terça-feira, 29 de junho de 2010

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[Capetalismo #5] As Engrenagens das Casas de Dinheiro

 

Capetalismo5

Depois de uma pausa maior do que Eu gostaria, Capetalismo está de volta; espero Eu, que de forma menos cheia de intervalos até cumprir sua missão original, que é abordar todas as ferramentas no combate a inflação, e depois assumir um tom mais livre, como as edições Addendum. O tema dessa edição é o funcionamento dos bancos e de como eles influenciam no nosso cotidiano financeiro.

Mas antes, uma recapitulação rápida das outras edições da coluna. Aprendemos o que é Inflação, o que a causa, e como praticamente todos os esforços econômicos estatais são para contê-la, pois ela é o problema financeiro que mais salta aos olhos dos eleitores. Depois surgiram as armas do governo para impedi-la, começando com a Política Fiscal, que cuida de controlar os impostos, os gastos públicos e do crescimento do PIB. Depois veio os pormenores por trás da medição do PIB e do IDH, e como eles se diferenciam. E chegamos onde estamos: a Política Monetária, que basicamente cuida controle da Taxa Selic, os juros-base, que também servem para (em última instância) controlar a inflação através do encarecimento de crédito familiar. Também aprendemos que o superávit primário é a grana que o governo separa da arrecadação para pagar os juros da Dívida Interna, que é o montante que ele pegou com os bancos. Caso não tenha lido os textos anteriores, se adiante e faço isso pra já!

Mas bancos não servem somente para guardar, emprestar e arranjar coisas lucrativas para investir toda a grana que eles possuem. Tá bom, é só pra isso, mas as formas que eles encontram para fazer isso são um pouco mais variadas do que parecem. Primeiro, devemos entender o banco como uma empresa normal, que visa o lucro, e está sujeita a regras econômicas normais, como oferta e procura e essas coisas. Mas, ele tem privilégios do governo para operar da forma que opera, e esse é o fato que o coloca no vértice do sistema capitalista. Afinal, bancos são como caixas-fortes do sistema, se eles se vão, todo o resto da economia vai junto.

Existem basicamente dois fatores independentes que decidem sobre os juros e taxas cobradas pelos bancos: custos operacionais e oferta. Os custos operacionais dizem respeito a gastos com funcionários, infra-estrutura, maquinário altamente nada avançado, cafezinho dos gerentes, empresas de transporte de valores... essas coisas. Se o Banco do Brasil gasta, hipoteticamente, dois bilhões de reais com custos operacionais, naturalmente ele vai querer ganhar o dobro disso para cobrir outros itens importantes, como perdas - ou: ricos dando calotes -, além de encher os bolsos dos seus executivos de dinheiro. O segundo fator é a oferta. Quanto menos dinheiro disponível na praça, mais ele vale, e, logicamente, vice-versa também rola. Esse segundo fator é logicamente o que torna taxas variáveis (existem outros, tipo ganância, mas esse é o mais importante). Pense num vendedor de videogames. Ele tem uma loja videogames e jogos suficientes para atender a demanda do mercado dele. Mas um Grande Comprador chega num belo dia e compra 60% do estoque dele e de seus dois concorrentes do bairro, e o número de videogames a serem vendidos diminui bastante. Naturalmente o preço deles aumenta, pois a oferta de produtos diminuiu.

O mesmo rola com os bancos. A mercadoria deles é o próprio dinheiro. Bancos não podem ficar sentados sobre a grana que possuem ou seus lucros cairão bastante devido ao índice inflacionário, e eles precisam de muito, MUITO dinheiro para fazerem as coisas se acertarem. Bancos são intermediários, precisam "comprar" a mercadoria deles de nós, para depois vendê-las para o governo, outros investidores e a própria população. Eles precisam nos convencer que poupar nossa grana lá é vantajoso, e por isso nos oferecem um preço: os juros das cadernetas de poupanças, que é taxado pelo governo e é igual em todos os bancos. Mesmo interessados nos correntistas que movimentam contas freneticamente, os bancos estão de olho mesmo é nos poupadores, pois é dali que sai o dinheiro que eles usam para emprestar. Por isso, existe uma certa iniciativa para atrair dinheiro de poupadores - tipo de aposentados e blogueiros -, pois essa grana deixa os bancos com fundos para empréstimos realmente volumosos. Para a poupança ser minimamente vantajosa, ela precisa cobrir os gastos das perdas com inflação - algo em torno de 4,5% ao ano. Hoje ela está rendendo cerca de 1% ao mês, o que permite um certo ganho para quem tem uma boa renda aplicada por lá. Pois bem, para os bancos lucrarem, eles precisam cobrar pra emprestar a grana da poupança mais do que dão de juros de rendimento por elas.

Nesse momento, os bancos cobram 3% de juros ao mês para empréstimos dessa grana, o que dá dois pontos percentuais de ganhos para eles. Essa diferença é chamada de spread bancário, e é o dinheiro que os bancos usam para pagar seus custos operacionais, e retirarem os seus lucros. Parece pouco, mas não é, estamos falando de bilhões de dólares e reais. Esse spread é calculado pelo governo e divulgado anualmente, como uma forma de mostrar a competitividade das instituições bancárias. E tem outro fator, daqueles que nos deixam orgulhosos de sermos brasileiros: o spread bancário brasileiro é o segundo maior do mundo, e se soma a nossa taxa de juro básica, também uma das maiores do mundo, conforme mostrou a Folha de São Paulo nessa reportagem do dia 10/09/2009, da qual retirei o excerto abaixo:

“O ‘spread’ (a diferença entre o que as instituições pagam para captar recursos e o que cobram dos clientes) aplicado pelos bancos no Brasil é o segundo maior do mundo, ficando apenas atrás do Zimbábue, apesar de a taxa de inadimplência no país não estar nem entre as dez maiores do planeta.  Segundo levantamento do Fórum Econômico Mundial com base em dados do ano passado, o “spread” dos bancos brasileiros ficou em 35,6 pontos percentuais, maior do que a média das instituições financeiras de 127 países. Somente o Zimbábue, cuja economia vive situação caótica e onde a inflação chegou na casa dos 231 milhões por cento em julho do ano passado, a diferença entre os juros captados e os cobrados foi maior: 457,5 pontos percentuais (…) ’Spreads’ altos significam custos maiores para empresas e consumidores pegarem empréstimos.


Ao mesmo tempo, a inadimplência no Brasil, que é uma das explicações usadas pelos bancos para justificar os juros altos, era a 16ª mais alta do mundo, de acordo com dados do FMI referentes ao quarto trimestre de 2008 – quando a crise global estava em um dos seus momentos mais agudos. Os números do Fundo mostram ainda que a taxa de inadimplência no país vem caindo nos últimos anos“.

Outro excerto, de outra reportagem:

"Anualmente, a Fiesp faz um ranking de competitividade, conhecido como IC. Um dos itens que o compõem é justamente o spread bancário. No estudo a entidade usou dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) relativos a 2007. Os números mostram que o Brasil liderava o levantamento, com spread médio de 25,3 pontos porcentuais. Em um distante segundo lugar estava a Colômbia, com 7,4 pontos, seguida pela França, com 7 pontos." Fonte: Agencia Estado

Lindo, não?! Agora você já começa a entender porque não tem dinheiro. Mas, vamos prosseguir...

É aí que entra o nosso tão estimado governo. Ele faz o papel diabólico do Grande Comprador voraz de videogames do bairro, e encarece tudo. A necessidade de neutralizar um mal - inflação - acaba por criar vários outros gigantescos: concentração de renda, juros amortizadores, bancos bilionários. E a gente, que trabalha de verdade, acaba por suportar todo o peso das lambanças que a tabelinha Governo-Bancos fazem. O Governo é covarde e oferece uma taxa realmente vantajosa para os bancos, chamada Taxa Selic, a Mãe de Todos os Juros. O Governo pega boa parte da grana dos bancos justamente para aumentar o spread, porque diminui a quantidade de dinheiro disponível para que a população possa pegar emprestado. E - repetindo o raciocínio da última coluna - essa grana que ele pega emprestada gera a chamada Dívida Interna (atualmente em R$ 1,239 TRILHÃO), que tem seus juros pagos através de diminuição de investimentos em segurança, educação e saúde para gerar o superávit primário. Resumindo: nos fudemos duas vezes! E isso independe do governo ser do PT, do PSDB, ou de qualquer filhos da P--- que surgir por aí, a merda é sempre parecida (mas tem um fedor diferente, como veremos na política cambial, abordando o Plano Real, câmbio fixo e outros assuntos).

 

image

Relação Selic e Juros para o consumidor

Bom, e quando o governo levou tudo e os bancos precisam de mais dinheiro para poderem emprestarem para outros clientes? Simples, eles atraem dinheiro pagando mais aos poupadores... e repassando tudo para os clientes. É o clássico Você quer dinheiro? Tá escasso, vai ter que pagar caro por ele... Vejamos como funciona na prática. Se os bancos realmente precisam de dinheiro, eles passarão a oferecer, por exemplo, 3% ao mês para a galera da poupança, gerando um aumento de 2%, e cobrar 5% dos que estão recebendo. O spread de 2 pontos continua ali, reluzente, mas a lei da oferta fez o preço se elevar, e naturalmente o cliente final engoliu tudo, pois provavelmente não conseguiu nada mais vantajoso nos concorrentes.

Então, aquele papo que mandam por aí que a inadimplência é o principal fator dos juros serem tão altos, é verdadeiro somente em empréstimos onde não existe contratos com avalistas, como cartão de crédito e cheque especial. Em casos de financiamentos, é a disponibilidade de grana no mercado que diz o quanto vai rolar de juros pra você. E nossos bancos dão de chapéu nos bancos de outros países, com spreads dez vezes mais altos e taxas de lucros absurdamente astronômicas - ao menos eles não se envolvem em crises, como os americanos e europeus.

 

Mas, existem outras formas dos bancos trabalharem com dinheiro, como fundos CDB, renda fixa, mercado imobiliário e ações (em breve falaremos de bolsa de valores). Nesses casos, ele é apenas um atravessador, uma espécie de consultor, que guia seu dinheiro para bons negócios - e lucra com isso, claro. Parte dessas operações são também responsáveis pela concentração de renda aguda do Brasil, e é isso que aprenderemos na Parte II do nosso aprendizado sobre os bancos.

 

Referências

Tabela com os ganhos da poupança | Matéria da Folha de São Paulo

 

[Via Blog Kantega]

1 comentário

Rafael Serafin disse...

o0 é assustadora a politica econômica no brasil!

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