabalho Judiciário e a mídia, às vezes, precisa encontrar um alvo pra dar umas bordoadas e mostrar serviço, e que esses alvos nunca são os focos efeitos do problema. Isso é a Justiça, geralmente falha e afundada em uma lama de montes de recursos, liminares, habeas corpus, regras e exceções, como parece ser o padrão de como as coisas vão pra frente aqui nesse pedaço do mundo.
Mas existe um problema muito maior que a Justiça: o Legislativo. Por mais que alguns juízes e promotores queiram fazer alguma coisa, a Lei está lá, anêmica, inócua, velha. Se um juiz tem em mãos um caso de um velho pervertido que estuprou a neta por cinco anos e entende que ele merece perpétua, ele não pode fazer isso, pois a atual Constituição brasileira - escrita naquele clima de ressaca pós-regime militar - não permite isso. Ele ficará por lá no máximo 30 anos, e com algum esforço sai em liberdade logo por bom comportamento. É o tipo de coisa que nos faz forçadamente gostar daquelas frases do tipo: Sem problema, o maldito será currado na cadeia mesmo. Os constituintes que queriam proteger a nação da violência policial ao criar leis brandas, acabaram gerando uma raça de impunes que cospe em cima da lei. Ou pior: a lei criou juízes com super-poderes; presidentes de Supremo Tribunal que mandam soltar banqueiros reconhecidamente corruptos, menos de um dia depois da prisão dele ser decretada - e ainda persegue o juiz que deu a sentença de prisão, enquanto a mídia cai de pau em cima dele.
O grande problema é a forma como são feitas as coisas por aqui. Você olha o corpo mole do Congresso para aprovar o Ficha Limpa e entende como o sistema partidário brasileiro é uma coisa das mais ultrapassadas que você conhece. O Congresso parece uma rinha de galo, ou uma guerrinha entre iguais fingindo serem diferentes, em busca de mamar um pouco mais do leite que derrama por lá. Logicamente que dali não vai sair praticamente nada que possa sequer arranhar a diversão que a vasta maioria dos deputados tem no joguinho de interesses que eles chamam de política. E boa parte deles tem uma esperteza admirável, esperam o Brasil ficar com olhos vidrados em Dunga & os Bobos da Corte para fazer o dever de casa e aumentar o próprio salário um pouco mais. E outra: arranquem meu braço direito se me provarem que pelo menos 30% dos deputados lêem 30% das leis que aprovam - só excluam os orçamentos da lista, por favor.
Quem já viu uma sessão de alguma casa legislativa sabe do que estou falando. Uma vez, na Câmara de Deputados aqui de Vila Velha, vi um vereador vendo putaria num smartphone enquanto um outro vereador fazia uma leitura loucamente dinâmica de uma lei para ser aprovada. A coisa era tão descarada que podia se ouvir: “…todos-aquelesque-concordam-com-a-aprovação-permaneçam-comoestão…”. Vejam no vídeo abaixo (originalmente postado no Mundo Gump) um pouco disso, onde o CQC mostra deputados assinando - sem ler - uma proposta para incluir um litro de cachaça na cesta básica do brasileiro. Destaque para a atitude imbecil do último deputado, que além de ter assinado a proposta, ainda agrediu a equipe do programa e mandou um foda-se (a pena mesmo é de quem volta num sujeito desse, mas isso é outro assunto).
Eu poderia ficar escrevendo - de uma forma conceitual, escusa e introdutória - bem mais sobre a podridão estrutural da forma como as leis são paridas, me sinto bem à vontade fazendo isso, até aceitaria ser correspondente político por um ano ou dois, mas é melhor ir direto ao assunto: a tal lei dos blogs.
Está tramitando no Congresso uma projeto de lei de autoria do deputado federal Gerson Peres (PP-PA), que pretendo registrar todos os blogs. Os objetivos são dois: fazer com os blogueiros moderem os comentários de seus blogs, responsabiliza-los pelos comentários anônimos; e ainda identificar todos os blogs brasileiros, registrando o CPF, RG e o nome do proprietário no site Registro.br. Quem for contra a lei, pode pagar multa de até R$ 10 mil reais. De acordo com a notícia do Olhar Digital, a proposta argumenta que as medidas são necessárias devido à possibilidade de difusão de calúnias, injúrias e difamações por meio dos blogs. A regularização tentaria reduzir esses impactos na web.
Lindo, não?! É aquele tipo de medida que só afeta os que querem estar dentro da lei, e vai impedir calúnias ou o que quer que a lei queira combater, da mesma forma que DRM combate pirataria: de forma risível. Quem quiser atacar outras pessoas via internet, vai fazê-lo do mesmo jeito, com RG e CPF falso, da forma que todo o mundo sabe que existe. E os deputados esqueceram de um detalhe: a internet não tem fronteiras (TIM, deposite a grana do merchan na minha conta, por favor!). Alguém nitidamente mal-intencionado pode entrar no LiveJournal - uma rede de blogs comprada por uma empresa russa - e criar uma conta especialmente para difamar. Quem vai dizer que o blog é daqui e precisa ser registrado? E quem vai atrás de trocar idéia com russos para pedir para fechar o tal blog? Ninguém, deputados nem servem pra ficar sentados ouvindo relatores lendo leis. O indivíduo pode usar uma rede de proxys ou um serviço como o Tor e postar o que bem entender que dificilmente o Registro.br vai bater na porta dele. Ou ter um blog em Wordpress num servidor da Ucrânia e tá tudo certo, os donos do servidor vão olhar para as cartas mandadas pelo governo brasileiro - e olha que estamos admitindo que alguém mandou cartas -, rir e rasgá-las sem dó.
E outra: boa parte dos blogs são registrados. Qualquer um que tenha domínio próprio ou um site hospedado num servidor pago, obrigatoriamente tem que se registrar. Eu tô registrado. Quando um japa não muito feliz com um dos textos que escrevi há uns anos atrás me processou, a polícia não teve lá muito trabalho em mandar um oficial de justiça me entregar uma intimação - Eu olho pelo lado bom: podia ser uma fã minha querendo levantar a blusa e me mostrar as belezas da vida.
A real intenção disso tudo acho que vocês já entenderam: controle. E isso envolve tirar a liberdade de opinião das pessoas. Concordo que muita gente usa a internet para falar asneiras como se não houvesse amanhã… mas, da mesma forma, é possível uma pessoa imprimir um monte de panfletos com difamações e joga-los por aí; e nem por isso querem registro de todas as pessoas que fazem impressões em gráficas e copiadoras. Mas, não, a idéia é punir as pessoas até por coisas que elas não cometeram, como é o caso dos comentários, e nós já devíamos estar acostumados com isso nessas terras em que os gritam e falam a verdade são calados a força. Bom, Eu não vou moderar comentários, que arranquem meu dinheiro, não tenho nada mesmo. Se achar que alguém se excedeu ou escreveu idiotices nos comentários, farei como sempre faço: apagarei depois. Mas, confio no público do NSN, esse tipo de coisa não acontece por aqui, ainda mais sem os anônimos (desses não precisei de lei para me livrar).
Enfim, mais um projeto infeliz e vergonhoso que surge no país do foro privilegiado e do deputado que esquartejava seus opositores com uma motosserra antes de mata-los (que esse desgraçado esgote seus dias na pior cadeia possível)… uma nítida mostra de como esses grande parte desses seres legisladores só pensam fazer leis benéficas a integridade das próprias bundas.
11 Comentaram...
PP-PA. Alguém esperava coisa diferente?
Ok, confesso que não muda muito de um partido pra outro. Em alguns casos não muda nada, mudam os políticos de um partido pra outro. Mas vamos combinar que pra realmente fazer uma lei que impedisse, sei lá, o bullying na internet, seria difícil? Exigiria muita sagacidade pra pensar em salvaguardar as liberdades individuais garantidas pela constituição (e aí se inclui a de expressão ) com alguma coisa que impedisse os excessos. E sagacidade e inteligência não são os atributos pelos quais os políticos são mais conhecidos.
Aliás, cadê liberdade de expressão com aquela outra lei que proíbe a apologia ao crime? Sério, pq se eu quisesse montar uma ditadura no Brasil, bastaria passar uma lei dizendo que votar é crime. Ou que não ser do meu partido é crime. Não se poderia advogar o contrário, porque seria apologia ao crime.
Super-democratíco, né? Pol Pot se rasgou de inveja.
Vai na fé, irmão.
Se eles começarem a se incomodar com o nome, é só usar um avatar, cpf falso, rg falso, vida falsa. É um absurdo essa história de tentar controlar a internet. Eu não sei se eu me divirto, ou fico preocupado com o pouco conhecimento que os nossos deputados e senadores tem da internet.
Velho. Eu não estou pedindo para eles entenderem como funciona a internet em seus detalhes, eu só quero que eles tenham uma noção da merda que eles querem. Controlar a internet equivale, nos dias atuais, a controlar boa parte do mundo.
Parabéns pelo texto. É o tipo de coisa que se lê e mantém viva a vontade de por ordem na casa.
Falou e disse!
Foi ridícula a novela que fizeram com a votação da PEC 30, tiravam-na seguidamente da pauta. Um deputado ainda disse que não era possível votá-la "nesse curtíssimo tempo".
Aí me aparece um projeto desses, que quer censurar uma das únicas fontes de informação sem manipulação.
Eu vou ali na Praça da Sé e compro um CPF por 5 reau, registro o blog no nome de um lara e já era.
Adeus PP-PA, Gerson Perez maçon 33 grau, sionistas e gays preocupados com a liberdade da internet.
Viva a malandragem.
É por isso que nunca meu nome real foi digitado em um keyboard, não por mim.
Se não der certo, compro uma impresora por 100 reau na rua dos andradas e imprimo meus panfletos atacando quem eu quiser. Isso ninguem vai censurar.
Mas pensando bem, este é o futuro, vão acabar com a internet mesmo, aqui só vai ficar babaquice, frivolidades e cultura pop, não vai levar muito tempo pro pensamento ser escurraçado daqui.
Só vai ficar babaquice tipo votem na Dilma e José Serra salve o Brasil, e as pessoas vão achar que tem liberdade.
Esse é um dos motivos que eu nem ligo mais pro meu blog, tá jogado as traças pq eu percebi que é uma grande perda de tempo.
Essa viadagem de "bulyng virtual" que as bichinhas inventaram agora.
Nessa lei, já começaria bem ferrado... Meu blog não fica no Brasil (nennhum que esteja hospedado no blogger está hospedado no Brasil), o dominio do meu blog é .com, ou seja, sem registro.br e não tenho CPF e muito menos RG...
Quanto ao projeto, ele é ridículo e inútil.
Quanto ao deputado, espero que ele morra da mesma forma, sendo esquartejado por uma motoserra, queimado por ácidos, com pregos na cabeça....tudo que ele fez com os outros.
Não concordar com a pena de morte (tá bom, a civilizada!) é idiotice!
Surge qualquer notícia relacionada ao controle da net e o pessoal já começa a chiar: "é o fim da liberdade na internet", "o pensamento vai ser tirado daqui"... Blábláblá... Não é por nada não, mas acho que vocês estão sendo meio dramáticos demais. Até parece que nunca teve um projeto de lei parecido com esse antes.
Vai ficar tudo na mesma, como sempre.
Vocês já leram o livro (ou o filme) "1984" de George Orwell?
Isto se chama vigilancia de comportamento!
É o Big Brother!
((( www.libertar.eu )))
Nos países comunistas, os políticos assinam rotineiramente esse tipo de projeto de lei contra as liberdades individuais e SABEM muito bem o que estão assinando.
Mesmo assim são apoiados por ativistas de classe média nos países capitalistas.
Vai entender, né...
Huum tá, mais blá, blá, blá, sobre segurança na internet. Eles não podem te proibir de postar o que você pensa, mas tem que ter uma segurança porque se surgir algo mais grave pode ser melhor contralado (tá até parece que isso vai acontecer, no maximo eles só resolvem depois que algo de ruim acontece).
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