segunda-feira, 12 de julho de 2010

Avatar FiliPêra

RIP Harvey Pekar

 

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Um dia, conversando no MSN, soltei a piada: Isso é coisa de velha judia que tem um cofre ao lado da privada! Eu tava indignado, tinha acabado de voltar do banco, depois de passar uns 20 minutos no caixa porque minha mãe tinha me dado 800 reais em notas de DOIS. A piada era uma adaptação de um dos momentos mais engraçados da adaptação cinematográfica de American Splendor, o título auto-biográfico criado por Harvey Pekar. Ele estava no supermercado, quando uma velhinha tira um saco gigante de moedas… foi o bastante para ele pensar uma série de impropérios dos mais engraçados, com a voz rouca igual aquele velho que furava a bola da galera que jogava pelada na sua rua.

Você pode não gostar de Pekar - na verdade, ele na vida real devia ser uma pilha de nervos das mais irritantes - mas, ao menos, reconheça que sua obra é uma das mais importantes dos quadrinhos americanos. Pekar era capaz de extrair histórias primorosas das situações mais mundanas e corriqueiras possíveis. Seu Mau-Humor era um personagem muito mais poderoso que Superman, seus arcos de histórias foram maiores que quase todas as Crises da DC, ou as Guerras da Marvel. Juntas!

E Harvey foi justamente contra a maré dos heróis fantasiados, que infestavam as HQs nos anos 70. Ele começou sua famosa e cultuada série American Splendor em 1976, enquanto trabalhava como arquivista do hospital da Administração dos Veteranos, de Cleveland. Para ajuda-lo, chamou um amigo, mestre & lenda dos quadrinhos undergrounds: Robert Crumb. O tema era a própria vida dele, chata em todos os sentidos, segundo o próprio. Na época de Pekar, os quadrinhos autobiográficos não tinham o peso e o status instantâneo de obra de arte que possuem hoje. Em tempos de Fun Home, Retalhos e Epilético, não é muito difícil lançar uma obra em quadrinhos que seja biográfica e alcance sucesso, o tema hoje é moda. Mas não era o caso dos anos 70, e mesmo assim ele alcançou sucesso, ao ponto de ser editado pelo mais importante selo dos quadrinhos americanos: o Vertigo - e parte desse sucesso se deve ao fato de ter sido presença constante no programa de David Letterman, onde mais brigava que era entrevistado (cace no YouTube, vale a pena).

Harvey envolvia tudo que estava ao redor em suas narrativas. Não era um crítico social, mas apenas um observador acurado e ácido, que extraía um pouco de humor de coisas irritantes. Até mesmo sua luta contra o câncer ganhou uma graphic novel - Our Cancer Year, não-lançada no Brasil (AINDA). Somente uma de suas obras chegou a ser publicada no em nossas terras: Bob & Harv: Dois Anti-Heróis Americanos, portanto, não deixe de ler, Pekar merece.

American Splendor foi adaptado para o cinema e teatro. A peça nunca vi, mas seu filme é uma das melhores adaptações de quadrinhos da história. Paul Giamatti nasceu para o papel e manda um Harvey absurdamente convincente. O filme ainda abusa da metalinguagem e o próprio Pekar surge no fim em alguns momentos. É melhor que os tropeços de Superman, é melhor que quase todas as fases do Batman, melhor que os filmes dos X-Men, embora deva ao sucesso desses o financiamento que recebeu.

 

É um brilhantismo que não volta… Isso aqui não foi uma resenha ou biografia, foi apenas um manifesto dizendo que ele fará falta. Muita falata. Hoje, Harvey foi encontrado morto pela sua mulher, Joyce Brabner, em sua casa, em Cleveland. Ele sofria de câncer de próstata, asma, hipertensão e depressão, e tinha 70 anos.

Uma pena, o mundo precisa de mais ranzinzas assim!

4 Comentaram...

Lucas disse...

FiliPêra! Aproveita a deixa e põe as revistas e o filme do Harvey Pekar no Anarquia Nerd!!!

Victor disse...

Muito bom Filipêra. Um ótimo texto, digno de marcar a passagem desse grande talento. Harvey virava o sentido e o alcance da lente de aumento nos quadrinhos e, ao invés de mostrar ideais inatingíveis de super-heróis poderosos salvando o mundo, ia na contramão e descrevia, com olhar microscópico, as coisas mais mundanas, mais murrinhas da vida ordinária, revelando o "esplendor" que há mesmo nas nossas piores horas.
Parabéns pelo texto.

Germano, vulgo Gê disse...

Sentiremos falta...

blogueiro disse...

Se a internet fosse popular naquela época, o tal Harvey Pekar seria apenas mais um blogueiro irritado com tudo e com todos.

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