Por FiliPêra
Imagine uma HQ que misture a narrativa épica e os personagens exóticos de Star Wars, a jornada mística de El Topo, com conceitos existencialistas de Matrix. Sim, essa obra existe, e não só é uma das mais importantes HQ's européias como também influenciou um séquito de revistas em quadrinhos que viriam posteriormente. E Jodorowsky não economiza nas referências delirantes (que me lembraram muito o trabalho de Morrison posteriormente) e cria uma ficção científica sem igual na nona arte. Tudo está no seu devido lugar por aqui: a narrativa grandiosa que jamais fica enfadonha, os personagens interessantes, as contínuas e densas tramas, as maquinações políticas e traições, as referências às mais diversas disciplinas místicas e esotéricas e, claro a jornada transformatória de auto-conhecimento de John Difool.
Apesar de ser um personagem interessante, Difool jamais conseguiria carregar um épico dessa magnitude nas costas. Numa comparação tosca, seria como assistir "Shrek" sem o Burro, o Gato de Botas, o Biscoito, o Pinóquio, e por aí vai. E para minimizar esse fato (e poder centrar Difool em sua jornada) Alejandro Jodorowsky muniu "O Incal" de diversos coadjuvantes interessantes. Estão lá Animah, o/a Imperoratriz, o Tecnopapa e o Metabarão, que chegou a ganhar uma grapic novel própria. Todos eles com motivações e objetivos próprios.
Além dos personagens muito bem trabalhados, O Incal traz também um universo que só perde para a Terra Média em termos de detalhes, com inúmeras raças, planetas e galáxias. Cada um desses elementos é importante para todo o desenrolar da imensa trama que é O Incal.
Mas qual é a trama de O Incal? Simples! Num futuro distante, John Difool é um detetive classe R (resumindo: de quinta categoria), acostumado com a vida que leva. Mas tudo muda quando ele recebe o serviço de escoltar uma importante figura da região até uma área perigosa da cidade. Após passar por inúmeras desventuras e acidentes de percurso ele recebe o Incal; um artefato com vontade e inteligência própria, dotado de inúmeros poderes. À partir daí sua vida vai mudar e ele vai se ver em uma guerra de proporções galáticas, que arrisca colocar toda e existência do universo em risco.
Olhando assim a trama carrega aquele ar mofado de "eu já vi isso em inúmeros outros lugares". Mas é aí que O Incal mostra sua força. Imaginar O Incal como um épico de ficção científica comum é o mesmo que pensar que "El Topo" é um western-spaguetti igual a todos os outros. Pense na ambientação futurista-retrô (atualmente batizada de steampunk) apenas como plataforma para Jodorowsky expor suas idéias e teorias. O principal da história é a jornada de auto-conhecimento do anti-herói (que aos poucos vai se tornando herói) John Difool. No começo da trama ele é um perfeito idiota, que cai no meio da guerra à contragosto, mas aos poucos vai entendo sua missão e passando a se aconselhar com o Incal (sem nunca abandonar sua chatice, pois ele sempre terá uma natureza dicotômica).
Discorrer mais tempo nos personagens, teorias e tramas paralelas me tomaria dias (mas se vocês realmente insistirem publico umas duas ou três Destaque HQ só com O Incal), então vou falar a verdade absoluta: NÃO EXISTE VERDADE ABSOLUTA EM O INCAL! Cada um aplicará as questões da HQ de acordo com o seu entendimento. Ter pouco entendimento (ou preguiça de ir busca-lo) vai tornar O Incal num amontoado de brilhantes cenas de ação, traições políticas, personagens bizarros...nada que já não tenha sido visto em Star Wars e O Senhor dos Anéis. Portanto ler um pouco sobre Tarô não vai te fazer mal algum. Quer ver a ligação? John Difool representa o arcano "O Tolo" (The Fool, no original), Imperoratriz seria o imperador e a imperatriz; o Tecnopapa, o papa...e isso só para ficar nos mais claros.
A arte também não fica para trás, sendo feita pelo mestre Moebius, que ficou famosos com a revista Heavy Metal. Sua narrativa é limpa e econômica, mas nunca sem deixar cada quadro com uma beleza única. É impossível pensar O Incal sem Moebius. Como exemplos de grandes cenas: a cena em que Difool se degladeia com milhares de concorrente a honra de fertilizar a rainha dos Bergs, a chegada do grupo de heróis ao planeta de ouro e o ataque dos heróis a Estrela de Guerra.
Enfim, Incal é um épico do tipo que demora a abandonar a memória e convida para uma segunda leitura imediatamente.
Só lembrando que a saga é composta de três encadernados, publicados no Brasil pela Devir: 1º - O Incal Negro e o Incal Luminoso; 2º - O que Está Embaixo & o que Está em Cima e 3º - A Quintessência – A Galáxia que Sonha & Planeta Difool. Não consegui obter esses encadernados e tenho em mãos uma versão portuguesa que chegou em terras tupiniquins!!!
Autor: Alejandro Jodorowsky
Artista: Moebius
Páginas: Aproximadamente 300
Nota: 9,5
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