quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Avatar FiliPêra

A Rede Social

 

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Logo nos dez primeiros minutos de A Rede Social, a sua cabeça vai estar fervendo graças à verborragia acelerada e insana do Zuckerberg vivido por Jesse Eisenberg. A metralhadora fonética dele me lembrou um papo científico violentamente rápido que rola no início de Primer. Pode parecer uma forma de esconder erros, confundir o espectador e construir diálogos pretensiosos… mas o início impactante serve mais para mostrar o caráter e a personalidade de Mark que o filme se propõe a desnudar. Ele é um escroto egocêntrico que pensa que todos são como codificações de computador que vivem ao redor dele, prontas para serem programadas e reescritas. Ele seria uma versão mais pé no chão do über-irritante Sheldon, de The Big Bang Theory. Como disse a assistente de advocacia que vai aos julgamentos dele: Você não é um babaca, Mark, só se esforça muito pra ser. A persona de Mark Zuckerberg é central no filme. O eixo narrativo principal do longa metragem é justamente a instabilidade como as coisas giram ao redor de Mark, e de como ele trata as pessoas como simples páginas da internet, o que bem resume um pouco para onde estão indo os relacionamentos no mundo de hoje.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que o roteiro do filme abarca de forma inteligente e equilibrada todo um universo que flutuou ao redor da criação da maior rede social do mundo. Logo após o tal diálogo que resultou em Mark tomando um pé na bunda dado pela namorada, tem início a série de acontecimentos que culminou na criação do Facebook. E aí já entra em cena o maior trunfo de A Rede Social: David Fincher. Somente tendo um apuro técnico de primeira pra sair do clichê de mostrar transições entre a vida dos nerds da computação e os riquinhos que vivem a base de festas regadas a bebidas caras e strips. É nítido o talento dele imprimindo como os dois ambientes - tão próximos fisicamente, mas abissalmente distantes em termos sociais - estão prestes a entrar em colapso e ter suas fronteiras diminuídas. É uma direção contemplativa, que aproveita e compacta o tempo de forma magistral.

Em minutos sabemos tudo sobre a personalidade de Mark, sua genialidade em programação e sua inaptidão social extrema. Mais uma vez numa velocidade insana o vemos hackear a rede de toda a Universidade de Harvard, baixar centenas de fotos de alunas e criar um site com comparações de beleza entre elas. O sucesso é imenso, detonou a rede do setor dele em Harvard em plena madrugada. O empreendimento chama atenção de três mauricinhos da equipe de remo, que têm a idéia de criar um site que conecte alunos de Harvard, ampliando o conceito de exclusividade que permeia o território do campus para o ambiente online. Mark aceita, mas já tem na cabeça uma série de planos para colocar tudo nos trilhos como ele quer - e ferrando com os remadores empolados no processo.

 

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O filme se constrói a partir de interrogatórios e depoimentos de dois processos sofridos por Mark: um dos mauricinhos que contrataram Zuckerberg, e outro de um dos pilares do filme, seu melhor (e único) amigo, o brasileiro Eduardo Saverin, também passado pra trás pelo criador do Facebook. De cara, essa opção por idas e vindas frequentes pode misturar as coisas na cabeça de quem tá assistindo, mas não demora muito e logo tudo começa a fazer sentido - ao mesmo tempo que descobrimos que Mark não é tão escroto quanto parece na primeira e taxativa cena.

A opção narrativa arrojada - embora utilizada em excesso atualmente -, aliada a temática e a velocidade sempre urgente do filme, deixou Fincher mais tímido do que normalmente dirige. Pode-se dizer que a direção, mesmo que magistral e equilibrada na maioria dos momentos, é acadêmica, algo próximo do trabalho de Steven Spielberg em A Lista de Schindler. Ele mantém tudo num patamar elevado, mas não se permite muitos vôos de ousadia. Para quem já fez o visceral Clube da Luta é pouco, e ainda dá para perceber que Fincher se sente melhor ao lado de serial killers do que de nerds, já que realizou um trabalho (guardadas as devidas proporções) parecido em Zodiáco, e ainda assim carimbou a marca dele. A única cena em que sobressai alguma marca visual de David é na competição de remo, que ganha ares quase de ópera e contrasta com a sisudez visual do restante do filme.

As atuações são boas, mas como todo o filme, sem nenhuma aura espetacular. Jesse Eisenberg se destaca justamente por não se destacar. Ele é gélido, insípido, parece um mero computador que fala a 300 Km/h, embora suas esporádicas expressões faciais demonstrem que nem sempre ele está satisfeito em soterrar todos os seus relacionamentos em nome da obsessão pelo Facebook. Os gêmeos Winklevoss seguem pelo mesmo caminho, seus personagens beiram o patético (no bom sentido, já que têm que ser assim), às vezes, inseridos numa situação das piores, mas presos nas regras rígidas e idiotas da alta classe social que integram. Mark os resume bem na frase “Eles não estão me processando por propriedade intelectual, e sim porque, pela primeira vez na vida deles, as coisas não saíram do jeito que eles queriam”. O destaque fica por conta de Andrew Garfield, interpretando Eduardo. O personagem é o único que parece ser essencialmente humano, mesmo sendo o responsável pelas finanças da rede social. Ironicamente, foi o que saiu mais prejudicado durante todo o filme.


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De uma forma geral, A Rede Social é justamente o que disseram por aí: um Piratas do Vale do Silício de uma nova geração. A diferença é que aqui vemos um vôo solo, o mundo ao redor de uma única persona, e não uma disputa de gênios nerds, como em Piratas. Sendo novamente generalista, Zuckerberg é como Bill Gates, com uma visão apurada e sagacidade únicas, mas com uma inaptidão social das piores, não tendo qualquer problema em passar por cima dos outros pra alcançar seus objetivos. Mas o tom dos dois filmes é muitíssimo diferente, apesar de suas estruturas serem análogas. Piratas do Vale do Silício é como uma homenagem àquela época, àquelas pessoas, já sabemos como as coisas acabaram - embora mudanças sempre ocorram, vejam a volta por cima da Apple, que hoje tem valor de mercado superior a rival Microsoft. A Rede Social, apesar de possuir o mesmo espírito de exaltação de nerds vs mauricinhos, termina por ter uma carga mais dramática, destrutiva, possivelmente derivado da obra em que o filme se baseia: Bilionários por Acaso, do escritor Ben Mezrich. Essa auto-afirmação revanchista fica bastante clara no discurso que Sean Parker - o falastrão e também verborrágico fundador do Napster, interpretado por Justin Timberlake, que mandou muito bem, acredite - recheado de nossa geração (nerds viciados em computador) vs os tubarões investidores que exploram os criadores de idéias geniais. É como uma vingança dos foram passados para trás durante a Bolha da Internet.

Eu particularmente não procurei saber, mas pelo que li, o filme (e o livro) não deve ser encarado como um documento que prima pela realidade, que conte factualmente como foi criado o Facebook, já que Mezrich se apoiou unicamente nos depoimentos de Eduardo pra construir sua história. Mas é possível enxergar conceitos e sacadas que Mark teve durante a fase de idéias, e creio ser essa parte próxima da realidade. O lance do status de relacionamento, a exclusividade, a importância de ter pessoas próximas a você lá… são essas inserções que tornam o filme realmente interessante, amplificando-o para se tornar mais que um mero filme de tribunais e relacionamentos - ou uma jornada de ascensão, como naqueles velhos filmes de gângster. Também existem sacadas do tipo “A Internet não é escrita a lápis, Mark, e sim, a caneta”, frase dita pela namorada de Zuckerberg depois que ele escreveu um monte de merdas a respeito dela após tomar um pé na bunda.

 

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O conjunto mostra um filme correto, que se permite alcançar a excelência em raros momentos. Me parece ser o tipo de filme pra agradar os velhinhos da Academia Cinematográfica Americana, que se agarraram a ele para não declararem A Origem como o filme do ano. Os méritos ficam pra David Fincher e o ainda não citado Trent Reznor (um dos meus ídolos, fundador do Nine Inch Nails), que fez uma poderosa trilha sonora recheada de climas pesados e computadorizados que combinam com o estilo narrativo contemplativo de Fincher - além do peso de Reznor, a trilha ainda achou espaço para me relembrar de California Uber Alles, clássico punk do Dead Kennedys. O filme passa longe do hype criado em torno dele e provavelmente será mais lembrado por ser o filme da maior rede social do mundo do que um produto cinematográfico de primeira grandeza, além de mostrar que o criador do sinônimo de sociabilidade na era da internet, na verdade é anti-social.

 

The Social Network (EUA, 2010)

Diretor: David Fincher

Duração: 120 min

Nota: 8

7 Comentaram...

Anônimo disse...

Tenho um amigo que viu este filme e fez exatamente o mesmo comentário da última frase: "O cara que criou a maior rede social do mundo é um anti-social. Doce ironia!"

Vou esperar sair em DVD! =)

Vinicius Cabral

Coringa disse...

Me lembro desse ator principal ai em um filme que achei genial, onde ele era um designer novato e revolucionava uma empresa ...mas perdia a namorada em troco do dinheiro e fama. Sobre o fil
me, não me inspira vontade de assistir não.

Crash disse...

-...interpretado por Justin Timberlake, que mandou muito bem, "acredite" ... -

Desnecessário.

No mais, ótima resenha.

Na minha opinião:

A Rede Social = Excelente filme!

Facebook em si = rede social de fofocas fraca.

Thiago Luiz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thiago Luiz disse...

UHHH! Uma resenha tão boa quanto a do REF que não tem muita simpatia pelo David Fincher, justamente por achar Clube da Luta; "um filme moralmente discutível e que provocou justamente aqui no Brasil um assassinato num cinema (onde morreu uma amiga minha)". Ou seja, na sua referência do filme, pesou o lado pessoal(embora no caso citado realmente fique difícil, perder uma amiga devido há ação de um maníaco, se é ou não verdade a amizade, fica a dúvida). Contudo, como eu havia mencionado antes, a imparcialidade fica de lado. Não se pode analisar uma obra por simpatia, antipatia, vida pessoal, etc. Deve-se analisar o que se vê diante da tela ou no que ele se baseia e saber se é fato ou não . Agora o filme, retrata a situação que a nova geração vive e me assusta notar que relacionamentos estão cada vez mais distantes e frios, ainda mais com o advento de redes sociais.
Sabiamente a geneticista Mayana Zats disse: “tudo aquilo que o ser humano cria, pode ser usado para o bem ou para o mal.”

Unknown disse...

Boa resenha, lúcida. Ao contrário de muitas que vi por ai - até compraram com Cidadão Kane!!! Enfim, parabéns. E para acrescer, o efeito que David Fincher usou na cena da competição de remo chama-se 'tilt shift' e é comum em fotografias, foi a primeira vez que vi num filme, fantástico. Abraço.

Wagner Gomes disse...

Wagner Gomes -Maceió

Assisti o "Piratas do Vale do Silício" (recomendado por um amigo analista de sistemas) e vou ver esse filme amanhã. Confesso que estou empolgado e já devia ter visto.

O que estou percebendo é que a história da maioria dos indivíduos nerds (envolvidos com tecnologia) não são muito sociais e possuem uma determinação tal de ambição para chegar onde querem (como por exemplo abandonar a Universidade ou comprometer relacionamentos estruturados) que muitas vezes não medem consequências. Seria este o caminho? Esta a fórmula do sucesso para o primeiro milhão ou bilhão? Bem... de uma forma ou de outra determinhação e objetividade são cruciais para tal façanha. \0/

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