Entre os caras que costumam empregar alguma quantia de grana - e tempo - com games, existe um grupo discreto de jogadores habilidosos que vêem nos jogos eletrônicos um pouco mais que algumas horas de diversão. Eles enxergam Arte Vanguardista e Moderna no apertar de botões, um modo de vida, uma ferramenta de socialização. Eles são como um subgrupo entre os que jogam videogames... eles são os gamers, ou a Maçonaria Gamer – e recentemente eles se autodenominaram Os Hardcore, Herdeiros dos Verdadeiros Games e Odiadores de Jogos Casuais, e outros nomes que você deve ter ouvido por aí. Tais caras se autodenominam invencíveis, passam o dia - e geralmente a noite, já que eles geralmente trabalham pra sustentar o vício - destrinchando games e engordando um vasto currículo de jogos zerados. Quando já têm pelo menos uns cinco anos que jogam com videogames em casa, eles têm alguma especialidade; um jogo em que se consideram invencíveis. À partir desse momento eles assumem os controles desses games e passam a ter um olhar superior e um nariz empinado que somente um integrante de alguma tropa de elite ultra-treinada em alguma forma de combate letal possui.
Esses distintos jovens e senhores têm uma linguagem praticamente própria, que usam para se comunicarem secretamente à parte do mundo. Marcam seus rankings mais valiosos e os distribuem por fóruns gamers internet à fora com o único intuito de tirar uma onda com os fracos e mostrar suas capacidades. Eles geralmente são seres normais em suas aparências, mas alguns são pessoas grotescas, gordas e cabeludas, que gastam mais tempo apertando botões do que estudando, trabalhando, comendo, tomando banho ou se socializando. Mas não se engane, apesar de serem todos mais ou menos parecidos, existem diversas facções briguentas nessa Maçonaria Gamer. Alguns defendem a Sony, outros a Microsoft, e outros a Nintendo. Dentro desses grandes grupos, existem subgrupos infinitos que mudam de lado quando convém. Alguns são fãs incondicionais dos games japas, outros dos jogos indie. Alguns dizem que os JRPGs são os melhores, enquanto outros vêem a Bioware como o futuro. Existem ainda outros que não estão nem aí pra essas guerrinhas meio sem sentido e só querem saber de aprimorar suas habilidades.
Eu sou da Maçonaria Gamer. Jogo desde meus cinco anos em um Top Game que meu primo me vendeu. Aos seis comprei (ou minha mãe comprou, se preferir) meu Atari 2600 e daí nunca mais parei. Depois de uns anos foi um SNES, depois um N64 e agora um Wii. Meu irmão lutava do outro lado do front: teve dois PSOne, um Dreamcast, e um Xbox - e hoje joga num PC montado por ele. Sim, já tive uma lista pra tirar onda com as dezenas de games que já zerei (preciso encontra-la para digitar tudo que está lá), já fiquei mais de 30 horas jogando sem parar (pausei o game - era Ocarina of Time - por alguns minutos para almoçar), e sou invencível num game.
Já tem mais de 10 anos que não perco uma partida sequer de International Super Star Soccer 96. Eu tinha uma bizarra versão nacional, conhecida como Campeonato Brasileiro 96. Não, ninguém me ganhava ali, e até o momento não conheço alguém que me ganhe. E como o jogo é por demais antigo, acho improvável que nasça alguém que me vença. Meu primo treinou por oito anos; Eu praticamente dei o game pra ele ficar treinando, ele jogou por anos ininterruptos, me chamou pra um desafio... e apanhou homericamente. Ele até fazia alguns gols no primeiro tempo, mas no segundo tempo Eu mudava a direção do jogo, não tinha jeito. Eu sei todos os macetes, todos os caminhos, sei fazer gol de tudo que é jeito por lá, e mesmo ensinando passo-a-passo a qualquer um, creio que ninguém aprenda como Eu aprendi. Sim, sou como um Deus dos Campos de 96, já ganhei diversas apostas e por um tempinho o jogo foi minha fonte de renda - até massacrei um cara por 8 x 1 com apenas oito jogadores meus em campo.
Acredite, não é tão deprimente quando são seus parentes jogando!
Mas, mesmo com um currículo desses, e conhecendo gente que joga muito mais tempo e com muito mais habilidade que Eu, testemunhei uma solapada no poder incontestável da Maçonaria Gamer. Levei meu Wii um fim de semana dessas férias pra casa do Bruner e do Humberto para os pais deles (e nós) se divertirem um pouco. Claro que o game escolhido foi o já clássico WiiSports. Começamos com Tenis, mas como ele não é lá muito divertido e exigente, passamos pro Boliche. Foi ali que o milagre aconteceu.
O Bruner e Eu éramos os mais graduados ali na sala, com milhares de horas desbravando mundos e detonando tudo a frente nos mais variados games. Parecia uma lavada, além de uma oportunidade para mostrar que esse lance de games para todos é só balela de comercial de TV. Mas os programadores da Nintendo foram especialmente sádicos com os maçons gamers aqui: nós levamos uma surra, mesmo de gente que praticamente nunca tinha jogado videogame. E não foi sorte de principiante não, foi algo cíclico, do tipo perdemos a noite toda, de forma que seria considerada vergonhosa. Na verdade, o lance foi tão estranho, que uma espécie de inversão aconteceu: aparentemente, quanto menos games a pessoa tinha jogado na vida, maiores as probabilidades dela se dar bem no bendito jogo de boliche. E os placares nunca se mantinham estáticos, apesar de demonstrarem tendências.
Após algumas horas jogando, o Pai e a Mãe do Bruner e do Humberto, e a namorada deste último, já estavam tecendo estratégias com relação a posicionamento e força com que a bola deveria ser jogada, tudo após rolar uma contestação quanto a qualidade das mecânicas do jogo. Isso com certeza jogou uma nova luz quanto ao que Eu mesmo pensava acerca de WiiSports. Parecia simplesmente uma divertida mexeção de joystick pra cima e pra baixo apertando B e pronto, mas após algumas horas de jogatina - repito: apenas no Boliche - a jogabilidade atingiu outro patamar. Com todos sabendo exatamente como as coisas funcionam, a competição ganhou níveis de jogabilidade que Eu nunca havia visto nos games. Ganhava não os que tinham dedos nervosos, ou um controle do analógico com precisão cirúrgica, mas o que melhor sabia equilibrar força e o fator "braço reto" - que inventamos na hora.
Talvez essa inversão de papéis - gente acostumada a detonar... perdendo miseravelmente - seja uma das fontes do ódio de muitos gamers ao Wii. Ver mães, pais e avós jogando (e vencendo, o que deve ser uma das coisas mais humilhantes na escala de coisas humilhantes a acontecer com um gamer) deve realmente ser o tipo de coisa preocupante para uma classe dominante sobre uma forma de entretenimento por umas três décadas. A inversão causada por aquelas partidas de boliche foram tão fortes, que Darwin provavelmente colocaria WiiSports como uma pequena exceção a sua teoria. Eu evoluí com os games, não jogo fodasticamente bem, mas estou muito acima de praticamente todas as donas-de-casa do mundo.
Mas, não em WiiSports. Parece que ali a crueldade com os gamers "genuínos" foi violenta. Não via gente rindo da minha cara daquela forma desde que fui massacrado numa lan house após muito tempo de ferrugem em Counter Strike, há uns bons dois anos atrás. Mas ali foi tudo pior: se somar as horas de videogame dos que riam, provavelmente não passariam das minhas 100 pra destrinchar sete finais de Chrono Trigger. A atitude de qualquer um frente a um episódio desse seria a repulsa. Como assim, titios acham que podem comprar videogames e nos humilharem em nosso próprio território? Mesmo sendo WiiSports, ainda assim aquele papo de sou o melhor nisso não vai mais colar, afinal eles não vão ouvir seu argumento que você é um guerreiro de 54º level no World of Warcraft, ou que pegou 120 estrelas em Super Mario 64. Já era, aquelas partidas de boliche são como uma mancha de limão ao sol na roupagem da sua reputação gamer. Seus parentes todos vão ficar sabendo em poucos dias, e alguns deles vão dizer que são melhores que você, enquanto você mata terroristas em Modern Warfare 2.
Mas, Eu fiquei feliz. Um pouco abalado com essa quebra de lei de Prática e Perfeição (por mais que Eu treinasse, não ganhava, e ficava uns 10 pontos abaixo do recorde estabelecido pela mãe do Humberto/Bruner), mas feliz. Parece que a Maçonaria Gamer tem um território onde não domina, ou, ao menos, onde sua supremacia parece não valer muita coisa, a menos que se esforce violentamente. É como reaprender totalmente a jogar. É como voltar um pouco à realidade e ver que as habilidades com games estão latentes em qualquer pessoa, e não exclusivamente em seres que destrincham videogames desde a infância. Também me alegra ver o vício em seres que estão fora do que rotulou gamer. Ouvir de nossos parentes que nem sabiam direito o que era videogame, o clássico Só mais essa, Mais uma e desligo e outras coisas que respondemos automaticamente enquanto controlamos Samus Aran em Chozo Ruins, é uma coisa extremamente gratificante, acredite.
Fora isso, o Wii ainda trouxe de volta a experiência multiplayer REAL. Sim, internet é uma maravilha, mas aposto que 9 entre dez gamers trocaria suas horas de jogatina online por uma partida offline cheia de amigos que gritam mais que técnico de futebol com o time apanhando. Eu vi naquele momento de WiiSports uma moderna volta a esses momentos loucos, que não vejo parecidos desde que explodia amigos com uma rocket launcher em GoldenEye ou em Counter Strike dentro de uma lan house tosca. Os games evoluíram, com certeza, mas na ânsia por serem cada vez mais caros e desenvolvidos tecnologicamente, acabaram por perder, em parte, o que tornava-os tão divertidos. Fazer interações com máquinas e suas IA superdesenvolvido é legal, mas jogar ao lado de um humano é melhor, com certeza.
Esse é outro dos motivos para chefões da Sony dizerem: Somos os segundos em venda de console, pois a Nintendo corre por fora, criaram outro mercado. Se em parte declarações como essa soam como gente poderosa tomando uma martelada no dedo e dizendo que se deixou ser martelado pelo fato de serem muleques que fizeram isso, olhando por outro lado faz um pouco de sentido. Mas o lance é que a Nintendo não mudou em nada os games - eles continuam sendo um software que você interage usando um um joystick através de um console -, apenas alterou em primeiro plano o direcionamento que esses games teriam. E é aí que está a vitória deles!
Se com Mario 64 e os primeiros jogos do Game Cube a idéia era alimentar a Maçonaria Gamer, com o Wii, foi a vez dela apanhar um pouco, e chorar no campo de batalha dos joysticks. Eu achava tudo isso bonito na teoria. Era a Nintendo, uma das empresas que mais prezo no mundo, apesar de certos defeitos, mostrando que não existia esse lance de gamers e não gamers, ou ao menos que a linha era um pouco mais tênue do que se pensava. Havia chegado a hora de tornar todos potenciais gamers. Na prática, em um mísero dia, tudo se confirmou para mim. Ao menos a primeira parte que dizia que titios podem ter tanta habilidade gamer quanto nós, os maçons-jogadores, desde que devidamente estimulado, e com jogos divertidos para eles.
Bom, mas mesmo nesse ambiente altamente pantanoso, um gamer de verdade ainda VENCE. Tanto que venci a última rodada de boliche do domingo após homéricas surras no sábado - mas o recorde ainda ficou com o Humberto, depois de ficar mais de 24 horas com a mãe dele. A inversão foi tão grande que não fiquei com dedos esfolados, mas sim com as pernas, ombros e coxas.
Em algum lugar, Miyamoto - tomando um saquê com Satoru Iwata - ri!
11 Comentaram...
Pois é meu amigo, senti na pele o que vc sentiu. Não me considero um gamer hardcore apesar de jogar há mais de 25 anos no meu primeiro Odissey. Passando por todas as gerações sem pular nenhuma, me considero sim, um amante dos games. Tenho um Wii há 3 anos, quando o bichinho tinha saído do forno a poucos meses e senti nele uma nova geração de verdade. Não sou "ista" de jeito nenhum, mas sempre tive uma queda pela Nintendo. Tanto que sempre corri para o lado dela. Confesso que hoje jogo mais no meu PS3, já que as partidas com os amigos reais se tornaram escassas, visto que todos tem suas obrigações. Mas realmente, nada se compara à jogatina e à gritaria com jogadores reais, ao seu lado, tirando onda da sua cara, jogando WiiSports ou Mario Kart. Apesar da Nintendo ter seus altos e baixos, ela sempre foi Nº1 em diversão.
Cara, eu sou um gamer, mas ainda não to nessa maçonaria.
Não por querer ou não, simplesmente pq se eu viciar 10minutos a mais por dia, minha esposa me mata.
Experimenta pegar umas pingas, um Wii e uns amigos. Suas festas nunca mais serão as mesmas.
Excelente texto FiliPêra! Apesar de discordar um pouco de alguns apontamentos devo dizer que ele foi muito bem escrito, cômico e preciso na medida certa.
E já que vc falou deles, o que houve com o HumberTêra e o BruNêra?! Já faz um tempo que não vejo postagens deles por aqui.
"Campeonato Brasileiro 96" manoooo! É o único jogo de futebol que tive saco pra jogar e estranhamente tá na minha lista de jogos favoritos!
AEUhaeUHeaUhuEAHeae
Cara, vcs devem ser mto ruins! uehahaehue
Eu tenho um wii, e o q eu tenho notado eh q embora os jogos casuais aproximem (MTO) os jogadores casuais e os gamers, os gamers ainda levam uma vantagem. Eu, por exemplo, peguei todos os macetes do boliche e consigo fazer 300 pontos (o máximo, fazendo todos os strikes), então pouca gente me derrota.
É claro que de vez em qndo aparecem umas surpresas (minha vó me humilhou recentemente), mas eu continuo achando que a pratica é recompensada com habilidade.
Sh007ter
"pouca gente me derrota.
É claro que de vez em qndo aparecem umas surpresas (minha vó me humilhou recentemente), mas eu continuo achando que a pratica é recompensada com habilidade."
POWNED!
Eu já joguei Wii, e foi bastante divertido.
Tenho dúvidas, porém, do quanto desta diversão pode ser atribuída ao Wii. Cá entre nós, se estamos entre amigos, até uma partida de jogo-da-velha pode se tornar o máximo.
Ainda prefiro jogos que possuam uma arte por trás, que deixem o jogador envolvido e maravilhado através de uma sequência de imagens e de apertar de botões.
Acho que a minha maior birra com jogos casuais é que eles tentam simular a vida real, mas ainda assim a realidade me parece mais interessante.
Quer ouvir uma pior do que esta para um gamer:
meu pai, com mais de 60 anos de idade, e cujo ultimo jogo que havia jogado era Frogger do Atari, resolveu comprar um cartucho de Mega Drive.
Chegou em casa com Side Pocket, um jogo simulador de sinuca. Viciou.
Eu e meu irmão nos vimos na estranha situação de ter que dividir o tempo de game com meu pai!
E no fim, o que nunca imaginamos: o véio virou o jogo!
Até hoje eu (que já virei mais de 100 jogos só pra SNES) não consegui virar e ele virou depois de pouco tempo. E também, fiquei feliz em ver que os games dão certo com pessoas que não são gamers, é só eles encontrarem ali diversão, que é o objetivo real dos games afinal.
Isto foi em 1990, aproximadamente.
Hoje o velho está viciado em Tetris, que comprou em um portátil. E já está invencível no jogo.
Muito legal esta constatação na nossa vida.
E muito boa a matéria, como sempre.
Té.
esse negócio de gamer hardcore é deprimente, geralmente o termo é usado por molequinhos de 12 anos que começaram com o playstation e se acham hardcore por causa disso, é um termo ridículo em sua natureza, como se games não fossem feitos para divertir seus usuários..
Kra muito legal essa matéria, eu me considero um GAMER hardcore, tenho 31 anos e jogo desde dos 5 anos, praticamente todos os dias. Na década de 90, eu e meus primos eram temidos nos fliperamas principalmente nos games street fighters, como na série marvel vs Street, marvel vs capcon, dava aqueles combos insanos nos adversários. Bem também tenho uma gama de emuladores, de atari, master, mega drive, nintendinho, n64 e por aí vai. Juntando tudo tenho mais de 8 mil jogos. Ainda termino clássicos como contra do NES, moon walker do Master,Mario 64, mais meu forte são os games de LUTA fico horas na sala de treino criando combinações de combos.Minha vida gira em torno de games, e tudo faz alusão aos games, e quem é gamer entende entre as linhas então concerteza faço parte dessa MAÇONARIA .'. GAMER.
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