sexta-feira, 25 de junho de 2010

Avatar FiliPêra

Apenas o Fim

 

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Você provavelmente odeia a maior parte do cinema nacional por não se identificar com o que rola na tela, sendo que ele supostamente retrata a realidade a sua volta. Mesmo que Eu ache o cinema com propósito algo importante, além de ter uma mensagem ser uma função de toda a arte, o modo como fazem no Brasil é de tal forma repetitivo e sem aprofundamento, que não conheço praticamente uma viva alma que goste de verdade de filmes brasileiros. Uma exceção aqui e ali, como Cidade de Deus, Tropa de Elite, alguns de Jorge Furtado, Heitor Dhalia, algo de Beto Brant; mas nada que classifique algum amigo meu de Fã de Cinema Brasileiro. Para piorar, as pessoas que se amarram, parecem ser do tipo que gostam de depreciar o gosto alheio e o chamado Cinema Alienador Imperialista - ou um outro termo qualquer, o que indica que um ser desses mais parece um Sem-Terra dos mais malas, ou um militante do PCO - e não parecem ver filmes para aprenderem coisas, ou se divertirem, mas unicamente para demonstrarem que possuem uma mistura distorcida de algo que elas chamam de valores patrióticos, com um pouco de masoquismo, já que dificilmente conseguem explicar de que aspectos do cinema nacional elas gostam. São pessoas que geralmente mostram que gostar de cinema brasileiro passa por odiar todos os outros.

Isso tudo pra foi pra dizer que Apenas o Fim está acima de todos aqueles filmes brasileiros rançoso, que insiste em mostrar somente pobreza, morte… ou um roteiro primário numa comédia estúpida nos moldes de algum programa da Globo. Em outras palavras: o grosso do cinema nacional brasileiro é uma versão longa-metragem do finado Aqui e Agora, ou de Zorra Total. Os que não bebem dessas fontes de qualidade duvidosa e devidamente desgastadas, têm grandes chances de serem bons.

E esse é o caso de Apenas o Fim, que não deve praticamente nada ao que já foi feito por aqui. E vai mais além: é uma comédia romântica fortemente dramática, calcada nos diálogos, o que provavelmente faz dele o melhor filme nacional para entender a vida a dois dos últimos tempos - algo na linha do que Closer mostrou sobre triângulos e quadrados amorosos. Apenas o Fim ainda tem aquela pegada independente também - mais ou menos como El Mariachi e Primer - que raras vezes vemos fazer sucesso por aqui. Custou em torno de R$ 8 mil, tem um cenário só, ninguém recebeu nada pra trabalhar, e ainda rolou uma rifa de garrafa de uísque para levantar uma grana, o que colabora para criar aquelas lendas de produção que são sempre interessantes. O filme começou sua carreira como todo filme independente de verdade: em festivais - foi eleito o melhor filme no Festival do Rio e na Mostra de São Paulo, pelo voto popular, e foi exibido na Holanda e em outros países europeus - e mostras universitárias, e atraiu a atenção de gente grande, jogando o nome de Matheus Souza, o diretor do filme, numa limitada estratosfera, que é provavelmente onde ele queria estar.

Apenas o Fim é a estréia de Matheus; nasceu da vontade dele, um estudante de cinema da PUC-RJ, colocar em prática aquela máxima de que alguém só vira cineasta quando tem uma idéia na cabeça… e filma. Pelo fato de ser a primeira experiência real do cineasta, o filme não segue os clichês agourentos do cinema nacional, e assume contornos que penso serem bastante autobiográficos - o protagonista também é estudante de cinema da PUC, e nerd. O resultado não é uma tentativa de abraçar o mundo, como alguns cineastas acham que fizeram em sua primeira produção, mas unicamente um longo exercício de experimentação referencial, focando o próprio mundo dos relacionamentos de uma forma bem particular, simples e extremamente tocante.

 

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Os que gostam de ler a sinopse do filme antes de vê-lo, provavelmente vão se decepcionar, caso esperem algo genial. O máximo que dá pra dizer sobre a trama de Apenas o Fim é: menina decide fugir de tudo, e faz uma última DR gigante com o namorado, tudo entrecortado por flashbacks que revelam um pouco mais sobre o casal. Em termos de estrutura de roteiro, é isso. Adriana procura Antônio - na verdade, o nome dos dois quase nunca é pronunciado, dando espaço para que cada um se identifique com eles - enquanto ele tá indo fazer uma prova, e manda a bomba: ela está zarpando, decolando, içando as velas… simplesmente indo embora. A dinâmica desses primeiros momentos já mostra com uma perícia impressionante como são os dois personagens em termos psicológicos. Adriana é livre, independente, espevitada, mas extremamente hesitante; enquanto Antônio é anti-social, inteligente, indeciso, mesmo que sobre todas essas características ele vista uma capa de auto-confiança. Ela se vai dentro de uma hora, e os dois optam por conversar, sobre tudo e sobre nada, enquanto passeiam pelo campus - ao mesmo tempo em que acompanhamos os tais diversos flashbacks em preto e branco, que mostram momentos aparentemente sem importância dos dois, mas que servem como instrumento perfeito para expor de forma pulsante não só o casal, mas todo um conjunto de casais que são extremamente parecidos com eles.

Mas, o filme, naturalmente, é muito mais que isso. É uma pequena janela que escancara com profundidade toda uma geração de jovens influenciados pela Cultura Pop. O tema dos diálogos não poderia ser outro, e retratam vários filmes, referências, artistas e tudo que esteve presente na vida de toda uma juventude jamais mostrada com competência num filme aqui aqui do Brasil.

Aí é que a mágica do cinema entra na jogada. Assim como Fanboys, Apenas o Fim segue o rótulo Ame ou Deixe. Não tem meio termo nos (infelizmente poucos) 80 minutos dele. Ou você vai sentir que filmaram seu relacionamento - mesmo que num clima meio destrutivo, como anuncia o título, logo de cara - com todos os diálogos nerds e aquelas discussões que não chegavam a lugar algum, mas serviam pra aproximar você e sua namorada(o), ou… bom, como vocês lêem o NSN, creio ser esta a única opção. Se você já discutiu se Mario Bros é melhor que Kingdom Hearts (dizer “Ridículo é controlar uma dupla de encanadores fofinhos” pra chamar a namorada de infantil é coisa de gênio), se Transformers é melhor que Godard, confessar que buscou a Britney Spears pelada durante anos, se já jogou Super Trunfo, se preocupou-se em deixar bem claro que tem uma action figure do Fanático e não do He-Man… esse filme é pra você. E a naturalidade com que são tecidos os diálogos, aliados as boas atuações de Érika Mader e Gregório Duviver, insere o conjunto da obra naquela lista de filmes que você vai levar pra sempre com você. E caso não viveu algo assim, com certeza vai querer viver. Urgentemente!

Os dois - Antônio e Adriana - são o centro de um universo só deles. Um mundo que só os dois entendem e que só eles habitam. Boa parte dos que orbitam ao redor desse casulo são seres tão chatos que chegam a ser repugnantes, e que dizem as maiores asneiras possíveis, como é fácil comprovar nos dois diálogos que o casal mantém com “amigos” deles, ou na cena final das filmagens (sim, um pouco de metalinguagem aqui). Esses dois momentos servem justamente para mostrar o porquê do fim do relacionamento ser algo tão destrutivo para Antônio. Quando sua namorada - diferente, inteligente, e que gosta das breguices românticas e exageradas que ele profere a todo o minuto - se for, só sobrará seres como Lincoln, que protagoniza um momento propositalmente chato e constrangedor no filme. Ver os dois juntos é entender que o apenas o fim do título é como um pequeno apocalipse, perder o outro significa perder um pedaço que eles construíram mutuamente. Antônio sem Adriana é um simples estudante de cinema no meio de colegas patéticos….

Esse maniqueísmo inocente - nerds legais vs o resto do mundo chato - é engraçado e interessante - e por vezes, assustadoramente real - e serve como um fator que isola os dois de uma forma romântica e perfeitamente compatível com a proposta do filme. As conversas dos dois são uma construção de relacionamento melhor do que 90% das comédias românticas, focadas em conteúdo visual ao invés de verdadeiramente emocional. Eles não são somente um desfile elegante, fluido e incansável de referências pop, mas uma mostra de intimidade desconcertada e apaixonante do casal protagonista, algo no naipe de uma obra de Kevin Smith ou Judd Apatow - devidamente referenciadas aqui.

Felizmente, esses dois aspectos - protagonistas e diálogos perfeitamente construídos - se sobrepõe a parte técnica. Não que ela seja deficiente, mas simplesmente não se destaca, por motivos óbvios - e na boa, nem é minimamente necessário; seria o mesmo que pedir pra ver Procura-se Amy em 3D, ou cheio de efeitos especiais; não ia influir me nada no resultado final. São diversos planos-sequência dos dois andando, despejando conversas primorosas, cortadas por cenas em preto e branco gravadas no quarto deles; as conversas têm um tom extremamente natural, quase teatral e amador, com pequenos errinhos nas falas, improvisos e sei lá. O que seria uma lástima em outros filmes - como um de Kubrick, por exemplo, que se prende no perfeccionismo - aqui torna a ambientação ainda mais intimista; é como se fôssemos observadores intrusos dos momentos derradeiros e finais do relacionamento dos dois, e esse efeito é ainda mais amplificado graças a câmera na mão, geralmente inquieta.

 

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Mas, se tem um sentimento que Apenas o Fim passa é um Olha, eu falo coisas assim com minha namorada… e essa identificação é o elemento mais louvável presente no filme. Foi exatamente por isso que ele alçou vôos que Matheus jamais imaginava que existiriam. E é exatamente por isso que você, que experimentou deliciosos momento a dois, vai ver, rever, amar, se identificar, repetir diálogos do filme a torto e direito. E lá no fundo, talvez venha aquele esperançoso pensamento: Caraca, é filme brasileiro, quem sabe não seja o primeiro de outros igualmente bons…

Se virão outros filmes igualmente bons e icônicos, não sei; mas o fato é que assim como Fanboys expôs com perfeição o modo de vida nerd, Apenas o Fim retratou de uma forma única um jeito de se relacionar pouco compreendido pelos que nunca o viveram. É amor em estado puro, que não precisa de muletas computadorizadas ou nomes famosos no elenco para ser apreciado. É o cinema brasileiro passando por cima de convenções e se tornando um pedaço da vida de seu público jovem - e me fazendo ter vontade de definir um amor único como Número 1 sem picles. Agradeçam ao Matheus por vocês agora terem um filme que mostre ao mundo o seu jeito de amar…

 

Apenas o Fim (Brasil, 2008)

Diretor: Matheus Souza

Duração: 80 min

Nota: 9

8 Comentaram...

Douglas Barbosa disse...

Belo texto em Filipera, se eu não tivesse assistido o .apenas o fim 3 vezes eu diria que você esta exagerando.
Fiquei até com vontade de assistir de novo.
Uma pena que este sucesso todo não se reflita em números de sala de exibição, mas fazer o que, é para isso que existe a locadora chamada Iternet.

Mas eu teria achado muito legal assistir na telona, só para ver como as outras pessoas reagiriam ao filme.

Novamente: texto muito bem escrito.

Draco Hood disse...

como jah falei do fanboys
o mesmo vale pro campeão de reexibições aqui em casa apenas o fim

é praticamente o grito de uma geração

estamos todos ali de um modo ou de outro

Lucas Peixoto disse...

Excelente texto FiliPêra.
Somente quem é nerd e já viveu(ou vive) um romance assim sabe o quanto este filme é extremamente fodástico.
Para se ver e rever, com certeza. Preferencialmente ao lado de alguém especial. rs

Raquel (?) disse...

Esse filme tem toda uma vibe "Before Sunset/Before Sunrise" para nerds. Enfim, tirando o velho comentário clichê de "cinema-brasileiro-é-para-chato-e-pseudo-intelectual" uma boa crítica e o filme é bacana.

Do Vale disse...

Tava faltando um filme nosso com essa pegada. Lembrei de Vida de Solteiro, Tempo de Mudança, Antes do Amanhecer...

Tavares disse...

Porra filipeta não sabia que tu curtia malhação mano veio

Unknown disse...

Tinha lido a resenha no Artilharia Cultura. Não, ainda não li a resenha que o Filipêra fez, me segurando até amanhã para ler, ainda não acabei de assistir o filme, mas já estou me encantando com ele muito antes de terminar.

Anônimo disse...

Não gostei do filme. Pega o esteriótipo nerd descascado e pronto para ser usado e a sensação de enganação para quem está dentro a "cultura nerd" é imensa. Em contra-partida, adoro cinema nacional. Durval Discos, Redentor. Até dos clássicos como Rio 40º, Deus e o Diabo na terra do Sol. Perto da riqueza do cinema nacional, esse filme passa batido por vários motivos.

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