segunda-feira, 4 de julho de 2011

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Escolhas?

Por Kallyandra

 

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[Nota da autora: Agradeço a recepção de todos, e vou explicar algumas coisas. Esses textos são opiniões que elaboro durante meus estudos, são opiniões feitas a partir de algumas observações pessoais e por causa disso acabam não tendo espaço no meio acadêmico. Desculpa a linguagem e o formato, mas é uma forma que encontrei para desafogar meus pensamentos e não enlouquecer de vez, afinal, estou com uma pesquisa bibliográfica com quase 40 livros.

Apesar de, principalmente os primeiros textos serem críticas ao sistema social como um todo, tenham um pouco de paciência, também vou falar sobre resistências, mas é necessário primeiro reconhecer o problema. Alguns comentários me chamaram a atenção e já estou pensando em como vou trabalhar em cima dos questionamentos, pois são realmente pertinentes, inclusive para mim.]

 

 

Escolha viver. Escolha um emprego. Escolha uma carreira, uma família.

Escolha uma televisão enorme. Escolha lavadoras, carros, CD players e abridores de latas elétricos.

Escolha saúde, colesterol baixo e plano dentário.

Escolha uma hipoteca a juros fixos. Escolha sua primeira casa.

Escolha seus amigos. Escolha roupas esporte e malas combinando.

Escolha um terno numa variedade de tecidos.

Escolha fazer consertos em casa e pensar na vida domingo de manhã.

Escolha sentar-se no sofá e ficar vendo game shows chatos na TV, comendo porcaria.

Escolha apodrecer no final, beber num lar que envergonha, os filhos egoístas que pôs no mundo para substituí-lo.

Escolha o seu futuro. Escolha viver. Mas por que eu iria querer isso?

Escolhi não viver. Escolhi outra coisa. E os motivos...

Não há motivos.

(Trainspotting 1996)

 

A maioria de nós acredita que é livre, justamente por temos a liberdade de escolher o que queremos para a nossa vida, afinal muitos, mas nem todos, acreditam que a liberdade está em se falar, ver, votar e fornicarmos com quem, quando e como quisermos.

Todos nós crescemos assistindo novelas, filmes americanos, e a maioria deles traz o mesmo roteiro que não muda nunca: o mocinho e a mocinha que se apaixonam a primeira vista, e esse é o que muitas meninas esperam: encontrar o grande amor da vida a primeira vista. Sofrem, sofrem, sofrem, mas acabam ficando juntos no final, ele deixa de ser um cafajeste, assume os negócios da família e são felizes para sempre.

Nossa diversão são comédias enlatadas que servem apenas para rir e com um humor vazio, onde as piadas são vulgares, não há inteligência e nem críticas a coisas realmente relevantes. Tudo bem diferente do humor do Douglas Adams ou Monty Python.

Noticias são passadas via Twitter, são apenas informações vazias, afinal é muito mais importante sabermos: 1. Melhor carro com 1 ou duas portas; 2. Hugo chaves admite câncer na TV; 3. Você sabe tudo sobre copa das América?; 4. Gata divide atenção com pinguins nas telonas; 5. Cores e cordas para próxima estação; Essas são noticias destaques de um grande portal na internet.

Acredita-se que se estruturam as massas, injetando-lhes informações, acredita-se que se libera sua energia social cativa a força de informação e de mensagens. Mas é exatamente o contrario. Em vez de transformar a massa em energia, a informação [fornecida pelos meios de comunicação em massa] sempre produz mais massa, em vez de informar como ela pretende, isto é, da forma e estrutura, neutraliza sempre mais o ‘campo social’ cria cada vez mais massa inerte, impermeável às instituições clássicas do social e aos próprios conteúdos da informação. (Baudrillard, 1985, p.16)

Os “heróis” brasileiros são os participantes do BBB, mulheres devem ser fruta, sei que falei disso no artigo Como se Fabricar Anjos, mas é um fato que é repetido constantemente que nós mulheres devemos esperar o príncipe encantado, afinal é um padrão que a sociedade exige, que nós mulheres estejamos casadas e com filhos antes dos 30, que sejamos gostosas, pois se damos prioridade a carreira e aos estudos somos mal amadas, para não dizer coisas piores.

Os homens têm que ser lindos, musculosos e bem sucedidos na carreira, priorizarem a quantidade de gostosas que pegam e não a qualidade de mulheres que saem. Na verdade, todas as relações sociais, amizade, amorosa, profissional parecem que devem ser exatamente como as notícias divulgadas, apenas aparência.

A maioria das pessoas escolhe ser apenas isso, aparência, não dando valor aos pequenos risos, a uma boa leitura ou a um bom livro, escolhe viver uma vida de constantes comemorações e festas, e quando chegam em casa se sentem mais vazios do que nunca, pois a aparência não preenche, é como um vaso, uma tabula rasa.

Na falsa sociedade, o riso atacou – como uma doença – a felicidade, arrastando-a para a indigna totalidade dessa sociedade. Rir-se de alguma coisa é sempre ridicularizar a vida que segundo Bergson, rompe com o riso a consolidação dos costumes , é na verdade a vida que irrompe barbaramente, a autoafirmação que ousa festejar em uma ocasião social sua liberação ao escrúpulo. [...] A ideologia dos conventos, segundo a qual não é a ascese, mas o ato sexual, que demonstra a renuncia a uma felicidade alcançável, é confirmada negativamente pela seriedade do amante que, cheio de pressentimentos, atrela sua vida ao instante fugidio.[i] A Indústria Cultural coloca a renúncia jovial no lugar da dor, que está presente na embriagues como na ascese. A lei suprema é que eles a nenhum preço atingir seu alvo, e é exatamente com isso que eles devem, rindo se satisfazer. (Adorno, 1985 p. 116)

Muitos caem no riso e na embriaguez, o grande medo de Aldous Huxley não era que fôssemos aprisionados por uma ditadura totalitária, mas justamente ao contrario, que se criasse uma sociedade no qual fôssemos governados pelos nossos prazeres, em que a proibição dos prazeres se transformassem em uma “liberdade” a tal ponto que ficaríamos escravos a esse sistema que celebra apenas a satisfação.

Depois de um século de colonização política e geográfica, as potências industriais teriam ‘começado a colonizar a grande reserva que é a alma humana’. Os novos domínios seriam a inteligência, à vontade, o sentimento e a imaginação de milhares de seres humanos que vêem cinema, ouvem rádio, vêem e ouvem televisão. A técnica feita indústria permitiu a consolidação de seus grandes complexos produtores e fornecedores de imagens, de palavras e de ritmo, que funcionam como um sistema entre mercantil e cultural. Desse hibridismo advém uma realidade social nova que caracteriza como nenhuma outra o mundo contemporâneo: a cultura de massa. (Morin apud Bosi, 2007, p.62)

A massificação da humanidade faz com que todos os homens tenham os mesmos desejos, e um desses desejos é o de ser diferente, querer ser famoso e destacar-se perante os outros, isto é exatamente a ilusão que a Indústria Cultural vende: a de que todos podem ser especiais e acaba tornando-os todos iguais.

A Indústria Cultural considera o homem como objeto, um mecanismo, uma máquina que deve trabalhar para produzir o que ele deve consumir quase que constantemente; o homem deve utilizar o seu tempo para trabalhar, ganhar dinheiro e quando não está ganhando ele deve estar consumindo seja nos shoppings ou em casa sentado na frente de sua televisão. Consumimos a imagem que nos são impostas, como já foi dito, desejam apenas a posição apenas para sermos diferentes da multidão.

Bosi (2007) mostra que não é apenas através da sedução que a Indústria Cultural controla as atividades do homem. Há todo um sistema produtivo que possui o controle da vontade e da liberdade e está preso neste processo que o corrompe e toma conta de todo o seu tempo, levando-o a um esgotamento quase que total de seu corpo e de sua mente, este sujeito, que lhe foi retirado o poder de decisão sobre o seu tempo pelo trabalho, também tem suas horas de lazer usurpado pelo sistema de produção cultural.

Será que para viver uma vida de aparência, para agradar o padrão social fechamos os olhos para o que é realmente relevante para a nossa construção como indivíduos?

Fazemos isso para sermos aceitos socialmente?

O padrão social imposto é tão forte que impede que façamos o que queremos?

Mas será que isso é verdade? Escolhemos apenas o que queremos?

Referências

Adorno, Theodor e Horkheimer, Max; Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos, Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 1985 (reimpressão 2006)

Baudrillard, Jean; A Sombra das Maiorias Silenciosas, Editora Brasiliense, Brasília-DF, 1985

Bosi, Ecléia; Cultura de Massa e Cultura Popular: Leituras Operárias: 11ª Ed.; Petrópolis –SP; Editora Vozes, 2007


[i] Instante fugaz

11 Comentaram...

Anônimo disse...

O texto é bom, mas está um tanto fragmentado e há uma certa confusão temática.

Não há mistério nenhum para a obtenção das respostas formuladas no final do texto, mas o caminho é desagradável: destine-se, por alguns anos ou décadas, a descontruir tudo aquilo que há em você e é resultado dos condicionamentos que recebeu desde a infância. Política de terra arrasada, simples assim, mas possível apenas com muita disciplina e estudo de suas motivações íntimas (meditação e alguma forma de terapia libertária são recomendáveis). Ao final, reconheça-se totalmente perdido e abandonado, sinta a vertigem de não ter nada em que se apoiar - seja alguma suposta segurança afetiva, seja o consolo dos condicionamentos culturais e sociais. Reconstrua, por fim, sua vida da forma que quiser, inclusive tendo a humildade de reconhecer que certas supostas prisões anteriores são necessárias para sua sobrevivência (mas, nesse caso, você decide voluntariamente recontruir tais prisões, ao lado de outras coisas novas - não se trata mais de alto imposto de fora que você segue inconscientemente). Não é um caminho heróico (a própria noção de heroísmo e grandiosidade do destinuo humano é uma armadilha), mas é o único caminho possível para fora de nossas amarras.

spider reclamão disse...

Quanto mais julgo saber, menos conhecimento tenho.
Parabéns pelo texto.

Rayra Medeiros disse...

Obrigada Kallyandra por suas palavras!
Me encaixo muito bem nelas!
Muitos já me disseram que não pertenço aos anos em que estamos vivendo. Levo isso como elogio. Realmente, não sou como os jovens de hoje em dia! E me orgulho disso!
Não sei se esse tipo de comportamento acontece apenas em nosso país. Você tem alguma informação sobre isso? Os jovens dos outros países, principalmente os do "primeiro mundo", tem comportamentos diferentes?
Parabéns e obrigada!

Eder Cruz disse...

As respostas para estas perguntas finais do texto, recaem nas mesmas respostas que sempre foram ditas. Por acaso você estaria disposto a sair do seu "conforticídio" ? (Eistein)
Conseguiríamos viver fora dos nossos próprios padrões sociais que estabelecemos e idolatramos? Uma pessoa conseguiria formar esse tipo de opinião sem acesso a instrução alguma?
Sugiro um filme legal sobre esses assuntos "The invetion of Lie" 2009
O caminho seria o Bom Selvagem de Rousseau e a desconstrução de Nietzsche? ou esses caminhos resultariam no mesmo final, a realidade que vivemos? Por último, na prática, você deixaria de andar de carro para salvar o planeta?

João Antonio disse...

Como um ser humano que valoriza valores morais e a difusão de conhecimento para o enriquecimento da vida, fico estarrecido com a atuação da cultura de massa. É perturbador perceber que não sou realmente livre. Apesar do meu forte senso de dever, não ajo por não saber como. acredito que esta seja uma pergunta importante: o que devo fazer para reverte a situação atual da sociedade. Sei que sozinho não farei muito, mas isso nos leva exatamente a próxima pergunta: O que todos devemos fazer?

Willian Dias disse...

"O mundo ao contrário parecia no lugar" Bem, no texto mostra que é além disso. Desde já parabéns, está sendo de grande utilidade ler seus pensamentos.

Panthro disse...

Como alguém vai escolher alguma coisa que não conhece? O grande segredo de se manter a ilusão de liberdade é fazer com que os sujeitos conheçam apenas as opções que você quer que eles escolham. Assim, eles podem escolher entre azul celeste e azul turquesa, mas nunca escolherão vermelho, porque eles não conseguem nem imaginar tal cor.

Repetindo um único padrão de vida, um único modo de fazer as coisas e ver o mundo (a revolução se faz pelo voto; família é composta por homem, mulher e filhos; Você precisa de carro para viver) eles manipulam a massa dando a ilusão de liberdade. Você viu O Diabo Veste Prada? Nele a "mocinha" dizia não se importar com a moda. E a personagem principal mostra para ela como todas as decisões de quem não se importa com a moda como ela são tomadas por estilistas. Ela não podia fugir de se vestir segundo a moda, porque não fabricavam roupas assim. No final das contas, você só tem a liberdade de pegar o que está na prateleira.

Rufus disse...

Obrigado, Kallyandra, por escrever textos que me fazem refletir. Estava sentindo que o Nerds Somos Nozes estava morrendo (pelo menos pra mim ele estava) mas agora sinto vontade ler de outro de seus textos, que esperarei ansiosamente. É de textos assim que a internet precisa.

Thiago Luiz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thiago Luiz disse...

Kallyandra
Gostei bastante do seu texto e os comentários são tão interessantes quanto o texto em si.
Porém, venho aqui manifestar não respostas para suas perguntas mas acrescentar questionamentos que me afligem assim como você e que talvez traga mais reflexões.

“Será que para viver uma vida de aparência, para agradar o padrão social fechamos os olhos para o que é realmente relevante para a nossa construção como indivíduos?”

Qual será o preço a pagar para abrir mão de aparências e não iremos nos arrepender?

“O padrão social imposto é tão forte que impede que façamos o que queremos?”

Será que a construção dos nossos desejos e prazeres (escolhas das mais diversas) não são proporcionados pela própria indústria de massa? E o próprio questionamento sobre o seu papel? “Clube da Luta”+Fox+Rudolph Murdoch, a literatura de Huxley e Orwell vendidos na Amazon.
Talvez a biologia tenha o seu papel em nossas escolhas? Ou seja, sermos médicos, dentistas, jornalistas?
Veja bem, não quero aqui bancar o advogado do Diabo(longe disso), concordo que existe uma homogeneização cultural e social em que temos que nos vestirmos iguais, frequentarmos os mesmos locais e etc. Mas como usufruir do conhecimento humano diverso sem usar das culturas de massa e sermos cidadões livres sem utilizarmos as mesmas?

Zalankghard disse...

É quase irônico escrever textos falando sobre escolhas e aparência vindo de uma pessoa que não tem a ousadia de publicar suas ideias e convicções na mídia para a qual esses foram desenvolvidas, devido ao medo de represálias, no seu caso de ser criticada e receber uma nota baixa.

Esse é o mesmo pensamento que as pessoas de uma forma gera age. Elas tentam ser aceitas na sociedade, independentemente do que tenham que fazer para consegui-lo. Alguns psiquiatras definem que as ações humanas são guiadas apenas por duas emoções: fugir da dor e buscar prazer. E a grande maioria da população tenta fugir da dor.

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