terça-feira, 30 de agosto de 2011

Avatar Murilo

A Estrada da Noite

 

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Vou ‘vender’ o fantasma do meu avó pelo preço mais alto.

Jude tinha uma coleção particular.

Tinha desenhos emoldurados dos Sete Anões na parede do estúdio, entre seus discos de platina. John Wayne Gacy, o ‘Palhaço Assassino’, fizera os esboços e os mandara para ele. Gacy gostava tanto da Disney dos anos dourados quase tanto quanto gosta de molestar crianças pequenas, quase tanto quanto gostava dos discos de Jude.

Jude tinha o crânio de um camponês do século XVI, que fora perfurado para os demônios saírem. Guardava um monte de canetas enfiadas no centro do crânio.

A crença em fantasmas, na vida após a morte, é quase tão antiga quanto a própria humanidade e se encontra em todas as culturas do planeta. O passado até então não era tido como algo morto. Muito pelo contrário, ele podia irromper a qualquer momento, feroz e ameaçador. A morte ainda não era a fronteira final, o último obstáculo a ser superado. Os mortos, acreditava-se, continuavam entre nós. Eles podiam retornar para assombrar nosso mundo, pedir ajuda para salvar suas almas ou exigir algo prometido ainda não cumprido. Centenas de milhares de páginas eram preenchidas com a então chamada ciência dos espectros, cadáveres eram desenterrados e condenados por crimes cometidos em vida e rituais eram feitos para garantir que os mortos tivessem uma boa “vida” lá em baixo.

Uma crença tão eterna e marcante como essa, capaz de produzir novos mitos até hoje, não deixaria de ser presença importante na literatura e no cinema. A popularização da literatura gótica e de seus clichês perpétuos (um dia escrevo um texto inteiro só sobre eles) apontaria a figura como o fantasma seria geralmente reconhecido: pálido e imponente, capaz de atravessar paredes, flutuar, gemendo espectralmente. Desde então, tema seria o mais rico subgênero do terror daria as caras em histórias de diversos outros estilos, gerando inúmeras obras-primas. Em 2007, surgiria o último bom livro sobre fantasmas, A Estrada da Noite, pelas mãos de um escritor ainda pouco experiente. Depois do sucesso da premiada coletânea de contos Fantasmas do século XX, Joe Hill alcançaria a consagração com A Estrada da Noite, seu primeiro romance, realizando o feito inédito de ser chamado de mestre já em sua estréia literária.

Como todos os sites e blogs se apressam a avisar aos leitores mais desinformados, Joe Hill é filho do célebre Stephen King. Embora ainda tenha se esforçado bastante para esconder o parentesco, não demorou muito até que a verdade fosse revelada e as comparações viessem à tona. Mesmo não sendo tão bom quanto o pai, ele conseguiu aquela rara emancipação que poucos parentes de pessoas famosas conseguem. Da mesma maneira que Alexandre Dumas (filho), Luís Fernando Veríssimo e Sofia Coppola, Hill gravou seu nome na arte por causa do seu próprio talento. Isso se tornou uma verdade tão grande que as edições de seus livros mal precisam estampar nas capas o nome de Stephen King para que entrem na lista de mais vendidos.

Não fazia sentido o modo como as coisas tinham se desenrolado. Judas Coyne sempre fora o astro; a banda se chamava O Martelo de Judas. Era ele quem devia ter morrido tragicamente jovem. Jerome e Dizzy deviam ter sobrevivido para poder contar, anos mais tarde, numa retrospectiva, 13 histórias selecionadas a seu respeito, (ambos ficando calvos, gordos, com as mãos e unhas tratadas, em paz com sua riqueza e com seu rude, ruidoso passado.)

Os integrantes do My Chemical Romance estavam num talk show na TV. Tinham cabelos espetados e argolas nos lábios e sobrancelhas, mas sob o pó branco da maquiagem e o batom preto havia uma coleção de garotos gorduchos que provavelmente tinham participado, alguns anos antes, da banda do colégio. Pulavam de um lado para o outro, caíam um em cima do outro, como se o palco debaixo deles fosse uma placa eletrificada. Brincavam febrilmente, aterrorizando uns aos outros. Jude gostava dos rapazes. E se perguntava qual deles ia morrer primeiro.

 

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Jude Coyne é um ex-vocalista cinqüentão de uma extinta banda de rock pesado, que vive atualmente apenas da vultuosa renda dos direitos autorais das suas músicas. Mesmo se esforçando para manter a postura durona e auto-destrutiva até mesmo para a sua namorada gótica Geórgia, ele sabe muito bem que seus dias de rockstar já se passaram há muito tempo. Para ocupar suas várias horas livres, cultiva uma bizarra coleção. Comprando em leilões na internet ou ganhando de fãs, Jude guarda em seu estúdio de gravação pequenos objetos macabros. Uma fita snuff, uma caveira da idade média, uma forca, a confissão de bruxaria de uma garota para a Inquisição, entre outros. Um dia, ao encontrar disponível para venda um fantasma preso em um antigo paletó, Jude não pensa duas vezes. Compra-o imediatamente. O que ele não sabia era que o paletó era mesmo assombrado e que ele caiu em uma armadilha.

O fantasma do paletó, Craddock McDermott, um especialista em hipnose, quer vingança. Está louco para matar Jude, que julga ter provocado o suicídio da sua neta, e todos os que ousarem entrar em seu caminho. Então se inicia uma fuga desesperada pelos Estados Unidos, com uma pick-up possuída por um fantasma logo atrás, onde nada jamais é o que parece ser.

Se o inferno fosse alguma coisa seria conversa de rádio - e família.

Nos tempos do colégio ele enfiou a bala de fuzil numa tira de couro e usou-a em volta do pescoço até o diretor confiscá-la. Jude se admirava de não ter encontrado um meio de matar alguém naquela época. Possuía todos os elementos-chave de um estudante atirador: hormônios, angústia, munição. As pessoas não entendiam de que forma algo como Columbine podia acontecer. Jude se perguntava por que não acontecia com mais frequência.

Diferente do pai, famoso por alimentar incansavelmente o suspense em seus livros, Joe Hill prefere contar suas histórias com a sutileza de uma bomba. Em míseras seis páginas, a caixa preta em formato de coração chega, Jude já está com o paletó mal assombrado em mãos, tendo que lutar por sua vida contra um oponente implacável, praticamente invencível. De forma que não chega a surpreender que o romance seja curto, com tantos capítulos concisos. Ao lê-lo, percebe-se que o estilo rápido de Hill não permitiria que fosse diferente.

A Estrada da Noite é o romance do século XXI. Não só pela agilidade que a maioria dos leitores parece exigir hoje, mas também pelo rico panorama tecnológico que faz dos nossos tempos. Todos os personagens (com exceção de Jude) são pessoas extremamente conectadas, usuários fiéis do Google, MSN e email. O fato de o fantasma ser comprado em um leilão virtual não foi à toa. Jude, que faz questão de nunca compartilhar do mesmo interesse pelo mundo digital, chega a comparar os hábitos das pessoas na internet ao de viciados em cocaína. Quando pensamos na quantidade de pessoas se descabelando, irritadas, que precisam verificar seus emails, a comparação nem parece mais tão absurda. De repente, nos tornamos tão dependentes de uma tecnologia que mal pudemos cogitar viver sem ela.

Os fantasmas sempre nos alcançam, é impossível trancá-los do lado de fora. Eles simplesmente atravessam a porta, mesmo que esteja trancada.

Para mim, sempre foi difícil aceitar a idéia de que espíritos iriam querer vagar a esmo por casas abandonadas, assustando qualquer engraçadinho que entre uma delas, quando eles podiam estar no lugar que eles quisessem. Parece-me tão absurdo quanto vampiros passarem suas eternidades indo repetidamente à escola. Joe Hill consegue alterar isso maravilhosamente bem. Seu fantasma ganha um nome, passado e objetivo claros. Craddock assombra Jude apenas porque o seu ódio foi tão grande que venceu todos os limites da morte, da estrada da noite. Para matar Jude, ele é capaz de fazer muito mais que atravessar paredes e flutuar. Controla as freqüências de rádio, as imagens da televisão, influencia sonhos e, pior: utiliza sua experiência com hipnose para subjugar as mentes das pessoas por completo, obrigando-as a fazer o que ele quiser.

 

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Joe Hill, já em seu primeiro livro, demonstra um grande domínio psicológico e habilidade em criar personagens extremamente críveis. Ele não se prende a caracterizações clichês, conseguindo com que cada um deles nos pareça único e real. Jude, por exemplo, foge completamente do papel do típico mocinho. Ele é um canalha autodestrutivo em muitos aspectos, traindo os companheiros de banda e largando a garota que amava no momento em que ela mais precisava dele. O realismo dos personagens chega a influenciar os diálogos, sempre cotidianos e realistas, passando longe do pacotão de frases de efeito a que muitos escritores recorrem.

A Estrada da Noite é um dos muitos romances que enfocam o mundo do rock e, como não poderia deixar de ser, Joe Hill se diverte bastante enchendo a história com diversas referências ao heavy metal e ao punk. O título do livro em inglês, por exemplo, é o mesmo de uma música do Nirvana e cada parte do livro tem o nome de uma canção de rock.

O som dos banjos dos Ozarks, da música gospel deu-lhe uma sensação de prazer. Sentiu-a subir pelos antebraços e pela nuca. Muitas de suas canções, quando começavam a brotar, soavam como músicas antigas. Chegavam assim à soleira da sua porta, como órfãs sem rumo, como crianças perdidas de grandes e veneráveis famílias musicais. Chegavam a ele com o som de piano dos ragtimes e dos blues no Tin Pan Alley ou dos empolgantes riffs de Chuck Berry. Jude as vestia de preto e as ensinavaa gritar.

Mas, apesar de tudo, A Estrada da Noite não é exatamente a perfeição que algumas pessoas parecem considerar. Em meio a tantos quilômetros percorridos na fuga por Jude e Geórgia (A Estrada da Noite é um verdadeiro road book de horror), Joe Hill parece deixar claro que seu objetivo é transformar a jornada dos protagonistas em uma oportunidade de redenção. O problema é que Jude e Geórgia continuam praticamente os mesmos no fim da história. A única diferença em relação ao começo é que agora os conhecemos melhor. Isso transforma o desfecho da história em uma solução bastante insatisfatória, destoando completamente do que se esperaria daqueles personagens e de uma história que enfoca temas densos como abuso infantil e mutilação.

Entretanto, A Estrada da Noite ainda consegue ser um dos principais lançamentos do horror dos últimos anos. Mesmo sendo um gênero tão popular, a verdade é que bons escritores de terror são muito difíceis de encontrar. É por este motivo que os fãs receberam a estréia de Joe Hill com tanto entusiasmo. Ele consegue provar aqui que é mais que só bom. É um novo e necessário sopro de modernidade.

Autor: Joe Hill

Páginas: 254

Preço: R$ 29,90

Editora: Sextante

Nota: 7,5

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Cheech e Chong - Queimando Tudo

Por Marco Aurélio, do Cinemarco Cineclube 

 

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Hey, man! What the hell is fuckin’ movie?

É praticamente um dever de cidadão-cinéfilo escrever sobre essa obra. Talvez esquecida pela nova geração, esse filme é quase mais velho que andar pra frente. Tá, nem tanto assim. Se você é um desses que vive pesquisando e fuçando acerca de filmes, raridades, referências e histórias sobre a sétima arte, provavelmente parecerei redundante, mas se estás meio “desligadão” do cinema, você já está fazendo o estilo do filme.

Resumir Cheech e Chong apenas como dois maconheiros hippies idiotas e desengonçados é ser verdadeiro superficial demais e menosprezar a importância dos dois. Importância pro cinema, claro. Lá nos fins dos anos 70, Cheech Marin e Tommy Chong iniciaram uma série de filmes sobre essa onda liberal, que refletia principalmente no cenário musical e no cinema. Mas dos mais de dez filmes que fizeram, darei ênfase apenas no primeiro, que é o mais conceituado e famoso, e é decisivo pra saber se você vai querer ver os outros ou não.

Queimando Tudo é desses filmes de caráter idiota que é difícil não rir. E nada de risadinhas de canto da boca, ou de pensar que você vai ver o filme e apenas sacar mentalmente onde está a graça da coisa. É risada de verdade, isso se você se deixar levar pela fumaça onda dos caras. Se a nova geração gostou de Débi e Lóide, saibam que eles fumam bebem da fonte de Cheech e Chong. Para isso, deixe o preconceito de lado, e veja esse filme velho sobre dois maconheiros doidões.

 

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Tudo se inicia de modo involuntário, quando de Pacas confunde Man Stoner como uma mulher à beira da estrada e decide dar carona. Ao perceber que se trata de um homem ainda mais barbado que ele, não hesita em dar a carona. Eles vão se conhecendo e percebendo suas idiotices afinidades. Essa primeira e grande cena do carro é excepcionalmente bem-feita, e apresenta as maiores genialidades do filme. Contando com piadas muito bem construídas e improvisações interpretativas de primeira, eles deixam claro suas personalidades, em meio a muita fumaça, babaquice e inteligência. É com uma longa cena inicial que eles abrem caminho para todas as outras idiotices. O que é interessante e funciona como um motivador dessas piadas sequenciais e quase ininterruptas é que os acontecimentos passam longe de ser no estilo “altas confusões”, e acontecem unicamente devido à convincente babaquice dos dois.

As atuações merecem notório destaque. As facetas, olhares e risadas absurdamente bem interpretadas e apresentadas em imagens, realmente valem mais do que quaisquer mil palavras inocentes que tentem traduzir os momentos em cena. De primeira.

O absurdo é presente e ativo no filme, desde o tamanho do baseado que fumam à capacidade de esquecer o próprio nome e engolir ácido no lugar de remédio. De Pacas (Cheech) é um americano-mexicano, pobre e que dedica muito de seu tempo a somar enfeites do péssimo gosto em seu carro, e Man (Chong) um maconheiro de alto calão.

Nessas comédias protagonizadas por duplas imbecis, é comum perceber a liderança de um sobre outro. No entanto, essa característica não ocorre em Cheech e Chong, com níveis de sem-noção que se anulam e intercalam momentos de lucidez e maluquice.

As ideias originais e construções de roteiros são assinadas pelos próprios atores principais, além de dirigirem os próximos filmes da série. Vale lembrar que os nomes dos personagens no primeiro longa são diferentes dos demais filmes sequenciais, Cheech Marin é Pedro de Pacas, e Tommy Chong é Anthony ‘Man’ Stoner. E é apenas nos filmes subsequentes que eles adotam parte de seus nomes verdadeiros para os personagens.

 

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O nome dele é Raaaaaalph!

As situações enfrentadas pelos personagens merecem uma atenção. A construção da história não se apega em conectar os atos dos protagonistas num interesse de dar sentido final à obra. O trabalho é conduzido com enfoque em cada situação aleatória e, ainda que muito bem boladas, em alguns momentos as cenas perdem o senso de conectividade com a história. Dessa forma, as situações enfrentadas por eles dentro de um próprio filme ou até mesmo nos filmes sequenciais, não correspondem às explicações lógicas dos acontecimentos. Mas é exagero querer diferente, já que o enfoque dos longas está unicamente nas piadas. E aí ele é fera.

Por esses e mais motivos Cheech e Chong ganhou reconhecimento e cravou seu nome na comédia protagonizada por duplas, desfilando com autoridade um humor invejável, de grande capacidade criativa e de improvisação. Suas obras merecem uma conferida.

 

Up in Smoke (EUA, 1978)

Definindo-o em uma palavra: Idiota

Duração: 86 min

Diretor: Lou Adler

Nota: 8

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

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Supergods: O que um careca escocês pode nos ensinar sobre quadrinhos?

Por Synthzoid, do NerDevils 

 

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Se você pegar o encarte de Supergods, o primeiro livro do escritor Grant Morrison, vai encontrar a seguinte citação de Stan Lee: “Grant Morrison is one of the great comic writers of all time. I wish i didn’t have to compete with someone as good as him” se Jack Kirby estivesse vivo, provavelmente diria: “cai dentro!”, mas a verdade é que sem Lee ou Kirby, não existiria Morrison, ao menos não da forma como conhecemos.

Supergods é a primeira empreitada do escocês careca na literatura convencional, neste livro, o mesmo busca desenvolver – sem pretensões acadêmicas – suas visões profissionais, ideológicas e espirituais sobre o meio, analisando o espírito de cada época assim como desenvolvendo um paralelo biográfico.

O livro começa no início do século passado, no auge dos males daquela época, a Grande Depressão, a Bomba e a sombra de Adolf Hitler pairando sobre a Europa e assim Morrison toma seu tempo para explicar, de forma empolgada e eletrizante, o advento do Super-homem e o início da Era de Ouro das HQs.

Logo de cara, podemos detectar a principal falha do livro, a constante perda de fôlego que Morrison exibe em sua dissertativa, capítulos como “The Sun God and The Dark Knight” ou “Superpop” apresentam não apenas um nível alto de argumento, como também humor e atmosfera. Mas em compensação, em demais outros, o escocês patina, como se entrasse em um modo automático, preenchendo lacunas até chegar em um ponto mais pertinente.

É espantosa a intimidade do autor com o meio, conhecendo a essência criativa por trás das principais obras e as motivações dos escritores e desenhistas da época, Morrison inclusive, trata com carinho períodos “negros” da indústria, como a Era de Prata, enfatizando o esforço criativo da época em contornar ou criticar o Comics Code Authority.

Interessante analisar como Morrison “distribui” a culpa dos eventos que levaram à Era de Prata, não apenas evidenciando de forma sardônica certos sentimentos enrustidos de Frederic Wertham, autor do controverso Sedução dos Inocentes, onde argumenta que a degeneração moral da juventude norte-americana se encontra, em partes, nas HQs. Assim como a indústria de HQs na época, incapaz de realizar uma contingência de reação perante a opinião pública e o próprio declínio criativo dos artistas da época.

Entre os capítulos mais louváveis dessa fase, é “Shamans of Madison Avenue” e o surgimento de New Gods por Jack Kirby e o início da “meta-espiritualidade” nas HQs e “Brighest Day, Blackest Night” onde Dennis O’Neil em Green Lantern/Green Arrow evidenciou as inquietações sociais americanas e mostrou o quanto isto era contraditório à proposta do CCA. Para os leitores atuais, é engraçado perceber como Morrison evita comentar sobre a Marvel Comics, como se o autor – por uma série de razões até mesmo editoriais – se sentisse desconfortável para comentar sobre a Marvel Comics.

Claro, o livro não deixa de dar mérito pra importância de títulos como Fantastic Four, Spiderman e Captain America, mas como o próprio Morrison afirma em suas notas biográficas, ele achava que os títulos da Marvel tinham uma certa dose de realidade que ele considerava intragável para sua infância.

E o mesmo reconhece que foi em Stan Lee, que surgiram diversas das suas inspirações, como a idéia de trabalhar metalinguagens em trabalhos como Animal Man e Doom Patrol na DC/Vertigo.

 

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A parte bigráfica é um show a parte, e em diversos momentos considerei mais atraente que a própria proposta do livro, desde sua infância pacata em Glasgow, o crescente tédio na adolescência, o divórcio de seus pais e sua inevitável empreitada no mercado editorial, assim como o início da fama, com Zenith na 2000 AD, seu contato com as drogas, o vegetarianismo, as experiências lisérgicas e sua primeira crise existencial, há quase duas décadas atrás.

Claro que o livro reflete os maneirismos criativos de Morrison, a relação entre espiritualidade e cultura pop é amplamente explorada, exemplos como o dualismo Apolo/Dionísio entre Superman/Batman, a questão de símbolos e palavras mágicas e ai o mesmo argumenta que Captain Marvel, ao pronunciar “SHAZAM”, se tornou o primeiro grande xamã da ficção moderna.

A verdade é que, tirando suas discussões sobre a Era de Ouro e de Prata, se o leitor conhece a obra recente de Morrison, então pouco sobra do livro, em muito, o livro é considerado um manifesto em prol da edificação do arquétipo super-heróico. Na terceira parte do livro, Morrison prefere chamar a “Era Moderna”, iniciada por Frank Miller e Alan Moore como a “Era das Trevas”, onde se deu início a uma obsessão pelo “realismo” nas histórias, trazendo o vício insalubre que ficou conhecido pela crítica como “grim n’ gritty”

Morrison condena o “realismo” por duas instâncias: primeiro, pois ele é fruto de uma mente adulta e limitada pelas vicissitudes do cotidiano adulto, e que, por fim, o mesmo não passa de um exagero de violência e repreensão sexual que visa não transformar as histórias em algo real, mas sim “desmoralizá-las”.

E ai o escritor reforça sua crítica em cima de Watchmen, onde de forma ambígua, elogia o esforço criativo de Alan Moore em talhar sua história em uma “perfeita simetria”, mas condena a obsessão do barbudo com suas personagens, deixando bem claro que “realismo” não é sinônimo para “fatalismo”, “humanizar” personagens não é o mesmo que “humilhar”.

Alguns fóruns acusaram que o livro, levando em conta a recente reformulação do Universo DC, se tornou um golpe publicitário, é importante frisar que Morrison tem dado uma série de entrevistas sobre o futuro criativo da editora, roteirizando três dos personagens mais importantes da editora, a famosa “trindade” composta por Superman, Wonder Woman e Batman.

Em diversos momentos, Morrison argumenta a inspiração popular, quase socialista do Superman de 1938, assim como os fetiches BDSM de William Moulton Marston, o escritor original de Wonder Woman, idéias que ele afirmou que vai retomar e por em prática em trabalhos futuros.

Não é mentira que a ascensão do escocês tem causado incomodo no público e na mídia, vamos ser sinceros quanto a um ponto, Grant Morrison é um nerd que vive seus quinze minutos de fama, com livro e documentário, onde muitos optariam por sofrer uma “síndrome do undeground”, Morrison busca através dessa visibilidade dar uma projeção maior a seus projetos e idéias.

Supergods é o início do que pode ser o “próximo passo” do mercado de HQs, da mesma forma que Kirby, Lee, O’Neil, Moore, McFarlane e tantos outros contribuíram com o futuro do meio, só o tempo poderá nos dizer sobre o êxito dessa empreitada. Ficam aqui meus votos para o fim dos anti-heróis carrancudos e a volta das capas esvoaçantes e heróis sorridentes, assim como no passado, esses são tempos em que mais do que nunca, precisamos deles novamente.

Avatar FiliPêra

Primeiras notícias do reboot da DC fazem a editora sorrir

 

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Vocês devem saber que a DC rebootou todas as suas histórias, mandou toda a sua emaranhada cronologia pra vala e começou tudo do zero, por uma série de motivos, que inclui renovar e atrair mais público - e dinheiro, claro. É aquela velha coisa do mercado precisar se renovar: os velhos odeiam, os novos gostam, e no fim muita gente sai feliz. Encare o reboot como um Wii dos quadrinhos, uma espécie de necessidade de ruptura periódica. O conceito parece bem ruim, mas tudo depende como os produtores/escritores tratarão o material - e temos Grant Morrison a frente de Action Comics, o que já é alguma coisa. Eu vejo com descrédito, mas como uma coisa relativamente necessária, visto o fato da cronologia DC ser uma bagunça completa (e continuará a ser, mesmo com o reboot, pelo que vi), inclusive após as diversas Crises cronológicas que tiveram como missão justamente ajustar as bagunças “multiversais”. Ou seja: quem sabe as histórias não sejam boas?

E mesmo com meio mundo de fãs esperneando, os primeiros números de vendas de pelo menos um dos títulos é espetacular, embora seja meio cedo ainda. Explico: o mercado americano tem uma diferença bem básica em relação ao brasileiro; lá não existe encalhe, ou bancas, as vendas são feitas via Comic Shops, que fazem encomendas e efetivamente compram as revistas que encomendaram. Em outras palavras, os donos de comic shops precisam estar confiantes com as vendas, para fazer encomendas gordas e fazer propagandas para o público.

Agora a bomba (no melhor dos sentidos): Justice League #1, de Geoff Johns, teve 200 mil exemplares vendidos para comic shops, o que pros tempos atuais é um feito e tanto. Pra você ter uma idéia, esse ano tivemos meses que nenhum título passou dos 100 mil exemplares. E não é só o reinício de Liga da Justiça que começou bem, outros seis títulos passaram da barreira mágica dos 100 mil exemplares, e só se está contando as encomendas pra comic shops em formato físico: os gibis da DC agora serão vendidos em formato digital ao mesmo tempo que forem lançados nos comic shops.

É coisa pra caramba, estima-se que só o número 1 da Liga da Justiça venda em torno de 300 mil exemplares - o que o torna facilmente o título mais vendido do ano.

Em outras palavras: você pode ter achado o reboot uma grande merda, mas tem muita gente colocando toda a fé nele. Agora é saber se o público está com esse entusiasmo todo, ou se ele durará por mais de seis meses.

 

PS: Já gravamos um NozesCast sobre o tema, aguardem um pouco que ele será lançado!

[Hero Complex via Judão]

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

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[Pipoca e Nanquim] Prisão

Por Pipoca e Nanquim 

 

83 - Prisão - Pipoca e Nanquim por pipocaenanquim no Videolog.tv.

Olá a todos, vamos a mais um videocast semanal do Pipoca & Nanquim.

Nesse ritmo vamos chegar a 100 programas rapidinho (nada mau para quem apostava que não passaríamos dos 20). Esse sucesso, claro, devemos a você que nos acompanha e prestigia e a nossos sensacionais parceiros.

Bem, sem mais delongas, o tema de hoje é Prisão. Um tema que nos fascina a todos, talvez por ser algo bastante distante de nossa realidade (ao menos da maioria), e que gera uma bizarra curiosidade. Dentro do universo do prisioneiro encontramos um pouco de tudo, desde as deliciosas disputas de poder e abuso de autoridade que todos adoramos, até dramas individuais, abuso sexual, redenção e filosofia de botequim acerca da perda da liberdade.

Separamos algums obras essenciais nos quadrinhos e nos cinemas para vocês. Nas HQs, lembramos dos ótimos Na Prisão, Morgan e A Morte do Vigilante e Colônia Penal, revista da DC que tem uma cena no chuveiro da penitenciária que entrou para os anais da história. Filme tem de monte, mas destaque para os emblemáticos Papillon e Alcatraz: Fuga Impossível.

No checklist indicamos a sensacional HQ Quando Eu Cresci e o novo livro do Conan, O Bárbaro.

Bom, é isso aí pessoal. Não se esqueça de comentar e lembramos mais uma vez que o livro Apocalipse Zumbi, do pipoqueiro Alexandre Callari, já está a venda nas melhores livrarias do país.

Avatar FiliPêra

No meio da (semi) desgraça, a Nintendo começa a ver a luz

 

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A Nintendo reinou absoluta nos portáteis desde que lançou o Game Boy, em 1988. Mas aí veio uma aposta no 3DS - na tecnologia 3D, que ainda considero forçada, por motivos que já expliquei e tem muito a ver com a forma como ela é aplicada - e o mercado mostrou que não estava tão fácil como antes. As vendas foram decepcionantes para um produto portátil da empresa e ainda não haviam passado dos 4 milhões de unidades, o que levou a Satoru Iwata, manda-chuva da Nintendo, cortar o próprio salário - quase um harakiri corporativo - e reduzir o preço do portátil da empresa em 30%. Por uma das primeiras vezes na história, um console daria prejuízo a empresa ao invés de lucro - ou de se pagar, embora tenha sido Hiroshi Yamauchi, antigo presidente da empresa, a inventar o negócio de lucro sobre os softwares no mundo dos games.

As especulações em cima dos problemas de venda do portátil foram tantas, que alguns produtores anunciaram que o PS Vita, novo portátil da Sony, já nascerá morto, o que não passa de um exagero, mesmo com a concorrência ferrada de smartphones e tablets.

Apesar do revés, o ano é bom para a Nintendo de uma forma geral, mas estar no topo gera mais cobranças, obviamente - ainda mais com as atitudes agressivamente lucrativas da empresa -, e o alarde criado em cima da queda nas vendas da dos produtos da Nintendo levou muita gente a maximizar o problema, coisa que os números não mostram com tanta clareza assim.

Esse ano, a empresa vendeu mais jogos que todas as outras - o Wii é o console que mais vende jogos, por exemplo -, tem dois consoles entre os três mais vendidos, e a concorrência ainda navega distante, apesar de quedas bruscas, tanto do Wii, quanto do DS. Fora que seus aparelhos não dão prejuízos, o que significa em tempo menor para ele dar lucros suficientes para a empresa investir em uma nova geração mais cedo.

Mas vamos aos números, começando pelos portáteis:

 

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Essa semana veio a boa notícia que eles esperavam: o 3DS voltou ao topo, tanto no Japão quanto nos EUA. Para expressar em números, basta dizer que ele vendeu sete vezes mais que três semanas atrás, quando foi anunciado o corte de preço. Até o Wii voltou a superar o Xbox 360, embora tenha ficado 30 mil unidades do PS3, numa época em que o mercado, no geral, ficou bem estável em relação a semana passada.

Ah, é só uma semana positiva…” Não é bem assim. Vamos deixar que os números falem por si:

 

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Pela imagem, podemos ver que o Wii vendeu menos que o PS3 tanto há um ano, como na semana passada e ainda essa semana. No entanto, a queda de venda dele em relação ao ano passado também é a menor. E na primeira imagem podemos ver que, no mercado mundial, o DS vendeu mais que o PSP nos últimos dois meses e meio, e acompanhamos a recuperação do 3DS após a redução de preço. São números bem diferentes do indicado pelo mercado japonês, por exemplo, que estão cada vez mais intraduzíveis em relação ao mercado mundial.

Mas e os jogos, que é o que realmente importa, no fim das contas? O gráfico abaixo mostra o desempenho na venda de jogos no mercado mundial e uma franca recuperação do Wii - além de uma tendência de queda, tanto no Xbox 360, quanto no PlayStation 3.

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Reparem que o Wii vende mais jogos que os outros consoles e ainda possui a queda menor em relação ao ano passado… bem menor, por sinal. Essa semana, o console experimentou um aumento de 1% nas vendas em relação a semana passada, enquanto a concorrência experimentava uma queda de 17%, em média. No ramo de portáteis, temos outra vitória da Nintendo, com o praticamente finado DS na liderança e um aumento nas vendas do 3DS.

Ontem, outra boa notícia pra empresa: o anúncio de uma conferência para o 3DS em setembro, seguido de especulações sobre uma possível nova versão do portátil - mais barata - acabou por jogar as ações da Nintendo 8% pro alto, mesmo com executivos desmentindo tudo sobre versões do portátil.

Ou seja: creio ser precipitado pra dizer que a empresa está em crise, no fim das contas, embora ele esteja em uma fase de tomar medidas para evitar a instalação de uma!

 

[Via VGChartz]

Avatar FiliPêra

Busca Implacável 2 é anunciado…

 

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Quem viu Busca Implacável provavelmente concordou com uma coisa: o filme é foda. O filme termina bem, com Liam Neeson socando várias caras e tudo o mais. É um filmão de ação no estilo que Hollywood gosta(va) e ainda passou a mensagem do tráfico de mulheres. Perfeito, morreu ali, e ainda teve o prazer de me lembrar um dos filmes mais fodas que já assisti em todos os tempos: O Troco, onde Mel Gibson revive um daqueles gângsteres amorais que todos se amarram; praticamente um filme noir moderno - um dia faço um texto completo sobre ele.

Agora, Luc Besson, produtor do primeiro, anuncia uma sequência do filme e já manda uma boa notícia: todo o elenco do original está de volta. Junto com eles, volta o roteirista Robert Mark Kamen, que escreveu o roteiro do primeiro junto com o próprio Besson. Só muda o diretor: sai Pierre Morel, e entra Olivier Megaton, que dirigiu Carga Explosiva 3.

No modo como anda Hollywood atualmente o filme tem aquele jeitão faca de dois gumes: pode ser outro filmão, outra pequena pérola, ou pode ser uma bela droga. Casos dos dois lados temos para mostrar. De um lado, Santos Justiceiros. O primeiro é um filmaço de ação, com personagens hilários, situações improváveis e cenas muito bem construídas. Já o segundo… é uma afetação só, parece uma versão pastiche do primeiro, e toda a equipe dele estava de volta, inclusive o diretor.

Do outro lado da equação temos Tropa de Elite. O primeiro é um clássico nacional, e gerou um duplo debate dos mais longos, um sobre pirataria e outro sobre o fascismo policial presente no Brasil - e no mundo. Se Eu esperava que Santos Justiceiros 2 fosse outro excelente filme, de Tropa de Elite 2 Eu não esperava absolutamente nada, parecia um caça-níquel nacional da pior espécie. Ledo engano: o filme é espetacular, quase irretocável e se aproximou de Cidade de Deus do posto de melhor filme nacional já feito.

E Busca Implacável 2? Se depender do meu nível de chatice ceticismo atual, não ponho nenhuma fé no filme, mas separarei duas horas para vê-lo, quem sabe não me engano…

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Avatar Voz do Além

Steve Jobs deixa a presidência da Apple. Ou seja: compre ações da empresa

 

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Steve Jobs em momento José Serra…

Após protagonizar uma das reviravoltas mais sensacionais do mundo corporativo mundial - foi demitido da própria empresa que fundou, para ser chamado para presidi-la novamente quando ela estava próxima da bancarrota, e em 14 anos a tornou a mais valiosa do planeta - Steve Jobs anuncia sua saída da presidência da Apple. O anúncio rolou ontem, através de uma carta enviada ao Conselho Administrativo da empresa.

Sem Jobs, a Apple provavelmente teria naufragado, ao invés de ditar modas de mercado e possuir um arsenal de produtos campeões, como o Macintosh, iMac, OS X, iPod, iPhone e iPad. Mesmo que o “usuário de ácido mais famoso do mundo depois de Tim Leary” seja do tipo chefe rabugento que desliga computadores porque olhou pra sua cara e achou que você não estava trabalhando como deveria, é inimaginável pensar a Apple sem ele - muito mais fácil pensar a Microsoft sem Bill Gates e com Steve “Gorila” Ballmer, por exemplo.

A Apple não demorou, e publicou uma nota oficial em que anuncia que Jobs continua na presidência do Conselho de Administração da empresa, e que a corporação adotará a indicação dele e dar o cargo de presidente para Tim Cook, que esquentava a cadeira de vice-presidente operacional da Maça. Abaixo, a carta do Sr. Trabalhos, agora ex-presidente da Apple.

Ao Conselho Diretor da Apple e à Comunidade Apple:

Eu sempre disse que, se houvesse um dia em que eu não pudesse mais cumprir meus deveres e atender às expectativas como presidente-executivo da Apple, eu seria o primeiro a informá-lo. Infelizmente, esse dia chegou.

Por meio desta, renuncio do cargo de presidente-executivo da Apple. Gostaria de servir, caso o Conselho o aprove, como presidente do Conselho da Apple, diretor e funcionário da Apple.

Quanto ao meu sucessor, recomendo fortemente que executemos nosso plano de sucessão com a nomeação de Tim Cook como presidente-executivo da Apple.

Acredito que a Apple está à frente de seus dias mais brilhantes e inovadores. E estou ansioso para observar e contribuir para seu sucesso no meu novo posto.

Fiz alguns dos melhores amigos da minha vida na Apple, e agradeço a todos vocês pelos muitos anos nos quais pude trabalhar ao seu lado.

Steve

Como era de se esperar, as ações da Apple caíram 7% nas operações de after-market (realizadas com a Bolsa fechada), um valor bruto de US$ 22.68 bilhões no valor total da empresa. Ainda assim, um número menor do que rolaria se ele morresse abruptamente, ou tivesse um ataque cardíaco enquanto apresentasse uma keynote.

Agora a triste notícia a todos macfags usuários de produtos Apple: segundo uma fonte segura, todos os gadgets da empresa vão parar de funcionar quando o coração de Jobs parar de bater… Espero sinceramente que nenhum investidor leia essa asneira isso, ou a coisa pode ser feia para o bolso de muita gente!

É isso aí, galera… se você usava blusa com gola rolê preta e calça jeans, tá na hora de mudar seu visual.

Avatar FiliPêra

FARRAZINE # 23

 

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Bom, como de costume aqui nesse humilde blog, está aí o release dos nossos parceiros do FARRAZINE, o melhor zine digital das terras brasileiras. Como habitual, tem uma matéria minha…

Atenção respeitável público! A mais nova edição do Farrazine está no ar!

E dessa vez a edição sai do forno junto com o projeto "AGOSTO PRA TUDO" da República dos Quadrinhos do nosso companheiro Beto Potyguara!
Esta iniciativa já está no ar e você pode ler mais detalhes nas páginas do Farrazine.

Uma visão divertida do reboot da DC feito por Ed Palhares e MauMoraes. Temos também a participação de Doug Lira e seu "Traço a Traço", além de uma linda tirinha de Alberto Pessoa e dos Quadrinhos Gonzo, de Jussara Nunes!

Pablo Grilo estreia com o conto "Andanças por um Local Distante", e temos também "Vicent & Van Gogh" de Manassés Filho.

Continuamos com uma supermatéria sobre Graphic Novels autobiográficas assinada por Rafael Martins; Nano Falcão analisando os filmes da Marvel e DC no cinema; Fernando Schittini esquadrinhando Dream Theatre; além das participações habituais de Rita Maria Felix da Silva, Rafael "Hiro" Machado Costa, Brenno Dias, Rafael Oliveira, Red Baron Blues, Bráulio Taumaturgo e etc...

E para não perder o hábito das entrevistas, trazemos uma bacanuda com a galera do "Pipoca e Nanquim".

Chega de detalhes agora, não é? Vai, clica aí embaixo e leia o Farrazine #23!!!
 
Publicado em 20.08.11. 86 páginas.
 

http://migre.me/5wuBO

Avatar Voz do Além

Novo erro do estagiário: colocar putaria no meio do futebol

 

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OK, o título certo não é bem esse, mas foi a primeira coisa que me veio a mente quando começaram a comentar a inclusão de uma cena de sexo explícito no meio de uma transmissão em tempo real entre Botafogo x América - MG, no sábado dia 13 (Eu sei, tô atrasado).

O Botafogo perdia de 2 x 1, tudo normal, até que o GloboEsporte.com, ao invés de mostrar um vídeo com um dos melhores momentos do jogo, colocou uma cena pornô do canal SexyHot, um dos nossos antigos parceiros. Quando a Globo percebeu a “gafe de estagiário”, o estrago já tava completo, e no fim, foi obrigada a emitir uma nota oficial pedindo desculpas aos torcedores.

Por um lamentável erro técnico, a imagem de um vídeo pornográfico foi exibida durante a transmissão em Tempo Real da partida entre Botafogo e América-MG de sábado, 13 de agosto. O vídeo, acessível apenas para assinantes do canal Sexy Hot, foi “chamado” equivocadamente e ficou no ar por aproximadamente um minuto durante o primeiro tempo da partida. Pedimos desculpas aos usuários pelo incidente.

Para quem interessa por futebol, saiba que o América perdeu de 4 x 2, e pra quem gosta de piada, não custa lembrar que “Foi uma entrada dura por trás!! A regra é clara...”.

 

[Folha]

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Avatar Murilo

A Coisa

 

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É possível uma cidade inteira ser mal assombrada?

Assombrada como se supõe que sejam algumas coisas?

Não apenas um único prédio na cidade, tampouco a esquina de uma única rua, uma única quadra de basquete em um único parquezinho, com a cesta da rede projetando-se ao pôr-do-sol como algum obscuro e sangrento instrumento de tortura, não apenas uma área, mas tudo.Tudo quanto houver nessa cidade.

Pode ser possível?

Ouçam:

Assombrado: ‘Visitado freqüentemente por espíritos’.

Assombrando: ‘Retornando à mente com persistência, difícil de esquecer.

Assombrar: ‘Surgir ou infestar com freqüência, em especial como fantasma’, No entanto, ouçam: ‘Lugar assiduamente visitado, toca, antro, estância...

Ainda mais uma. Esta, como a última, é uma definição de assombrado como substantivo. É ela que me assusta. É ela que me apavora: ‘Um local onde os animais costumam alimentar-se.’

É como se eu tivesse caído dentro de uma história, mas todos sabem que a gente só sente medo no fim da história, quando o assombrador finalmente sai das paredes internas da casa para alimentar-se... de nós, é claro.

De você.

“Havia um palhaço no bueiro. Era um palhaço, como no circo ou na TV. O rosto era branco havia tufos engraçados de cabelo vermelho em cada lado da cabeça careca e um enorme sorriso de palhaço pintado na boca. Usava uma roupa larga de seda, com grandes botões cor de laranja. Uma berrante gravata azul-elétrico pendia em sua frente e ele calçava enormes luvas brancas, do tipo que Mickey Mouse e Pato Donald sempre usavam.”

“O palhaço agarrou-lhe o braço.

Então, George viu a transformação no rosto do palhaço.

O que viu foi tão terrível que transformou em doces sonhos o que imaginava de pior sobre a aparência da coisa na adega. O que viu destruiu sua lucidez em uma fração de segundos.”

 

Nunca foi novidade pra ninguém que me conhece bem que meu gênero preferido é o terror, desde que me conheço por gente. Me recordo como se fossem ontem da primeira vez que fui trancafiado com Jonathan Harker no castelo do Conde Drácula, das minhas primeira visitas às Planícies de Leng e de como fui apresentado ao tenebroso Necronomicon. De presenciar o início do apocalipse com o parto do esperado filho da senhora Rosemary. Raros são os livros capazes de provocar emoções tão poderosas e permanecerem tão firmes em nossa memória, como que grafados a fogo.

Por esses e outros motivos, Stephen King jamais saiu de evidência desde que estreou como escritor. Pelo contrário, seu nome só fez se tornar cada vez um sinônimo maior de qualidade, principalmente nos anos 80, quando lançou suas mais famosas obras, num ritmo tão alucinante que chegou a lançar três romances em um só ano. Seus melhores livros se tornaram grandes clássicos do horror moderno, lado a lado com Invasores de Corpos, de Jack Finney e Eu sou a Lenda, de Richard Matheson. Afinal, que de outra forma deveríamos chamar Carrie, a Estranha, sucesso absoluto há mais de trinta e cinco anos? E suas versões das clássicas histórias de Lugar Ruim, Christine e Iluminado? E a sua mega saga literária A Torre Negra?

Não bastassem esses e outras dezenas de livros, ele nos presentearia em 1986 com uma das suas maiores obras-primas. A Coisa é uma das suas mais definitivas provas de que não é só um excelente escritor de horror, mas um autor brilhante, acima de tudo. Aqui ele demonstra finalmente que poderia escrever histórias de outros gêneros, mas optou pelo terror porque é o único capaz de representar com tanta ênfase os seres humanos em seus piores e mais corruptíveis momentos... e nos seus mais belos e verdadeiros. É o que destrói todas as nossas defesas, invadindo aquele quartinho trancado em nossas mentes que escondemos até de nós mesmos, onde ficam nossos maiores pesadelos.

 

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Em 1958, um grupo de sete crianças se une, aparentemente apenas pelo acaso e pela forte amizade entre eles, para tentar destruir o mal que assola a pequena cidade de Derry há gerações. Uma entidade maléfica de vários rostos, mas mais conhecida pela figura sádica do palhaço Parcimonioso, que vem espalhando um rastro de sangue e morte das crianças das quais se alimenta. Imortal e praticamente invencível, ela usa o medo das suas vítimas para subjugá-las. Bill, Richie, Bev, Mike, Ben, Eddie e Stan, sem nenhuma arma além da coragem, confiança mútua e amizade, chegam tão perto de destruí-la que partem pensando que conseguiram. Vinte e sete anos depois, A Coisa volta a espalhar o terror por Derry, desta vez com um sentimento que ainda desconhecia: a sede de vingança. É a hora daquele grupo de amigos se reencontrar e cumprir o juramento que fizeram: o de matar a Coisa de uma vez por todas. Começamos então a acompanhar a história do que aconteceu quando eles eram apenas crianças e agora já adultos.

Com renovado horror, Ben percebeu que, de algum modo, o palhaço alcançara a ponte, estava agora bem abaixo dele, erguendo a mão ressequida e encarquilhada, da qual abas da pele pendiam como bandeirolas – mão através da qual apareciam ossos semelhantrs a marfim amarelado.

Um dedo quase sem carne acariciou o bico da sua bota.

Talvez A Coisa assuste alguns pelo seu vultuoso tamanho. Um dos maiores tomos já escritos pelo Rei do Terror, ele tem quase novecentas páginas. Mas seus verdadeiros e mais apaixonados leitores foram rápidos em compreender que seus melhores romances são justamente os mais longos. Não é à toa que Dança da Morte e A Coisa sejam considerados dois dos seus melhores livros e A Torre Negra, série literária que permeia cerca de quatro mil e quinhentas páginas em sete volumes, seja tido tanto por público e crítica, sua Opus Magnum, sua maior obra. A razão disso está no fato de que ele não lota páginas e mais páginas com enrolações ou informações inúteis, como fazem muitos escritores famosos. Embora para alguns possa parecer apenas encheção de linguiça, não é. Ele preenche suas páginas com o que realmente importa: a construção cada vez mais complexa da história e o desenvolvimento magnificamente elaborado de personagens marcantes. Acredite, todas as linhas de A Coisa são essenciais.

É justamente na construção de personagens que A Coisa mostra uma das suas maiores qualidade. King sempre foi bastante habilidoso no desenvolvimento psicológico do elenco de seus livros, porém aqui ele chegou à perfeição. Ele chegou a um resultado que muitos escritores almejam, mas muito raramente alcançam. Poucas vezes me senti tão ligado aos protagonistas de um romance e confesso que fiquei profundamente melancólico ao terminá-lo, por lembrar que teria de me despedir de todos aqueles personagens com quem convivi por tanto tempo. Cada um deles tem motivações tão convincentes e personalidades únicas que por vez parecem adquirir autonomia própria, fugindo das mãos de seu criador e fazendo o que bem entendessem. Até mesmo seus diálogos são extremamente críveis. Sejam de adultos ou crianças transcrevem frases que eu mesmo diria se tivesse aquela idade e estivesse nas mesmas situações.

Que bando de perdedores tinham sido! Stan com seu narigão de menino judeu, Bill Denbrough que não conseguia dizer outra coisa além de ‘Hi-yo, Silver’, sem guaguejar, de um jeito que quase enlouquecia quem o ouvisse, Beverly Marsh com suas esfoladuras e seus cigarros enrolados na manga da camisa, Ben Hanscon, tão gordo que parecia uma versão humana de Moby Dick, e Richie Tozier, com seus óculos de lentes grossas, suas notas altas, sua boca sensata e o rosto que apenas começava a ser modelado em novos e excitantes formatos. Haveria uma palavra para definir o que tinham sido? Oh, claro. Sempre haveria. Le mot Just. Neste caso, Le mot Just era bobocas.

Eles sabiam... e ninguém iria recuar. De repente, ficou muito orgulhoso dos companheiros, muito orgulhoso de ser parte daquele grupo. Após tantos anos sendo excluído, agora era incluído. Finalmente incluído. Ignorava se continuavam sendo perdedores ou não, mas estavam juntos. Eram amigos. Infernalmente amigos

Não tenho o costume de comentar protagonista por protagonista nos textos que escrevo, mas em A Coisa isso é mais do que necessário. Sem eles, não haveria nenhum envolvimento por parte do leitor com a história. Em vários de livros de Stephen King existe um personagem livremente inspirado nele mesmo. Se em O Iluminado temos Jack Torrance e em A Hora do Vampiro Ben Mears, aqui temos Bill Denbrough. Bill compartilha algumas coincidências com o seu criador: Ambos “sofreram” uma subida meteórica na carreira de escritor. Se dedicaram a obras sobre a infância e a passagem a vida adulta (A Coisa é uma delas). Os dois têm a firme convicção de que na literatura a história deve estar acima de tudo e todas e todas as outras questões a serem pensadas, como tema, atmosfera e tom, são supérfluas. Claro que Bill não se limita a ser um avatar de King na história, não tão óbvio e limitado. Essas semelhanças são apenas marcantes demais para serem ignoradas.

Bill vai muito além disso. Ele é uma das melhores representações de liderança já feitas. A sua posição de comando do grupo não lhe cai como uma dádiva, uma honra da qual devesse se orgulhar. É um peso em seus ombros, uma responsabilidade indesejada depositada nele pelos seus amigos, quase inconscientemente. É dever dele manter o grupo unido a qualquer custo, encorajá-lo, para conseguir matar A Coisa. Se fracassar pagará um alto preço: a própria vida.

Bill experimenta uma forma de exaltação divina, enquanto se ocupa em escrever a história; inclusive, chega a sentir que não está somente contando a história, mas permitindo que ela flua através dele. A certa altura, larga a caneta e coloca a mão, quente e dolorida, dentro do frio de dez graus negativos de dezembro, e ela quase solta fumaça, devido ao choque de temperatura. Ele caminha a esmo, as botas verdes novas rangendo na neve, como pequenas dobradiças de persiana precisando de óleo, e sua cabeça parecia inchar com a história – e a maneira como ela precisa escapulir de lá é algo assustador. Bill acha que, se ela não conseguir escapar através da velocidade da sua mão, terminará explodindo por seus olhos, tamanha a urgência em liberar-se e tornar-se concreta. ‘Vou espremê-la até as tripas’, declara ele ao ventosos e escuro inverno. Ri um pouco. Um riso trêmulo. Tem consciência de que, finalmente, descobriu como fazer isso – após dez anos de tentativas, subitamente descobriu o botão de partida para o vasto trator parado, que lhe toma tanto espaço no interior da cabeça. O motor foi ligado. Está roncando, roncando. Nada tem de bonito, essa máquina imensa. Não foi feita para acompanhar lindas garotas a bailes de formatura. Não é um símbolo de status. Significa atividade. Pode derrubar coisas. Se ele não tomar cuidado, pode derrubá-lo também.

Richie Tozier é igual aquele moleque da sua turma que costumava sentar no fundo da sala e sempre tinha uma piada na ponta da língua. O sonhador que almeja ser o melhor ventríloquo do mundo, que só consegue fazer péssimas vozes, todas parecidas com a dele, cresce e se torna conhecido no meio radiofônico como o Homem das Mil Vozes. Richie é pra mim o personagem mais sensacional do grupo de protagonistas. Ele não é só um alívio cômico, não entrou na história apenas para fazer humor. Ele tem sua própria importância para a história, se preocupa realmente com o s amigos e pode ser bem sério quando lhe dá na telha.

Não tinha sido dos melhores no início, não ficara excitado demais, para ser bom... no entanto, havia descoberto que seu potencial o levaria a não ser apenas bom no trabalho, mas excelente, um conhecimento suficiente para enviá-lo à lua, em uma nuvem de euforia. Ao mesmo tempo, começara a entender o grande princípio que movia o universo, pelo menos aquela parte do universo que tinha a ver com carreiras e sucesso: é quando descobrimos o cara louco que esteve dando cabeçadas dentro de nós, infernizando nossa vida. A gente o encurrala a um canto, apodera-se dele, mas não o mata. Oh, não! Matar seria bom demais para sujeitos como esse bastardinho. O que se deve fazer é pôr-lhe um cabresto e então começar a arar. O cara louco começa a trabalhar como um demônio depois de atrelado ao caminho certo. E, de vez em quando, ele fornece algumas graças. Tudo consistia nisso. E era o bastante.

Ben Hanscon, Bev Marsh, Eddie Kaspbrak e Stan Uris são os membros práticos do grupo. Ben é um garoto rejeitado pela maioria das pessoas por ser muito gordo, mas é dono de uma capacidade intuitiva de construir tudo o que quiser, de balas e clubes subterrâneos até barragens improvisadas. Sua amada Bev é a típica menina que só anda com garotos, nova demais para pensar em namoro, mas bonita o bastante pra fazer com que seus colegas direcionem olhares apaixonados para ela. Eddie é o garoto que por causa dos cuidados superprotetores da mãe é hipocondríaco desde pequeno e dono da mais grave asma já vista. O mais fiel amigo de Bill, seria capaz de sacrificar sua vida por ele, sem pensar duas vezes. Stan é o garoto do grupo que mais sofre por ter que enfrentar A Coisa. Por vezes, parece enfrentar um terrível duelo consigo mesmo. Não é o medo dela que lhe tira o sono, não mesmo. É a destruição da racionalidade, do sentido de correto e possível, que um palhaço imortal e que pode estar em todos os lugares representa à sua mente. Reconhece que é seu dever tentar eliminar A Coisa, mas ele se sente incapaz disso, fraco demais. É como se ele quisesse desistir de tudo, mas não tivesse coragem de dizer isto aos seus amigos.

 

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Geralmente, quando um bibliotecário aparece numa obra ficcional é sempre de forma estereotipada, como uma senhora de óculos que detesta barulho ou uma mulher que parece deter todo a sabedoria do universo apenas por ter escolhido esta profissão, ou mesmo como um vilão. Mas a grata surpresa aqui é encontrar não apenas um bibliotecário perfeitamente normal, como ainda um dos mais importantes da história. Mike Hanlon tornou-se o responsável pela árdua tarefa de permanecer vigilante a todos os acontecimentos da cidade, de perceber se um novo ciclo da Coisa se iniciar e convocar seus amigos para cumprirem a promessa. O que praticamente equivale a um guarda buscando os condenados para serem executados na cadeira elétrica.

“O rangido de tendões secos novamente. Arroto tornou a olhar para ele, com seu solitário olhar fundo. Os lábios distendidos em um sorriso terrível, revelando gengivas negro-acizentadas que produziam seu próprio jardim de limo. Que tipo de sorriso é esse, perguntou-se Henry, enquanto o carro ronronava maciamente pela rua Main, passando pelo Freese’s de um lado, a Lanchonete Nan’s e o Cinema Aladdin do outro. Um sorriso de perdão? Um sorriso de velho amigo? Ou será do tipo que significa eu vou pegar você?

Antes mesmo de se tornar um assunto amplamente debatido pela sociedade e ganhar este nome, o bullying já era um dos temas mais recorrentes na obra de King. É o bullying a princípio que une Bill, Mike e os outros, porque todos eles são perseguidos pelos garotos maiores, por um motivo ou por outro. A junção dessas minorias gera uma tabela de abusos que faria Carrie parar de reclamar e dar graças a Deus pela vida que tem. Henry Bowers é mais que o valentão típico das escolas americanas, com seus amigos de baixo QI. É um verdadeiro psicopata. Ele não está apenas interessado no dinheiro do lanche ou em dar algumas porradas em uma criança indefesa. Ele quer humilhar, machucar e, talvez, matar. Está numa linha extremamente tênue entre a sanidade e a loucura, a realidade e o delírio. Nas mãos dele, uma faca vira um querido objeto de estimação. Para a nossa sorte, mesmo Henry e o restante dos vilões humanos do livro têm motivações e passados que, se não nos faz aceitá-los, pelo menos nos deixa compreendê-los.

Ninguém para de ser criança subitamente, com um estouro explosivo, como um daqueles balões daquele palhaço, com suas inscrições baratas. A criança dentro de nós apenas se escoa, como o ar escapando de um pneu. Um dia, ao olhar no espelho, vemos um adulto que nos fita.

Stephen King sempre foi fascinado pela idéia de que as crianças se saem melhor do que os adultos quando enfrentam o medo e incorporam o inexplicável às suas vidas. Porque as crianças convivem com o medo o tempo inteiro, seja do monstro dentro do armário ou da criatura abaixo da cama. Milagres, sejam bons ou ruins, sempre são levados em conta. A aparição repentina de um monstro gigante logo ao acordar não impossibilitariam que a criança comesse bastante no almoço e lanchasse vários sanduíches depois. Talvez nem perturbasse seu sono à noite.

Contudo, nos adultos tudo isso muda. Eles não ficam mais acordados na cama por medo de um monstro o espreitando no escuro, mas quando se deparam com o sobrenatural, algo além da explicação racional, seus cérebros pifam e eles começam a tremer em total descontrole, a chacoalhar. Não há como incorporar aquilo à sua experiência de vida, mas sua mente continua voltando e voltando ao acontecimento. Até que enfartam, cometem suicídio ou passam o próximo ano e meio em uma sala acolchoada de um hospício escrevendo cartas a familiares com um giz de cera.

De certa forma, não chega a surpreender que seus personagens infantis sejam sempre os mais cativantes e eternos nas nossas memórias. Em A Hora do Vampiro é o nome do garoto fanático por terror, Mark Petrie, que fica na cabeça. Em O Iluminado, por mais que a imagem de Jack Nicholson com os cabelos em desalinho, olhar insano e machado em riste insista em voltar às nossas mentes, é Danny quem mais marca. Se nos envolvemos tanto com os protagonistas de A Coisa é porque Stephen King nos permite acompanhá-los desde crianças.

A Coisa é, como já mencionei acima, uma obra sobre a infância. Ela consegue rivalizar com os melhores momentos de clássicos como O Jardim de Cimento, de Ian McEwan, Tom Sawyer, de Mark Twain e os melhores momentos de Conta Comigo (adaptado de um conto do próprio Stephen King). O romance é, sobretudo, um convite a todos nós. Um convite para que revivamos, mesmo que por poucos e preciosos momentos, não apenas as nossas brincadeiras de criança, mas todos os nossos maiores medos da infância. De como implorávamos para dormir com a luz acesa, quando o porão parecia negro e ameaçador e sempre nos parecia que havia uma criatura arranhando o vidro da janela do quarto enquanto tentávamos em vão dormir.

Quando se fica adulto, deixa-se de acreditar.

Foi como se retirassem um peso imenso de cima de seu peito. Da mesma forma que Ben com sua múmia, Eddie com seu leproso, Stan com os garotos afogados, ele vira uma coisa que levaria um adulto à loucura, não apenas pelo terror, mas pela força devastadora de uma irrealidade grande demais para ter uma explicação racional ou, na falta de uma explicação, para ser simplesmente ignorada. O rosto de Elias fora queimado e ficara escurecido pela luz do amor de Deus, pelo menos assim tinha lido; contudo Elias era um velho quando isso aconteceu e talvez houvesse aí uma diferença. Um daqueles outros sujeitos da Bíblia, este pouco mais do que um menino, não havia lutado com um anjo?

E é o poder presente na infância que permite com que sete crianças possam combater A Coisa, sem a ajuda de adultos. Apenas usando a inocência e a capacidade de acreditar que só as crianças são capazes de ter. Quando eles retornam, calvos e vividos, uma parte da mente deles sabem que as chances de sucesso são quase nulas. Afinal já passou a época em que eles acreditavam que o Papai Noel podia estar em cada esquina no mês de dezembro no mesmo tempo em que produz brinquedos para o Natal no Alasca. É esta quase certeza de fracasso que permite que a história consiga ser tão pavorosa, horripilante. Realmente entendemos que todos ali correm o risco de morrer.

Os olhos do palhaço aumentavam cada vez mais. Naquelas pupilas negras, tão grandes quanto uma bola de softball, Richie viu a louca escuridão que devia existir além da borda do universo, viu uma repugnante felicidade que, percebeu, poderia deixá-lo insano. Naquele momento compreendeu que A Coisa poderia fazer tudo o que dissera e muito mais.

Desde o lançamento de Frankenstein, de Mary Shelley, existe um elemento que se tornaria comum em milhões de filmes, livros e contos de horror. O ser inominável, o monstro, aquilo que só pode ser definido por Ele ou Coisa. Stephen King nos presenteia aqui com a versão definitiva do monstro ou, como o próprio título nos grita em sua capa, da Coisa. Perto dela, Drácula, Frankenstein e Freddy Krueger empalidecem. Ela parece ser eterna, capaz de alterar as nossas noções de realidade e tempo, desprezar as leis da física, e controlar os nossos sentidos. Pior que isso, ela pode penetrar em nossas mentes para identificar nossos maiores pavores. É mais antiga que o próprio tempo, capaz de se transformar em seu maior pesadelo em um piscar de olhos.

A capacidade de se transformar acaba por se tornar um de seus atributos mais interessantes. Como a sua principal base alimentar sempre foi as energias das crianças, não é incomum que ela apareça do nada como os monstros dos filmes que elas vêem no cinema e depois lhes dão pesadelos por semanas a fio. Se um garoto se borra de medo só de ouvir o “tan-tan-tan-tan” da canção-tema do Tubarão, de Steven Spielberg, é como essa besta aquática que ela irá surgir. Não demora muito e somos brindados com as aparições do Lobisomem Adolescente, da Múmia e de sanguessugas gigantes voadoras.

Não, não eram reais. Monstros de televisão e monstros do cinema, assim como os monstros das histórias em quadrinhos, não eram reais. Não, até que a gente fosse para a cama e n/ao conseguisse dormir; não, até que as últimas quatro barras de doce, embrulhadas em pedaços de pano e guardadas debaixo do travesseiro contra os males noturnos, fossem saboreadas; não até que a cama em si se tornasse um lago de sonhos repugnantes e o vento uivasse lá fora, dando medo de olhar pela janela, porque talvez houvesse um rosto na vidraça, um rosto velho e sorridente que não apodrecera, mas apenas secara como folha morta, com órbitas semelhantes a diamantes submersos, enfiados bem no fundo de órbitas escuras, não até que visse uma mão descarnada e encarquilhada segurando uma porção de balões de gás.

Eles flutuam e você flutuará também!

Perto destas transformações a forma como A Coisa é mais famosa, a do plhaço Parcimonioso, quase perde um pouco do seu brilho. Quase porque, diferente das demais, ela não existe para atemorizar. Quantas crianças gostam de palhaços? Quantas não só gostam deles, como também fariam tudo para ter uma daqueles balões espectrais que Parcimonioso leva para todos os lugares? Além de servir para atrair as crianças, também é um terrível pesadelo para aquele grupo de pessoas que têm pavor de palhaços (três amigos me contaram que jamais leriam A Coisa por temerem palhaços desde que se conhecem por gente) e a boca pintada de vermelho-sangue em um sorriso sádico de orelha à orelha, os pompons alaranjados e a calça folgada estão ali para nos lembrar que A Coisa não é apenas um monstro inarticulado. Ela faz novas vítimas com o senso estético de um artista e com a mesma satisfação com que uma criança come um chocolate: gargalhando alto ao se preparar para matar da maneira mais original que conseguir imaginar.

Não é incomum no horror cidades que dão a idéia de ter vida própria. A Derry onde se passa a história parece ser dona de uma consciência malévola, capaz de influenciar os pensamentos e o comportamento de seus habitantes, levá-los a crimes bárbaros e a catástrofes inimagináveis. Derry sempre está lá, silenciosa e oculta, espreitando todas as ações de seus habitantes.

Quem sabe quanto tempo dura o luto? Não será possível que, mesmo 30 ou 40 anos após a morte de um filho, de um irmão ou irmã, a gente pense vagamente naquela pessoa, com o mesmo vazio perdido, aquela sensação de lugares que nunca serão preenchidos, talvez nem mesmo na morte?

Assim como a minissérie que adaptou o livro para a televisão anunciava A Coisa é uma obra-prima do medo. Em seus mais inspirados trechos, Stephen King parece estar apenas se divertindo com as milhões de possibilidades que a história que criou lhe dá, apenas metendo o pé no acelerador e vendo até onde a sua imaginação lhe deixa ir. Não é de se estranhar que a sua imaginação o tenha feito ir tão longe, percorrer novecentas páginas. Não é uma questão que ele goste ou ame escrever. Escrever pra ele é uma necessidade tão física quanto a cocaína pra um viciado e o próximo trago pra um alcoólatra. É o que mantém sua mente ativa e livre de inseguranças, além de ser melhor forma possível de se passar o tempo.

 

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Mesmo considerado o rei do horror é ótimo ver como King nunca faz questão que de esconder suas influências, os autores que ditaram os rumos da sua ficção e carreira. Além de assumi-los livremente, ele ainda os transforma em elementos fixos das suas histórias. As figuras de Edgar Allan Poe, H. P. Lovecraft e Bram Stoker estão dessa vez para mostrar o quanto a ficção pode estar distante da nossa realidade.

Se isto é uma história, não se trata de algum daqueles clássicos sensacionais de Lovecraft, Bradbury ou Poe. As convenções românticas estão totalmente erradas. Meus cabelos não embranqueceram. Não sou sonâmbulo. Não comecei a fazer comentário enigmáticos ou a carregar uma prancheta por aí, no bolso do meu paletó-esporte. Acho que rio um pouco mais, eis tudo, e às vez meu riso deve parecer mais estridente e curioso, porque em algumas ocasiões as pessoas me olham de maneira estranha, quando estou rindo.

Se fosse apenas cansaço, tudo bem; contudo, era algo mais, era a sensação de que algo se desintegrava, de que sonhava, de que tinha ilusões paranóicas. Uma sensação de estar sendo espionado. Talvez eu não esteja aqui, pensou. Talvez esteja no hospício do Dr. Seward, tendo como vizinhos o Conde em sua cada arruinada e Renfield na porta bem em frente no corredor, ele com suas moscas e eu com meus monstros, nós dois convictos de que a festa continua e vestidos para a ocasião, não em trajes a rigor, mas em camisas-de-força.

King nunca escondeu de ninguém que sempre que começa uma história nova não faz a mínima idéia de como ela vai terminar. Ele só a descobre do mesmo jeito que o leitor, seguindo a história. A sua concepção é que isso tiraria toda a graça da escrita. A Coisa é uma notável e bem-vinda exceção. Em diversos momentos ele já dá uma boa idéia do que está por vir na história, gerando aquela curiosidade cada vez mais enervante em saber logo o que vai acontecer que é tão presente em seus livros. E por mais que nos dê dicas ele sempre dá um jeito de nos surpreender.

Infelizmente, nem tudo funciona bem em A Coisa. King, talvez por medo da complexidade do enredo, comete o equívoco de esmiuçá-lo demais, mastigando detalhes que ficariam bem mais interessantes se permanecessem apenas sugeridos durante a narrativa. Provavelmente, isso garante que até o leitor mais distraído compreenda toda a riqueza do livro, mas não deixa de ser uma decepção pensar que mesmo tendo alcançado tamanho nível de qualidade ele ainda duvidasse da total eficiência das suas armas.

"Talvez nem exista isso de amigos que prestam ou que não prestam - talvez existam apenas amigos, pessoas que nos apóiam quando estamos por baixo e que não nos deixam sentir solidão. Talvez sempre mereçam que nos preocupemos, que torçamos e vivamos por eles. E que também morramos por eles. Nada de amigos que prestam. Nada de amigos que não prestam. Apenas amigos de quem sentimos falta, com os quais queremos ficar, as pessoas que moram em nosso coração."

"O que importa é o amor, a preocupação, os cuidados... é sempre o desejo, jamais o tempo. Talvez seja tudo o que podemos levar conosco, ao sairmos do azul e penetrarmos no negro. Um frio consolo pode ser, porém melhor do que nenhum."

Mas A Coisa é um dos livros de Stephen King que mais abre espaço para diferentes interpretações. Alegorias sobre a puberdade, o amadurecimento e mesmo sobre a eterna luta entre o bem e o mal podem ser vistas durante a história. Não é somente mais um livro de terror, é uma celebração da infância, da inocência, do amor e da amizade. É impossível lê-lo sem lembrar com saudade e um aperto no peito dos nossos tempos de criança, de como éramos capazes de acreditar em quase tudo e das amizades que jamais poderemos ter novamente.

Qualidades como estas são muito, muito mais que um mero escritor de terror poderia almejar. É aquele romance do gênero que quebra barreiras de gênero e de arte, de idade e de sexo. Entre em Derry e na vida de Bill, Richie, Stan e os outros e compreenda porque A Coisa é um dos melhores romances de horror do século XX.

 

Autor: Stephen King

Páginas: 892

Preço: R$ 95.00

Nota: 10

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Avatar FiliPêra

Mande seu depoimento pro NozesCast!

 

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Como vocês já devem saber, completamos 4 anos ontem, um número pra lá de importante (ainda mais pra mim) nesses tempos efêmeros da internet, onde páginas nascem e morrem mais rápido do que bebemos um copo de água. Apesar de Eu ter consciência de que não conseguimos mais manter o ritmo de outrora, saibam que ainda fazemos o possível para manter a qualidade aliada a inserção de conteúdo original, e isso para nós é o mais importante.

Bom, mas o post não é para falar do aniversário - faremos isso mais pro fim da semana -, mas sim da possível participação de vocês no próximo NozesCast que gravaremos, cujo o tema será, obviamente, esses 4 anos de estrada virtual percorrida.  O lance é o seguinte: os que quiserem, poderão mandar seu depoimento sobre o NSN (como descobriram o blog, há quanto tempo o lêem, do que mais gostam, o que mais ODEIAM, essas merdas… ou qualquer outra coisa) até segunda que vem, para que nós possamos lê-los durante a gravação.

É só usar a caixa de comentários abaixo, ou nosso email nerdssomosnozes[at]gmail.com.

Se ninguém mandar, a gente inventa umas mensagens mesmo, tô nem aí!

 

Ah, e falando em NozesCast, muito obrigado a vocês que tornaram o Cast de Game of Thrones o nosso mais ouvido, com 5644 execuções pelo player e downloads.

Avatar Colaborador Nerd

A Ascensão social do brasileiro e o seu consumismo irracional

Por Paulo Roberto, do Em Paralello 

 

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Me recordo de uma situação no colégio em que minha professora de sociologia corrigia as provas na sala de aula. Como a prova era pequena e na época a referida matéria não era tida como muito importante, lá estávamos na sala de aula após fazer a prova esperando a nota que seria dada pela professora.

Uma das questões apresentadas no certame era a seguinte: “O que você entende por Estratificação Social?” Um colega de classe que não sabia responder a questão resolveu dar uma sacaneada, e deu a seguinte resposta na prova: “Estratificação Social foi o fenômeno descoberto por Isaac Newton no momento em que ele viu uma maçã cair da árvore”.

Não, Estratificação Social não tem a ver com Isaac Newton. Resumidamente Estratificação Social é a diferença de hierarquia existente entre os indivíduos ou grupos segundo suas posições, estamentos (pelo prestígio que a pessoa possui na sociedade) ou classes (de acordo com o poder aquisitivo).[1] Desde primórdios da civilização, o conceito de Estratificação Social já existia, porém a possibilidade de Mobilidade Social só veio a ocorrer com o advento do capitalismo, tendo como momento mais importante a Revolução Industrial. A Mobilidade Social por sua vez é a capacidade do indivíduo de ascender ou descender de posição social dentro de um grupo ou de status sociais.

Assim como o surgimento do Capitalismo trouxe a possibilidade de mudança na camada social, também trouxe consigo um fenômeno que é muito comum em nosso país: A Desigualdade Social. Embora a discrepância social no Brasil ainda seja latente, podemos perceber que ao longo dos anos a situação dos brasileiros tem mudado. Os ricos, é claro, tem aumentado sua fortuna, mas os pobres tem tido cada vez mais oportunidades de ascender socialmente, e saírem de seu estado de pobreza. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, de 2003 a 2009, quase 7 milhões de brasileiros romperam a fronteira da alta renda aumentando para 20 milhões de pessoas. Por outro prisma, no mesmo período 30 milhões de pessoas que amargavam a classe D e E alçaram a classe C e as projeções para o futuro é de que esse número aumente em até 50%.[2]

As empresas, de olho no mercado brasileiro tem procurado investir cada vez mais nessa nova gama de consumidores. A exemplo disso temos o mercado de games. Durante a Game World ocorrida em março deste ano podemos observar o otimismo dos representantes das maiores empresas de games do mundo. Anderson Gracias, chefe da divisão de PlaysStation da Sony Brasil informou em sua entrevista que a empresa possui para este ano grandes planos comerciais em torno dos acessórios e jogos para PS3 passando pela redução do IPI e é claro o lançamento do Jogo “Infamous 2” totalmente em português. Para os “nintendistas” de plantão, Bill Van Zyll, gerente geral da Nitendo na América Latina em seu discurso pareceu bastante animado com as projeções futuras: “Estamos reforçando nossa equipe no Brasil através de nossa distribuidora, trabalhando mais perto deles para nos aproximarmos também dos revendedores e fortalecer nossa presença no geral”.[3]

Fato é que o brasileiro como um todo tem mudado, não só economicamente, mas culturalmente. Hoje as pessoas preferem investir mais nas suas carreiras em vez de terem filhos cedo. Muitos de nós quando éramos pequenos presenciamos a cena em que nossos pais saiam para trabalhar todos os dias enquanto nossas mães ficavam cuidando de nós e da casa, atualmente esse cenário mudou. Ambos os cônjuges trabalham, provando que esse conceito familiar pretérito beira a extinção. Tal fato contribui para o crescimento da renda da família, pois o casal que se capacita cada vez mais profissionalmente tende a ter um acúmulo maior de riqueza.

É claro que esse crescimento gera uma consequência. Com a economia aquecida, pessoas ascendendo socialmente, o volume de crédito tende a aumentar, ou seja, se o volume de crédito aumenta, se a renda aumenta as pessoas compram mais. Resumindo: hoje o brasileiro está endividado justamente por seu consumismo irrresponsável.

Não é necessário ir muito longe para constatar isso. Você vai a uma concessionária com o intuito de comprar o seu carro zero, sem dúvida o vendedor vai tentar te empurrar um plano em que você poderá realizar o seu sonho em “tranqüilas” 72 parcelas. O grande problema é que ele não te explica que ao final das 72 prestações você terá pago dois ou até mesmo três carros zero iguaiszinhos ao seu.

Esse exemplo mostra que embora o brasileiro tenha tido uma majoração em seu poder aquisitivo, muitas das vezes acaba não conseguindo arcar com as parcelas em virtude da falta de planejamento ou até mesmo pagando o triplo do valor do bem simplesmente por ignorar o valor da taxa de juros. Em uma pesquisa recente, foi constatado que dois em cada três entrevistados ignoram o valor da taxa de juros de seus financiamentos. O pior é que 60% disseram que vão fazer mais empréstimos até o fim do ano. Mais isso não é o maior absurdo disso tudo, eles afirmam ainda que o importante no momento da compra não é o valor dos juros em si ou o valor final do produto, mas sim o quanto irão pagar mensalmente em suas parcelas.[4]

O Banco Central, por sua vez, tenta frear esse consumismo desenfreado elevando a taxa de juros, mas o brasileiro não se importa com isso, pois embora no preço total o valor seja mais elevado, ao longo das parcelas o aumento é ínfimo.

Assim como meu amigo sequelado não sabia o significado de Estratificação Social, o povo brasileiro, embora veja, ainda não se deu conta da grande e rápida mudança que vem vivendo de alguns anos para cá. Lá na Revolução Industrial, que ao mesmo tempo trouxe a possibilidade do indivíduo ascender socialmente ao mesmo tempo gerou uma desigualdade social absurda onde pessoas passaram fome, não tinham onde morar superlotando as grandes cidades e esvaziando o campo. Portanto, nós precisamos tomar consciência disso e nos planejar, angariar informações na hora da compra, barganhar um desconto no caso de compra a vista e assim por diante.

Não sei onde isso pode parar. Como eu disse as previsões para o futuro são promissoras, mas como dizia um professor meu a época em que eu estudava Administração de Empresas: “Para você ter uma empresa de sucesso você precisa ter planejamento”. Não é isso que tenho visto, não só do povo brasileiro em si, mas dos gestores governamentais. Posso estar prevendo um futuro apocalíptico demais, mas se as pessoas não aprenderem a consumir de forma consciente, a poupar para eventuais emergências não estaremos tão longe assim de países como EUA ou a Europa que neste momento passam por uma crise financeira justamente por se acharem inatingíveis.

 

Referências Bibliográficas:


[1] Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Estratifica%C3%A7%C3%A3o_social

[2] PADUAN, ROBERTA. Classes A e B, o mercado que mais cresce. Revista Exame, Edição 995, Nº 12, p.40, junho, 2011.

[3] Kotaku - http://www.kotaku.com.br/conteudo/sony-microsoft-nintendo-e-a-hora-do-brasil-no-mercado-de-games/

[4] MOSCHELLA, ALEXANDRE E SALOMÃO, ALEXA. Um país que rasga dinheiro. Revista Exame, Edição 997, Nº 14, p.42 e 43, agosto, 2011.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Avatar FiliPêra

O novo Zelda e o dilema do tempo nos videogames

 

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Semana passada a Nintendo salvou o Natal de seus milhões de fãs e confirmou a chegada de The Legend of Zelda: Skyward Sword para o dia 20 de novembro, quando meio mundo dava como certa a chegada dele somente ano que vem - e como novembro está relativamente perto, esses mesmos fãs ficaram confortáveis e têm esperanças que não verão a Nintendo lançar mão de seus clássicos “adiamentos em nome de um maior refino do jogo”, ou algo assim.

Agora, Scott Moffitt, vice-presidente e vendas e marketing da Nintendo of America, soltou uma nota oficial com a seguinte mensagem: “The Legend of Zelda: Skyward Sword é o maior jogo da série. Só mostramos a parte mais superficial dessa experiência gigantesca, e estamos ansiosos para revelar mais detalhes com os fãs à medida que o lançamento em 20 de novembro se aproxima”. Cacete, uma ótima notícia que mostra que o game será épico, principalmente se levarmos em conta o histórico da enormidade dos Zeldas anteriores, mesmo os portáteis!

Mas daí surge o problema: quantos de nós temos tempo para jogar títulos com mais de 40 horas de forma fluída e contínua? Obviamente que quanto mais a média de idade dos jogadores cresce, menos tempo eles têm disponível, e os jogos cada vez mais acompanham essa tendência, e trocam campanhas single player robustas, por inúmeros DLC e modos multiplayer online cada vez mais diversificados. Ou seja: os jogos gigantescos estão sendo substituídos aos poucos por jogos construídos aos pedaços. Até mesmo os modos multiplayer online são afetados, já que existe um abismo que difere as habilidades de jogadores com até 18 anos, e veteranos com mais de 30. E os veteranos tomam uma surra.

E é aí que entra uma pesquisa feita por Keith Fuller, veterano desenvolvedor da indústria com participação em jogos como Quake 4, Star Wars: Jedi Knight - Jedi Academy e Soldier of Fortune II: Double Helix. Segundo uma entrevista que ele deu a CNN, somente 10% dos jogos iniciados são terminados pelos jogadores, um dado alarmante e especialmente tristonho para os caras que planejam os vídeos de zeramento.

Repito: míseros 10%, um índice que aproxima os games dos livros, e com certeza deve querer dizer que existem jogos que jamais foram zerados. Isso parcialmente coloca em xeque parte da velha métrica de “jogadores hardcore x casuais”. Jogadores hardcore são os que compram jogos considerados mais complexos? Porque terminar um jogo, ao menos pra mim, parece parte integrante da experiência, e pelo visto ela é abandonada em 90% dos casos. Ou seriam os hardcore somente esses 10%, o que antropologicamente torna o mercado mais confuso do que deveria - pessoas compram jogos por comprar? Elas se divertem mesmo sem chegar até o final?

E isso não rola só porque existem muitos jogos ruins na indústria. De acordo com dados da rede social gamer Raptr, somente 10% das pessoas que compraram chegaram a terminar Red Dead Redemption, um dos melhores jogos do ano passado segundo todas as listas possíveis. É aí que entra o Tempo, e uma espécie de casualidade hardcore, um cenário onde muitos gamers não possuem mais tempo para terminar jogos com campanhas longas de forma contínua.

 

 

Uso minha própria história como exemplo. Tive um Atari, um Super Nintendo, um Nintendo 64, e agora um Wii, que também é um Game Cube. Já meu irmão teve (o que significa que também tinha acesso aos videogames comprados por ele) um Dreamcast, dois PlayStation e um Xbox.

Quando mais novo, minha rotina básica diária era: escola de manhã, almoço, furingo até o meio da tarde e videogame até a hora de dormir, com espaço pra ler uns livros e uns quadrinhos antes de pegar no sono. Logicamente que tive e zerei uma série de jogos nesse período que se estendeu até o término do meu segundo grau, quando comecei a trabalhar. Meu Super Nintendo via fitas novas todas as semanas, e no meu bairro existia um submundo organizado de trocas e aluguel de cartuchos. Era o tipo de coisa que fazia uma criança se sentir bem. Só não superava as experiências coletivas épicas nos fliperamas locais, com muita gritaria e heróis que surgiam diariamente.

Lembro que quando comprei Zelda: Ocarina of Time, levei meros 10 dias para encarar o Ganondorf, e mais umas duas semanas pra literalmente SECAR o jogo, visitar cada pedaço de terra, pegar todos os jarros, todos os pedaços de coração, todas as Gold Skulltulas, experimentar todos os diálogos e ainda gastar um tempo em busca das lendas-mor que sacudiram a internet (que Eu acessava por uma biblioteca pública) com montagens toscas e convincentes na época: pegar a Triforce, entrar no Temple of Light e apostar corridas com o Running Man até meu joystick pedir arrego e Eu não ver mais formas e abaixar meu tempo.

Posso dizer que Ocarina marcou o fim da minha adolescência dos games, iniciada com o semi-deprê (e lindo) Donkey Kong Country 2, ainda o melhor jogo com o nome do gorila mais famoso do mundo dos games e empatado como o melhor jogo de plataforma 2D de todos os tempos, com Super Mario World. Apesar de nunca ter conseguido meus esperados 100% em DKC 2, Eu tentei. E como tentei. Foram dias a fio indo atrás de entradas secretas nos cantos mais escondidos, nos lugares mais improváveis, com a trilha sonora mais perfeita composta para um jogo. Realmente foi uma experiência e tanto, que refletiu uma época importante da minha vida. O salto de DKC 2 para Ocarina foi como a minha transição dos livros da série Vaga-Lume para os de Ken Follet, e ler menos Homem-Aranha e passar a ler Sin City.

O último jogo em que fiz algo similar foi em Conker’s Bad Fur Day, o último título que comprei para o Nintendo 64, e um clássico moderno. Fui atrás de todos os segredos, revi várias cenas insanamente engraçadas, enfrentei ursos endiabrados e assassinos, e pesquei as diversas referências cinematográficas presentes no jogo que ainda deve ser o mais escrachado dos videogames.

Ainda joguei alguns jogos no Xbox, como Splinter Cell, Metal Gear Solid 2, Star Wars: Knights of the Old Republic, Fable, entre outros, mas o trabalho, blog, faculdade e outras coisas impediram de continuar minha rotina com os videogames.

Depois disso vendi meu N64 e dois anos após comprei um Wii. E antes que digam que é por ser um Wii e ele não ter lá tantos jogos bons como deveria, comprei uma série de jogos que queria comprar do já finado Game Cube, como Metroid Prime, Zelda: Wind Waker e Eternal Darkness. Posso dizer que minha experiência contínua com games é hoje difícil de sustentar.

Zerei Eternal Darkness rapidamente, o que ajuda o fato dele não ser muito longo. Mas quando descobri que deveria zerar mais duas vezes me alinhando com as outras duas criaturas, deixei o jogo de lado em nome dos outros.

Depois, um festival de Zeldas, justamente o tema do post. Comecei com Twilight Princess, épico em todos os sentidos. Vou deixar para contar os detalhes quando fizer uma resenha praticamente nostálgica, mas Twilight Princess é a perfeita continuação de Ocarina of Time, com um clima denso, jogabilidade e controles na medida e um mundo extremamente vasto a ser explorado. E bom, umas boas 60 horas de jogo só nas campanhas principais. Depois engrenei e parei de odiar Midna com todas as forças - que, ao contrário de Navi, que caga na saída, se torna um personagem muito importante -, e zerei o jogo de forma fluída, às vezes virando a noite sem medo de ser feliz. Dei um tempo de uns meses, comecei a jogar Metroid Prime, para depois para em nome de começar outro Zelda: Wind Waker.

Zerei o jogo em dois tempos, divididos por um período de mais ou menos um mês. Comecei e fui até a metade e depois tive uma série de contratempos que me obrigaram a interromper a experiência o que com certeza atrapalha na continuidade do jogo.

E é desse tipo de diluição que falo, onde não temos tempo disponível para dedicarmos horas diárias, ou ao menos semanais, para detonarmos nossos games favoritos e creio que o problema só vai se tornar mais agravado. Cada vez mais temos coisas para dividir nossa atenção - Twitter, Facebook, emails, tablets, smartphones -, e nossos videogames, que nos oferecem uma experiência distinta e estática, podem ter seu uso diminuído.

Mas, claro… games com campanhas alucinantes ainda estão aí aos montes. Temos GTA, temos também o próprio Red Dead Redemption, Half-Life, BioShock, Mass Effect, Mario, The Elder Scrolls… e assim vamos. E para jogadores mais solitários e despreocupados com elementos multiplayers, esses jogos ainda são a diferença.

Mas creio que as mudanças só serão mais agudas daqui pra frente, com jogos mais fracionados e cada vez mais focados em jogos online. Mas, para pessoas despreocupadas com o mundo online (Eu), jogos gigantescos, cheios de extras ainda serão a diferença.

E, voltando a  Zelda: Skyward Sword, será que ele tem mais de 80 horas? Porque conseguir uma semana de folga no trabalho não é das coisas mais fáceis!

 

[Inspiração: Kotaku]


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