terça-feira, 17 de maio de 2011

Avatar FiliPêra

[Capetalismo Addendum #3] Trabalho Interno

 

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O dinheiro foi para o paraíso (…)

O ciberespaço é nossa versão do paraíso!

Hakim Bey

 

Em 2008 percebemos como a versão 2.0 do Capitalismo americano é um estranho castelo de cartas, construído sobre um perigoso e lamacento pântano prestes a devorar tudo e todos. Aparentemente do nada, tudo começou a ruir, num efeito cascata ainda mais assustador do que o experimentado por Wall Street em 1929. Apesar de, naquela época, ouvirmos a palavra CRISE diariamente, creio que poucos entenderam como a coisa toda funcionou, e por quais motivos tudo desabou.

Os motivos pra essa onda devastadora de destruição, que mais uma serviu ao propósito moderno do Capitalismo - tirar o dinheiro das camadas mais baixas da população, e manda-lo pra elite - está escondido numa palavra aparentemente inocente: desregulamentação. A imagem que se tem geralmente é que o Estado é um freio ao crescimento empresarial, com taxas e impostos altos, comissões burocráticas que freiam o desenvolvimento do Capitalismo, entre outras tarefas inglórias. Esse tipo de afirmação, que pode ser vista em qualquer notícia de qualquer jornal econômico, dá a entender que as empresas sozinhas - o chamado Livre Mercado (já me disseram que o termo está incorreto usado nesse contexto, se você achar o mesmo, por favor, me corrija nos comentários, explicando o melhor uso da palavra) - podem avaliar riscos, proteger-se do canibalismo do mercado, e tomar as melhores decisões globais.

A saída para alcançar essa situação de liberdade seria a desregulamentação, ou o afrouxamento de regras estatais que encurralam o setor econômico. Na teoria, quase tão lindo quanto o Comunismo, mas na prática… bem, deu merda, e das piores! E é sobre isso que trata o excelente documentário Inside Job (algo como Trabalho Interno, uma expressão pra designar crimes cometidos pela Máfia).

Primeiramente deve-se entender o setor financeiro para se entender a crise. Nos EUA, existem três pilares modernos desse setor: os bancos de investimentos, que servem somente pra pegar o dinheiro de seus clientes e aplica-los no melhor negócio; as seguradoras, que criam uma base de segurança pra essas operações; e as agências de avaliação, que analisam os investimentos do mercado e as classificam em níveis de segurança. Até algumas décadas atrás, existiam regras que limitavam essas empresas a tamanhos bem definidos, impedindo que existissem gigantes do setor financeiro que, caso falissem, levassem a economia do país inteira com eles.

A certa altura do documentário, o megainvestidor George Soros constrói uma metáfora perfeita pra essa situação. O setor de serviços financeiros dos EUA pode ser visto como um petroleiro. Para impedir que o sacolejo do óleo presente dentro de seus gigantescos compartimentos o afunde, o petroleiro possui diversas estruturas para dividi-lo, e tornar esse balanço menor. A divisão dos depósitos do navio é que o impede de afundar.

Assim era o setor econômico, com empresas de médio porte, que caso falissem, seriam rapidamente absorvidas por outras e trariam consequências igualmente menores. A desregulamentação extrema que o setor experimentou há quase 30 anos destruiu essas barreiras, permitindo a existência de monolitos financeiros sustentados por uma base de areia movediça, prestes e desmoronar. E é aí que se encontra o principal motivo da crise, que iniciou assim que o governo soltou o cabresto de Wall Street.

 

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Ronald Reagan - o grande cowboy americano

Pode-se dizer que tudo começou no governo Reagan, em meados da década de 1980. Sem entrar em muitos detalhes, Ronald Reagan era um mero garoto-propaganda de grandes empresas e teve sua campanha massivamente apoiada por elas com um intuito bem claro: acabar com a regularização.

O que começou com essa infiltração política tomou outros contornos nos anos 1990, quando o Setor Financeiro se associou a nascente Indústria da Alta Tecnologia para criar “complexos produtos financeiros”, conhecidos como Derivativos. Em tal tarefa de tornar a economia um labirinto cada vez mais insondável e inexpugnável, os economistas foram ajudados pelo fim da Guerra Fria, que despejou no mercado uma grande quantidade de físicos e matemáticos do mais alto calibre, agora desempregados com o encolhimento da Indústria Militar. Agora eles criavam o que investidor Warren Buffet inteligentemente definiu como “Novas Armas de Destruição em Massa”.

Os derivativos, o principal vetor da vindoura destruição financeira, transformaram os investidores não mais em lobos com um olfato aguçado e instintivo em busca de investimentos sólidos, mas em apostadores de alto risco. Em oito anos, os derivativos já movimentavam US$ 15 trilhões em apostas que não tinham qualquer controle ou fiscalização.

Quando se tentou regula-los, em meados de 2008, a resposta foi devastadora e ameaçadora: um conjunto de 13 banqueiros se reuniu com o Secretário do Tesouro do Governo Clinton - Larry Summers - e simplesmente bateu o martelo. O resultado foi a criação de uma lei que impedia os derivativos de serem regulados.

Então, quando o novo Reagan assumiu - e atendia pelo nome de George W. Bush - o Mercado Financeiro estava altamente concentrado e cercado de aparatos legais, pronto para começar um predatório processo de pilhagem e destruir a si próprio.

 

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O problema atingiu especialmente o setor de habitação por motivos bem comuns: todos estão comprando casas, todos os anos, o que transforma o setor de imóveis e construção num dos mais movimentados de todos, com um poderoso volume de empréstimos efetuados por minuto. A desregulamentação trouxe uma mudança importante: se antes alguém que emprestasse dinheiro pra alguém comprar uma casa tinha todo o cuidado com isso, tanto pela demora em receber de volta, quanto pela possibilidade de calote, esse medo desapareceu.

Agora, as empresas que realizam os empréstimos, podem vender essas hipotecas para bancos de investimentos, que os combinam com outros milhões de empréstimos que compram - como compras de carro, dívidas de cartão, créditos educativos -, os chamados derivativos, e dão origem ao que é chamado de Obrigações de Dívidas Garantidas, os CDO.

Finalmente, os bancos de investimento vendem os CDOs para investidores no mundo inteiro. Então, quando alguém paga uma parcela da casa que acabou de comprar, esse dinheiro não vai pro credor que fez esse empréstimo, mas pra uma série de investidores no mundo inteiro.

Essa gigantesca cadeia não-regulada de compra e venda de dívidas é justamente o grande problema, dada as regras nada lisonjeiras presentes nela. Agências de avaliação carimbam notas altíssimas em cima desses CDOs, o que faz deles bastante populares. Os credores, por sua vez, não estavam mais preocupados com a solubilidade do empréstimo, já que os venderim mesmo, começando a fazer empréstimos do mais alto risco. Os bancos de investimento também não se importavam, já que quanto mais CDOs vendiam, maiores os seus lucros a curto prazo, enquanto as agências de avaliação não podiam ser responsabilizadas por uma nota mal feita, e ainda tinham o bônus de quanto mais altas notas distribuíssem, mais elas recebiam.

Mais e mais hipotecas do mais alto risco foram realizadas, já que quanto maior o volume, maior o lucro de todos nessa complexa cadeia. E, para piorar, o risco desses empréstimos era camuflado a partir do momento em que eles eram combinados com outros derivativos e formavam os CDOs. Os bancos até as preferiam, já que quanto maior o risco do empréstimo, maior a taxa de juros que podem cobrar. Essa aparente segurança, falta de responsabilidade e um belo crescimento dos lucros, levou a um aumento violento de empréstimos dos mais arriscados, com casos de clientes que pegavam emprestado até 99% do valor de um imóvel, o que seria considerado um suicídio em tempos passados. Caso o cliente não conseguisse pagar os empréstimos… ele simplesmente saía da casa e ia ser feliz em outro lugar.

 

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Henry Paulson e Ben Bernanke

Quem saca um pouco de economia já entendeu que essas facilidades extremas de compras de casa gerou um aumento bastante grande de seus preços, com cada vez mais bilhões de dólares fluindo nesse mercado pronto a explodir. E tudo isso por motivos espúrios, somente a gana por lucros cada vez maiores do setor de financiamento, que inclusive mudaram hábitos de compra e venda de casas pelos clientes; mesmo os que tinham dinheiro pra compra-la a vista, financiavam com prazos cada vez maiores e juros ainda maiores. Como resultado, os empréstimos de alto risco (chamados subprime) cresceram de US$ 30 bilhões por ano no fim da década de 90, para mais de de US$ 600 bilhões em 2007.

Em crises imobiliárias passadas (como na década de 80 quando o valor das casas aumentou 53%, em média), o preço das casas teve um aumento considerado abusivo, girando em torno de 60%. Já em 2007, o preço das casas praticamente quadruplicou, um aumento de cerca de 194% em menos de 10 anos.

Agora o pior, que creio que vocês já perceberam: esse dinheiro, contado como lucro e reinvestido como receita, não era real, era somente uma criação artificial prestes a desaparecer e levar meio mundo que investia nele para o ralo. Foi o que aconteceu quando o preço ficou tão grande, que os mutuários começaram um calote generalizado e o dinheiro das transações simplesmente sumiu.

Se instalava a crise, se espalhando a diversos setores, já que muitas outras empresas investiam seus lucros em especulação e no setor imobiliário. A aventura dos bancos de investimento foi tão grande, que eles chegaram a “investir” 33 vezes mais do que suas próprias receitas, a chamada taxa de alavancamento. Isso significa que se as empresas perderem 3% de suas receitas com calotes, elas se tornam insolúveis e precisam pedir falência.

Após as quebras generalizadas, começou outra ação praticamente criminosa: os bancos e empresas que efetivamente se enterraram no lamaçal das falências receberam cerca de US$ 3 trilhões de ajuda do governo. Naturalmente eles foram ajudados pela intensa infiltração que Wall Street realizou no governo e nas principais universidades de economia dos EUA.

 

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Eliot Spitzer - ex-governadorr de NY que renunciou após se envolver com uma rede de prostituição. Executivos de Wall Street envolvidos nas mesmas atividades (e denunciados do que ele), jamais foram incomodados

No centro do filme, personagens famosos como Alan Greenspan, ex-presidente do Banco Central americano (o FED), Henry Paulson, ex-Secretário do Tesouro dos EUA (ex-presidente do banco de investimentos Goldman Sachs e ex-executivo mais bem pago de Wall Street), e outros políticos e banqueiros importantes, que em vários momentos disparam depoimentos incríveis e aterradores. Ligando tudo, uma narrativa precisa (com voz de Matt Damon), embora com momentos essencialmente complicados para o espectador comum (nada que uma rápida pesquisa não ajude).

Enquanto a mídia procura continuamente inimigos para apontar, é impressionante como os verdadeiros vilões de uma crise que sugou anos de recursos globais. Ponto para Charles Ferguson pelo brilhantismo na construção do documentário, que ainda fez uso de depoimentos de gente como o megainvestidor George Soros, Christine Lagarde, ministra de Economia da França, Dominique Strauss-Kahn, membro do Partido Socialista francês que hoje é diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) - preso anteontem -, entre outros.

Veja, e já emende numa sessão com Capitalismo - Uma História de Amor.

 

Inside Job (EUA, 2010)

Diretor: Charles Ferguson

Duração: 120 min

Nota: 9

2 Comentaram...

Thiago Luiz disse...

Felipe, estou passando rapidinho e portanto não lí a critica do filme. Porém, lembro que na cerimônia do Oscar o diretor do doc falou que os mesmos que foram responsáveis pela crise continuam em Wall Street.Outra coisa interessante é essa prisão do diretor do FMI, que me "cheira" a conspiração.Sarkosy está saltando de felicidade com isso.Além do déficit de U$$ US$ 14,294 trilhões nos EUA. Oliver Stone,foi profético quando ele fez "Wall Street - poder e cobiça", e criou Gordon Gekko com a famosa frase "A ganância é Boa".
falow!!!!

Tavares disse...

"-Mamãe o capetalismo é muito mal né?

-É sim meu filho, é muito mal!

-Mamãe cadê meu iPhone???? BUABUABUAAAA!!!!, CADÊ MEU IPHONE???"

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