Sabe aquelas baterias porcas, que viciam, e são cheias de cerimônias na hora de serem recarregadas? Elas não são de lítio. O lítio se tornou valioso justamente por sua aplicação em baterias de smartphones e notebooks - e algumas empresas já estudam a sua aplicação em baterias de carro -, e por ser um bendito mineral raro e de difícil extração. Aí, surgiu uma reportagem no New York Times anunciando que o o Departamento de Defesa dos EUA, em conjunto com um destacamento de geólogos encontrou algo em torno de US$ 1 TRILHÃO em lítio e outros minerais no Afeganistão, o tornando uma espécie de Arábia Saudita do lítio, e encostando o país no potencial da Bolívia, detentora das maiores reservas de lítio do mundo. Claro que lítio é apenas o principal e mais raro mineral encontrado por lá. Junto com ele existem reservas (imensas, segundo o NYT) de ferro, cobre, cobalto, ouro, entre vários outros.
Essa é a parte bonita da coisa. Nossos notebooks e celulares não precisarão ficar mais caros caso Evo Morales decidir que tava cobrando barato pelo lítio… mas, ao que parece, o governo americano já tinha idéia de que essas reservas existiam, graças a dados geológicos do governo soviético datados dos anos 80, e desde 2007 tem ciência de que existem uma quantidade muito significativa de minério precioso por lá, de acordo com dados do próprio governo americano.
As preocupações começaram junto com o anúncio também, já que o governo de Hamid Karzai, presidente do Afeganistão, está num mar de corrupção, e o Taliban é uma presença fortíssima em várias províncias, assassinando várias autoridades locais, inclusive adolescentes que servem como informantes do governo. Só em março foram mais de 10 funcionários públicos assassinados. Os problemas internos são tantos, mesmo esta sendo oficialmente a maior guerra em que os EUA já se envolveu, que a inteligência americana presente no país está dando mais atenção a corrupção do que ao Taliban, muito provavelmente por questões financeiras envolvidas no desvio de verbas.
Existe também a questão da política externa. Os russos estão por ali, logo na fronteira, e já fizeram suas aventuras no Afeganistão, mesmo que não queiram se lembrar delas. Os chineses seriam uma “ameaça maior”, já que são um pouco mais carentes de recursos minerais que os russos e já possuem contatos corruptos com o governo afegão - e com os Talibans, segundo alguns. Isso só analisando a questão do ponto de vista atual. Pelo menos dois geólogos americanos que estiveram no Afeganistão relataram que essas reservas já eram, ao menos parcialmente, conhecida pelo governo e pelos militares americanos… desde 1995, o que dá uma nova amplitude a essa descoberta, a própria Guerra do Afeganistão, e no fato de Bin Laden jamais ter sido encontrado.
Bonita Chamberlain, que passou 25 anos no Afeganistão, é um deles. Ele é autor do livro Gemstones in Afghanistan, que relata justamente descobertas de 91 minerais em 1.407 locais do país. Ele ainda fez estudos oficiais com o Pentágono, cujos relatórios, positivos do pontos de vista de haverem grandes reservas no pais, ficaram prontos ainda em setembro de 2001 (mês do 11/9). Jack Shroder, um geólogo da Universidade do Nebraska, é outro. Logo depois da invasão americana ao país, ele disse ao Associated Press que a vasta riqueza mineral do país seria decisiva para a reconstrução dele. Na década de 70 ele ajudou o Pentágono a mapear o país, e em 2002 foi procurado por várias empresas americanas que queriam investir no Afeganistão. Em outras palavras: o anúncio não foi tão de surpresa assim, e as autoridades já sabiam que tinham riquezas minerais das maiores no Afeganistão antes mesmo de invadi-lo - estavam fazendo um investimento pouco arriscado com a guerra, na linguajar capitalista.
O próprio momento do anúncio já está sendo colocado em xeque. Obama vive um momento delicado, pois mandou mais tropas para o Afeganistão (não vou lembrar o que ele falou na campanha dele com relação a guerra…) e está sendo cobrado por resultados, já que bilhões de dólares estão indo pra lá e nada está retornando. Então, é possível que esse dado, que já estava de posse do governo há bastante tempo (o estudo completo já está pronto desde 2007, bem antes de Obama decidir “retomar” a Guerra do Afeganistão), tenha sido vazado propositalmente para o NYT (ando meio conspiratório com a imprensa ultimamente, mas tudo bem) para trazer algum capital político para ele, e o tom meio oba-oba da matéria parece indicar algo nessa direção, pois não houve qualquer questionamento com relação ao conhecimento do governo com relação a essas reservas anteriormente a guerra.
Outra questão que levantada foi sobre a infra-estrutura do país, que não possui estradas, transportes, e mal tem grana para pagar a própria polícia. Essa situação emergencial, aliada as fortes denúncias de corrupção, podem levar as empresas e o governo americano a fazerem tudo do jeito deles, e, como você está imaginando, levar tudo embora.
O fato é cedo ainda pra dizer qualquer coisa mais aprofundada sobre o caso, já que pouco se sabe até mesmo da veracidade dos números do tamanho da reserva - Hamid Karzai chegou a dizer algo em torno de três trilhões. Mas um tremendo joguete geopolítico está sendo armado, tanto do lado americano, quanto dos vizinhos do Afeganistão - principalmente do lado chinês, parece. Se isso vai ser decisivo para o exército americano ficar mais uns 10 anos no Afeganistão, não sei, mas parece que o motivo principal que os levou a irem pra lá apareceu (isso, além dos números sugerirem que o governo americano incentiva a produção vertiginosa de papoula no país, do mesmo jeito que fez com a heroína e cocaína no Vietnã)…
Agradecimentos ao Rodolpho Zippo, pelo link
Notas
Dados do governo americano sobre riquezas afegãs | Assassinatos do Taliban | Matéria do Foreign Policy sobre a política envolvendo o anúncio | Declaração dos 3 trilhões | Entrevista do repórter do NYT ao Yahoo! | Heroína no Afeganistão
Reportagem original do New York Times (tradução AQUI)
[Via Boing Boing, Wired Danger Room e Atlantic Monthly]
3 Comentaram...
Esses acontecimentos só vem a corroborar com a idéia que os EUA só se metem nessas guerras não com o intuito de estabelecer a democracia e sim por interesses próprios e como sempre os outros que se danem!
Não fui eu que mandei esse link no Twitter?
[]'s
@Compulsivo
Quero ve quem vai deixa de compra um notebook feito com esse litio daqui uns anos...
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