[Aviso: este texto contém spoilers sobre Lost, e caso você não tenha assistido até o quinto episódio da quinta temporada, e não esteja a fim de conhecer detalhes que ainda não assistiu da série, passe para o próximo texto]
Termino de assistir o quinto episódio da sexta temporada de Lost, e infelizmente constato que a explosão cerebral que os episódios da temporada anterior me causavam, cessaram. A série ainda consegue manter seu esplendor insano que nos leva a formar inúmeras teorias, no entanto, rolaram mudanças drásticas nessa que é a sua derradeira temporada, e o que deveria ser uma fonte de respostas para a orgia de mistérios apresentados até o momento, acaba virando algo enfadonho. Parece que, justamente nessa reta final, alguma coisa errada tá acontecendo: as explicações bem construídas e os capítulos com narrativas fluídas da quarta e da quinta temporada inventaram de desaparecer, e deram lugar ao velho esquema enjoado de encher a trama de flashbacks longos, com um personagem à frente de cada episódio... e se apoiar somente no apelo de uma realidade alternativa, e na luta milenar entre duas entidades pra prender nossa atenção. O quinto episódio foi uma espécie de gota d'água intermediária: ele é centrado em Jack, e serve pra reforçar que o maldito doutor é um grande idiota e deveria ter morrido no lugar de Mr. Ecko - ou do Rodrigo Santoro, por mim tanto faz, contanto que ele não fizesse as jackices dele.
O conceito e a fórmula de Lost são relativamente simples, mas nem por isso fáceis de serem construídos. Desde o primeiro capítulo da primeira temporada, já deu pra sacar que estávamos diante de uma série que se basearia no mistério, e desde lá ela se manteve fielmente seguindo o trilho traçado em seus primeiros minutos. Deixar os espectadores no escuro, e armar um vasto e intrincado quebra-cabeças - e utilizar ARGs, e uma boa dose de hype em outras mídias pra jogar isso na estratosfera - com certeza ajuda a minimizar os pontos fracos da série, como seu excesso de personagens (vários deles mal construídos e inúteis) e sua inconstância na qualidade dos capítulos. Querer saber o que vai rolar à seguir - com as unhas ruídas, e os nervos tensos, muitas das vezes - é o que segura toda espécie de fã e simples apreciadores de boas obras de entretenimento na frente das telas, religiosamente. É como as narrativas da maioria dos jogos de videogame, que estimulam os gamers a seguirem em suas jornadas em troca da gratificação de saber o que vem a seguir. Tal esquema, apesar de bastante eficiente, acaba por ter suas falhas.
Admitamos: mesmo sendo uma série de excelente qualidade, Lost é tão irregular quanto os gráficos de um eletrocardiograma. Lembro que na terceira temporada quase a abandonei, era por demais chata, com vários episódios sofríveis. Isso depois de termos que engolir a fraqueza da segunda temporada. Parecia que todo o mundo ali estava perdido. O lance é que no fundo, no fundo, essas temporadas irregulares tiveram lá sua regularidade: nos entregavam bons capítulos iniciais e finais. O meio delas geralmente era um saco, pra ser bem sincero. Mas geralmente aceitávamos numa boa, afinal os episódios que fechavam a temporada eram realmente espetaculares.
Mas parece que algo mudou justamente na quarta temporada. Na verdade, o início da quarta foi a consolidação de um aumento de qualidade que rolou na terceira, após o intervalo causado pela greve de roteiristas. Para alguns pareceu uma evolução natural na temática da série, ou o fato dos produtores terem tomado vergonha, mas Eu encarei de forma diferente. Quem saca de quadrinhos e procurou estar por dentro dos bastidores da série, soube que um mestre das HQs acabara de subir à bordo como roteirista de Lost. Quem não leu os créditos iniciais, provavelmente não soube que Brian Vaughan era o novo roteirista e produtor da série, e foi aí que ela abandonou seus principais pontos fracos.
Brian é um dos mais badalados autores modernos, e não à toa. Sua veia sci-fi provavelmente deve ter deixado J. J. Abrams com uma intensa vontade de chama-lo pra ajeitar as coisas que estavam saindo dos trilhos em sua mais importante criação, fora a audiência caindo pela metade. Ter escrito Y - The Last Man (que Hurley aparece lendo num episódio da quinta temporada) e Ex Machina, com certeza o gabaritavam para salvar Lost. E posso dizer que ele foi um dos salvadores da saga dos perdidos na ilha, e a transformou novamente em algo que todos esperavam.
Não sei como as coisas rolam especificamente com Lost, mas tenho certeza que J. J. Abrams não é a fonte de toda a genialidade que você viu até hoje na série. Ele, Carlton Cuse e Damon Lindelof, provavelmente tinham uma idéia muito boa da direção para onde as coisas seguiriam, mas não são eles que escrevem cada capítulo, cada detalhe de cada episódio, e é aí que entram os roteiristas. Abrams é como o presidente de uma empresa multinacional, e os diretores são os chefes de setor, que dirigem as linhas de produção. O presidente é o responsável pelo planejamento global num nível estratégico, mas são os chefes de setor que são os responsáveis por traçar as diretrizes que farão a empresa chegar ao lugar desejado.
E Brian Vaughan foi o mais importante chefe de setor que a série teve. Você nem precisa ir na minha onda, assista a terceira temporada até o intervalo, e a compare com a quarta. A terceira só se salva nos seus quatro últimos capítulos, após se revelar um mar de incostância entediante. Já a quarta, mesmo não sendo perfeita, é muito mais fluída e não precisou ficar plantando mistérios a cada dois minutos - mistérios acompanhados por aquela crescente musiquinha que todos devem conhecer. O tédio foi substituído por explicações, e os fãs foram à loucura, não à toa. Veio a quinta temporada... e bom, foi a mais espetacular da série, e jogou na fossa qualquer nostalgia que os fãs poderiam ter. Se alguém fizer uma lista de melhores episódios que a série teve até hoje, com certeza metade seria da quinta, e uns 80% da quarta e da quinta, inclusive The Constant, o preferido por quase todos os fãs de Lost, e que não foi creditado a Vaughan. Foi uma mistura explosiva de linhas narrativas intensas, somadas a explicações sobre o passado da Dharma, juntamente Os Outros e mais um monte de coisas que só vendo umas três vezes pra poder sacar. O conceito de linha temporal foi completamente despedaçado, e a temporada teve quatro delas, em épocas diferentes, com personagens diferentes, e muitas vezes interagindo entre si, e influenciando suas próprias linhas temporais. Mesmo que para alguns as inúmeras viagens no tempo tenham soado forçadas, não tem como não deixar de classificar a quinta temporada como um orgasmo de roteiro bem feito, além de possuidora de um ponto que outras temporadas não tiveram: em nenhum momento sequer chegou a ser enfadonha.
Tudo se encaminhava para a mais explosiva e intrincada temporada de uma série de TV americana. Era o fim, o derradeiro fechamento de um quebra-cabeça que por anos fundiu a mente de fãs no mundo inteiro, e foi responsável pelas teorias mais loucas possíveis. Mas os cinco primeiros episódios indicaram que algo bizarro estava rolando. O mar de chatice voltou, assim como as velhas fórmulas da série. Não que a série estivesse (ou esteja) ruim, mas infelizmente está muito aquém do que se espera da temporada final de uma das melhores séries americanas dos últimos tempos. Era como estar numa ladeira com a pista completamente livre, e decidir dirigir a 20 km/h.
Descobri o motivo dois dias depois: Brian Vaughan, meses antes, havia decidido deixar a direção dos roteiros da série. "Creio que já dei minha contribuição a Lost", disse ele numa entrevista ao Newsarama. Lindelof disse que ele estava indo para "gramados mais verdes", e logo depois, o próprio Vaughan disse que estava se aproximando de Olivia Munn, a musa nerd que trabalha no G4TV - juntando as duas declarações, entendi que podia tá rolando sexo na parada, mas isso é outro assunto. Não sei se ele tava sem idéias, a fim de fazer uma nova série de quadrinhos, com medo de cagar tudo na temporada final, descontente com algum produtor, sei lá, mas a carreira dele no posto de escritor dos rumos da série não por acaso esteve sincronizada com o aumento de qualidade dos episódios.
E junto com a série, a própria carreira dele evoluiu. Quando foi contratado, ele ocupou o posto de produtor-executivo e roteirista. Durante a quarta temporada, ele alçou o posto de roteirista e co-produtor, e tudo foi excelente. Já na quinta ele ocupava o cargo de roteirista-chefe e produtor geral da série, se tornando a figura mais importante na linha de produção. Pode-se dizer que estava de igual pra igual com o próprio Abrams em importância nos rumos de Lost. Mesmo não podendo dizer com toda a certeza que ele foi O responsável pela qualidade de Lost em suas duas melhores temporadas, creio não ser coincidência que o tempo em que ele colocou sua genialidade à serviço da série, ela foi estupendamente empolgante... e agora que ele saiu, o marasmo retornou.
O principal acréscimo que Vaughan pode dispensar a Lost, foi dar a ela um ritmo novamente empolgante. A segunda e a terceira temporada tiveram lá seus méritos - iniciar o esquema de flash forwards foi um deles, mas ter um ritmo ágil não foi. Em alguns momentos me parecia claramente que todos não sabiam para onde ir, e isso não rolou novamente nas temporadas posteriores. Mesmo que a sexta dê impressão de ter um final espetacular, a questão ritmo realmente ruiu - e não só porque eles deram um precioso episódio para o irritante Jack. Os dois primeiros episódios da sexta - colados num só - foram relativamente bons, mas à partir daí a idéia de introduzir os temas que serviriam de base para a apoteose que será a batalha entre Jacob (não tão morto assim) e Locke Fumaça Negra, acabou truncando o andamento da série. Por mais fodões que sejam os conceitos sci-fi e sobrenaturais de Lost, ela ainda é uma série de entretenimento para as massas, e falhar no ritmo é um problema grave.
Mas, logicamente existe uma salvação pra isso, que funciona em diferentes níveis: ter bons finais. Ter bons finais a cada capítulo e um mega final no fim da temporada é o bastante para a série ser lembrada para sempre como excelente. Quem começa a se envolver com os mistérios de uma temporada que seja, provavelmente terminará de vê-la, e isso se deve a habilidade dos roteiristas de produzirem cliffhangers interessantes ao final de cada capítulo. Manter os espectadores tensos, e à espera de um final, pode denotar preguiça de produzir uma trama realmente foda, mas com certeza é uma fórmula que funciona. Mesmo que todo o recheio da série seja insosso, como podemos acompanhar por diversos momentos ao longo de todas as temporadas! Somos como cachorrinhos rolando e se fingindo de morto à espera do osso que com certeza será jogado para a gente no final. Por duas temporadas não foi assim, Vaughan nos lançava carne de primeira - e não ossos - a todo o momento, mas posso dizer novamente estão curtindo com a nossa cara, e quem tava acostumado a comer carne de primeira direto, não quer rolar pra ganhar um osso no final de tudo.
Não sei o que será de Lost daqui pra frente e nem tenho nenhuma teoria especialmente brilhante na cabeça - há quatro dias assisti o sexto episódio, e o acho especialmente foda. O sétimo está no meu HD, mas ainda não vi - mas digo que ainda confio no caminho que traçaremos daqui pra frente, mesmo estando ciente que a inconstância de qualidade prosseguirá…
10 Comentaram...
So digo uma coisa: Assista o setimo episodio.
No início desta temporada, achei a realidade alternativa uma coisa de gênio, afinal não tinha como voltar aos flashbacks ou flash forwards...
Mas infelizmente essa realidade alternativa não tem acrescentado muito ao universo Lost, são trechos desconectados do que está acontecendo na ilha.
Não reclamo da disputa entre Jacob e a Fumaça, porque estou na expectativa de uma boa conclusão desse mind game, mas concordo que estão colocando água no meu chopp...
Creio que há algo de semelhante entre a obra prima de Brian K. Vaughan (até então) Y: The Last Man e Lost.
Tanto Lost quanto "Y" foram construídos através de muitos mistérios. E todos que leram a HQ de Brian K. Vaughan sabem que nem todos os mistérios foram respondidos. Bem... Pelo não de forma didática.
Mas aí é que está a diferença entre as obras. Enquanto que em Lost, se isso acontecer, os fanboys irão amaldiçoar a série para todo o sempre, os fãs da HQ de Vaughan parecem não terem se importado muito. O motivo?
O argumento que desde o primeiro número te prende de tal maneira que é impossível você não querer saber como aquilo irá terminar (aconteceu um pouco com o episódio piloto de Lost).
A trama fluindo de forma perfeita, roteiro e personagens bem construidos.
Aliás, como dito no post, ao contrário de Lost, Y: The Last Man conseguiu o que nenhuma outra HQ (talvez Preacher) conseguiu causar em mim. Desenvolver personagens tão bem ao ponto de fazer emocionar (quem leu sabe o que eu estou dizendo).
Mas enfim... É sobre Lost o post, certo?
Não sei se o problema dessa última temporada é somente o ritmo, pois se tornaria algo maçante assistir 17 episódios somente com ação.
Mas entendo o que você quis dizer em seu post FiliPêra. Entendo que não é hora de mais mistérios.
E essa irregularidade - episódio bom, episódio mais ou menos - realmente incomoda.
Bem... Pelo menos agora, parece que as coisas estão começando a melhorar. O último episódio foi realmente bem emocionate. (sem contar que o penúltimo - 6° - teve toda a ação esperada pelos fãs de Lost).
Só uma dica (que todo mundo já deve conhecer): Dude We Are Lost
E o grande problema da sexta temporada se chamava Dogen. Era um personagem muito chato. Ninguém se interessou por ele ou pela história dele (eu ouvi Paulo e Nikki?). Aí pareceu tudo uma grande enrolação.
SPOILER
VOCÊ FOI AVISADO!!!
O grande problema é que não existia como colocar o personagem originalmente pensado pra função de Dogen (líder dos outros no templo), porque não queriam matar o Alpert tão cedo. Então inventaram esse personagem descartável.
Mas eu concordo quando dizem que, quando bem escrita, até uma trama completamente sem pé nem cabeça se torna interessante. E o contrário também é verdade: Uma trama com um plot muito interessante pode acabar tendo um desenvolvimento pífio. A atuação também conta muitíssimo, por isso que desde que todas as vezes que o Ben entra em cena o episódio melhora.
A coisa que mais tem me irritado nessa última temporada nem é o fato de não darem respostas e continuarem criando mistérios, mas sim as respostas bestas pra certos mistérios que estão aí desde a primeira temporada. Dois desses casos são os números, que achei bem idiota a explicação e agora no episódio 7 quando o Richard conta porque não envelhece. A explicação que ele dá eu já sabia há muito tempo, queria explicações mais concretas e interessantes.
Mas mesmo com tudo isso, mantenho a esperança de que o final vai ser foda pacaralho.
Falando em Y - The Last Man, vale lembrar que o último número dessa HQ não deixou tudo devidamente explicado.
Na verdade, o final de Y é quase que completamente aberto. Pouquíssima coisa é explicada.
Do meu ponto de vista, aidna tá difícil reconhecer o valor de cada episódio em cada temporada. É como se eu tivesse a visão de cada tijolo mas ainda não consigo enxergar se a junção deles todos forma um castelo magnífico ou uma gambiarra arquitetônica. Acredito que muitos capítulos chatos devem fazer bastante sentido se forem vistos novamente. Mas talvez seja só uma crença minha. Assim como creio que o final vai ser punk.
Texto magnífico, sem mais!
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