Os filmes de Máfia são um dos meus gêneros favoritos do cinema. E a beleza desse tipo de filme vai muito além de sua violência, situações absurdas, porém críveis, chefões e matadores. As grandes qualidades dos filmes de gângsteres, especialmente os que saíram de O Poderoso Chefão para cá, estão na força de seus personagens, nunca pequenos, ou medianos. Quem em sã consciência pode esquecer Vito ou Michael Corleone? Ou Jimmy Conway (Os Bons Companheiros)? David 'Noodles' Aaronson (Era Uma Vez na America)? Ou ainda Nick Santoro, o amalucado gangster do subestimado Cassino, ou mais recentemente Tony Soprano? Sem dúvida, quando o assunto é Máfia, os personagens sobrepõem-se as situações.
E, desde o citado O Poderoso Chefão, mafiosos são apresentados da forma elegante, elitista… mas igualmente violenta, que conhecemos hoje. Bastou um livro clássico, e uma trilogia para sepultar quase tudo que se conhecia sobre atuações para que a Máfia definitivamente colocasse o pé em Hollywood e virar tema de diversos filmes clássicos. O resultado foi um incômodo título de persona non grata, tanto para Mario Puzo, tanto para Francis Ford Coppola na terra natal da Máfia, a Sicília.
Gomorra, do diretor italiano Matteo Garrone, que se baseou no livro de Roberto Saviano – que chegou a conviver com integrantes da Camorra para escreve-lo, trata de mudar toda essa visão de aglutinações de criminosos nascidos na Itália. Ao invés da típico modo de ação Corleone, com amizades na polícia, políticos subornados e outras peripécias; aqui, os criminosos partem para ação, de um modo brutal, que muito lembra o jeito de agir dos traficantes cariocas.
Mas, não estamos falando da tradicional Máfia Siciliana, ou de suas ramificações, com seu rígido controle familiar e código de honra peculiar; em Gomorra entra em cena os seus arque-inimigos surgidos das ruas de Nápoles: a Camorra. Com os napolitanos a guerra é suja e empoeirada, como a própria Nápoles.
A própria narrativa de Gomorra segue esse estilo sangrento. Ao invés da jornada clássica de ascensão e queda, tantas vezes orquestrada com perfeição por Scorsese, ou do personagem pacifista engolido por um mundo selvagem, vemos cinco histórias sobrepostas em um mundo caótico, imundo e que não dá trégua. Pense que esse filme se aproxima mais de Os Infiltrados, ou Cidade de Deus; do que Era Uma Vez na América ou O Poderoso Chefão.
A técnica também é pulsante, lembrando muito o estilo documental e urgente de Paul Greengrass, que mostrou seu talento em filmes como Domingo Sangrento e o United 93, além dos excelentes dois últimos filmes da Trilogia Bourne, que inspirou o reboot de James Bond. Temos uma onipresente câmera na mão, que não hesita em entrar nos lugares mais inusitados para conseguir os melhores enquadramentos (a cena da capa, um plano sequência mostrando um personagem, do alto, saindo de uma casa em meio a uma matança, é soberba); vários momentos de silêncio, feitos exclusivamente para incomodar; e uma trilha sonora que só aparece em momentos importantes.
Todo o fio condutor de Gomorra se apóia em cinco histórias, que não necessariamente se intercalam, ou se sobrepõe. Algumas delas não parecem nada relacionadas a criminalidade, às vezes deixando para a sua conclusão a ligação com os tentáculos da Camorra. Temos dois jovens idiotas, que acham que são grandes o bastante para enfrentar os mafiosos (entendam como camorrenses) que mandam na região, e cometer roubos à vontade; o menino que, deliberadamente, e por vontade própria, entra para o crime; um costureiro renomado que começa a ajudar chineses ilegais; um empresário que arruma terrenos para se livrar do lixo tóxico de empresas; e um criminoso em fim de carreira que faz pagamentos para famílias de criminosos que serviram a Camorra.
Não se engane, aqui não há glamour, diálogos construtivos, ou redenção. Tudo é feito com um brutal e nauseante realismo, com apenas um fim possível: a morte. Nem mesmo há um personagem em que há uma possível identificação, ou um momento de humor negro; literalmente tudo causa repulsa e incômodo. A própria visão de Nápoles, e de seus arredores, é de sujeira e decadência, como se não houvesse saída para as situações ali apresentadas, mais ou menos como a Recife retratada em Amarelo Manga. Só encare se estiver preparado para um chute no estômago bem dado!
Gomorra (Itália, 2008)
Diretor: Matteo Garrone
Duração: 137 min
Nota: 8,5
2 Comentaram...
Filme chatíssimo... a única coisa bacana foram as frases informativas no final.
PS: Estou viciada neste site de vocês. Excelente.
Beijos!
Ele realmente chega a ser lento em certos momentos, mas acho que não compremeteu a qualidade do filme!
Quanto ao elogio, muitíssimo obrigado. Volte sempre!!
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