Gaspar Noé é um diretor que gosta de incomodar. Se você, do mesmo modo que Eu, começou a filmografia desse diretor francês pelo brutal Irreversível, já deve ter percebido. Sua visão de mundo é realista e chocante, levando o protagonista (e, de carona, o espectador) ao limite. Em Irreversível foram necessárias apenas duas sequências – a da boate masoquista e a do estupro – para que o estômago de qualquer um embrulhasse, e os mais fracos abandonassem a tijolada que é o filme. Os desinteressados, após ver a cabeça de um homem esmagada com um extintor, com certeza não irão querer ver nada de Gaspar novamente pelo resto da vida deles, mas Eu, não tive como não iniciar uma busca (tardia, é verdade) pelo seu primeiro longa, comparado ao debut de outro diretor famoso: Eraserhead, de David Lynch (eleito pela gente como o filme mais insano da história do cinema, lembra?). É bem verdade que Sozinho Contra Todos é um bom filme, mas passa longe de ser melhor que o segundo filme do careca francês, como cheguei a ler em blogs indie pela internet à fora.
Temos como personagem central, o Açougueiro, interpretado magistralmente por Philippe Nahon. Por um pouco de ingenuidade e raiva extremada, ele acabou por matar um indivíduo, achando que ele tinha violentado sua filha. Como resultado ele é preso, e apodrece por quinze anos na cadeia (a agilidade, e o tom de fábula, com que esse início é contado é bastante interessante). Ao sair da reclusão, não tem mais nada, nem mesmo a sua filha, enviada para uma instituição do governo. Arruma uma mulher rica, que aceita financiar um novo açougue para ele (após ele ter perdido um emprego de garçom de lanchonete algumas horas depois de consegui-lo, simplesmente porque não ri). Com a enrolação da mulher para abrir o açougue – afinal ela está grávida e precisa segura-lo em casa – ele prefere chutar o balde de vez. Ele consegue uma arma, dá uma surra em sua mulher e parte de volta para Paris, onde tudo começou, disposto a acertar as contas com alguém.
No caminho descobrimos a verdadeira natureza do personagem. Se por fora ele é estático e molenga, apanhando da mulher e recebendo os piores insultos da sogra nojenta, por dentro ele é uma versão ácido-extremista de Platão, divagando sobre qualquer assunto, ou simplesmente o mandando a merda quando não sabe acerca. É como um Harvey Pekar, do filmaço Anti-Herói Americano, (ainda) mais pessimista e com o sangue fervendo, mas, ainda assim tão conformado quanto. A cada segundo do filme vemos frases geniais (se o Açougueiro tivesse Twitter teria dezenas de milhares de followers), saídas até mesmo quando ele está dentro de um cinema pornô, assistindo as mais sórdidas cenas explícitas.
E é na sua maior qualidade – os onipresentes pensamentos do personagem principal – que reside também o maior defeito de Sozinho Contra Todos. Chega uma hora que cansa, e o filme acaba por não andar. Tá certo que ver Açougueiro andando por Paris despejando suas pérolas por aí é uma das coisas mais “divertidas” que se pode presenciar, porém, o roteiro mostra-se truncado em certos momentos, diferente de Taxi Driver, filme a qual, Sozinho Contra Todos se assemelha. Para diminuir essa impressão, o diretor utiliza certos artifícios técnicos, como o “chicote” com a câmera, que de tempos em tempos surge.
E são justamente os pensamentos do Açougueiro que parecem nos apontar para o que será o final do filme. Mesmo antes do final já dá para se perceber facilmente que ele não será feliz. Um homem como ele não pode sobreviver por muito tempo. Mas, mesmo como essa antecipação, Gaspar Noé consegue nos brindar com um final redentor (do jeito dele), que contrasta com o espiral de pesadelo que ele arma minutos antes. Pode não ser aquela redenção à la Travis Bickle, mas representa uma mudança em 180º na direção do personagem, que consegue encontrar uma âncora para continuar nesse mundo (SPOILER: se você assistiu ao menos o começo de Irreversível, você já sabe o que ocorreu. O Açougueiro é aquele velho careca conversando no apartamento no início do filme). Mas, no mundo da vingança não tem jeito, por mais que se vá, o retorno nunca é confortável. Oh Dae-Su (Old Boy)e Marcus (Irreversível) que o digam!
Seul contre tous (França, 1998)
Diretor: Gaspar Noé
Duração: 93 min
Nota: 7,5
3 Comentaram...
bela critica!!
Gaspar Noé um soco no estômago mesmo.
abraços!
Voce viu "Carne"? O media que vem antes desse? Conta a historia de como ele vai parar na cadeia. Vale a pena.
Quanto a quem é melhor "Irreversivel" ou "Só Contra Todos" fica ao gosto do fregues. Eu particularmente ADORO o Irreversivel e como filme é melhor que "Só Contra Todos"... mas no roteiro fico com "Só Contra Todos" de longe!
Ele não ficou 15 anos preso e ele trabalhava no bar da mulher, que não era rica, apenas tinha um bar. Parei de ler aí...
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