sexta-feira, 16 de abril de 2010

Avatar Beatriz Paz

Em terra de cego quem tem olho é rei? Pense de novo...

 

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Alguma vez na vida, você já se perguntou como seria ficar cego? Como seria depender dos seus outros sentidos para viver? Comer, beber, tomar banho, ir a algum lugar, estudar. Os olhos são a janela da alma, mas o que aconteceria se subitamente essas mesmas janelas ficassem embaçadas ou sujas de leite? E se você não fosse o único? E se essa cegueira se transformasse numa epidemia sem explicação ou forma de contágio? Bem vindo a Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago.

Logo de cara somos apresentados a primeira “vítima”, um homem perde a visão num semáforo, um pedestre caridoso se oferece para levá-lo até a sua casa e rouba-lhe o automóvel. Uma garota tem um caso de conjuntivite, fica cega num quarto de hotel enquanto se prostituía e é deixada no corredor do mesmo, nua e desesperada. Um oftalmologista, ao tratar do primeiro cego, chora ao saber que também foi “contaminado”, sua esposa aguarda que a vez dela chegue.

Mas ela não vem.

Como o governo vai lidar com uma epidemia de cegueira? Quais são as formas de contágio? Como o motorista roubado perdeu a visão assim sem mais nem menos? Essas são as primeiras perguntas que nos surgem na cabeça conforme lemos o livro. Mas calma amiguinho, algumas delas têm resposta. Só algumas, e acredite, elas não são legais.

A princípio, os primeiros cegos são colocados num dormitório abandonado, com direito a rações diárias e só. Até ai, juntam-se o motorista, o ladrão de automóvel, e a garota com conjuntivite – que no livro é identificada como rapariga dos óculos escuros -, o oftalmologista, sua esposa e um garotinho com caso de estrabismo. Lidar com seis pessoas não é tão fácil, mas também não é impossível.

Mas e quando essas seis pessoas viram dez? E essas dez viram vinte? E essas vinte viram duzentas, e de duzentas viram uma cidade inteira? Não há rádio para comunicar os acontecimentos no mundo, não há ordem e nem proteção. É cada um por si. E Saramago aborda essa questão de lealdade e companheirismo. Em um momento de pânico mundial, você confiaria em pessoas que nem o rosto lhe é conhecido?

A quantidade de pessoas cegas é tão grande que a solução é organizarem-se em três camaratas, ou três dormitórios. A partir daí Saramago mostra como o convívio social pode ser difícil e pode levar a situações drásticas, que vão desde brigas, a criação de uma “ditadura”, passando por abuso sexual e mortes. Confesso que a segunda “prenda” imposta pelo rei da camarata três me irrita até hoje. She-nerds de plantão, se vocês já leram esse livro sabem muito bem do que eu estou falando.

E caso você esteja se perguntando o que o governo fez para lidar com tudo isso eu te respondo: NADA. O exército entrega a comida diariamente e o que acontece dentro do alojamento dos cegos é problema deles. O medo que os soldados sentem da cegueira é tão grande que recebem ordens de matar qualquer “contaminado” que se aproximasse demais.

A mulher do oftalmologista é a única do livro todo que consegue enxergar e é basicamente a única “janela” que o leitor tem para conseguir ingressar na situação que os cegos passam, e como se não bastasse ter somente uma fonte de referência sobre a trama, a forma como o livro é diagramado contribui para o sentimento de cegueira do leitor.

Isso mesmo, conforme lê Ensaio, você também acaba sendo “contaminado” pela cegueira branca. E ai você me pergunta:

 

“Mas que diabos é essa cegueira branca? Eles enxergam um monte de algodão doce?”

Não! O que acontece é o seguinte: esse tipo de cegueira é diferente da cegueira normal, enquanto os cegos enxergam preto, os “novos cegos” como são caracterizados no livro, enxergam branco, como se tudo fosse um grande mar de leite. Entendeu agora o porque da sujeira branca na janela dos olhos?

Primeiro, não há nomes para nenhum dos personagens, só há características que nos permitem identificar quem é quem e quem fez o quê. Segundo que a falta de pontos finais, travessão e por vezes parágrafos na diagramação do livro contribuem para essa sensação de estar desnorteado, te coloca na pele daqueles que foram “vítimas” da cegueira. Tudo é separado em vírgulas, ação de fala, descrição, etc. Dois pontos ruins: essa mesma diagramação depois de um tempo acaba te cansando e se você não prestar atenção conforme lê acaba se perdendo na trama, e vamos combinar que isso é um saco.

Terceiro: as descrições são precárias. Saramago só diz o suficiente, e por vezes nem isso te ajuda. Isso faz com que o sentimento de cegueira aumente. Mas o legal é que, como em todo o livro, parte de você imaginar como as coisas são ou ficaram, inclusive uma cidade em que todos os habitantes se encontram cegos. Não quero falar mais pra não estragar as coisas, como deixei claro ao longos dos meus posts, eu sou contra spoiler.

E se você não está no humor pra ler o livro, ou não gosta de ler ou quer uma coisa rápida, não arranque os cabelos ainda. Euzinha tenho a solução para o seu “problema”. A obra de Saramago ganhou uma adaptação para os cinemas tendo como diretor Fernando Meireles – Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel entre outros – e no elenco Juliane Moore – Os Esquecidos e Chloe -, Gael Garcia Bernal – O Crime do Padre Amaro e The Science of Sleep -, e a brasileira Alice Braga – Eu Sou a Lenda.

Só pra te convencer a ver o filme depois de ler o livro: Algumas cenas ficaram tão fortes que tiveram que ser re-gravadas para que o filme não fosse censurado. Ficou curioso? Então acabe de ler o post pra sair correndo atrás do livro. A adaptação para o cinema não ficou igual, pra variar, só que não se deixe iludir totalmente pelo que eu disse sobre a censura, eu ouvi a mesma coisa antes de assistir e confesso que não me surpreendi muito. Mas se você parar pra pensar em como é viver aquele tipo de situação, o seu julgamento muda na hora.

E pra você que leu e gostou eu tenho boa notícias, o livro tem continuação. Você provavelmente se pergunta o que aconteceu depois do final certo? Pois bem, a segunda parte escrita por Saramago e intitulada Ensaio Sobre a Lucidez tem as respostas das suas perguntas.

Ensaio Sobre a Cegueira é um livro forte e angustiante. Lida com temas como medo, egoísmo, companheirismo, desespero e desolação. Fora o fato de você sentir a mesma pressão que a esposa do oftalmologista sente no desenrolar da trama, tentar entender a situação dos demais ajuda muito na hora de se interar no livro. Conforme você lê você se sente cego, a única diferença é que você enxerga.

 

Autor: José Saramago

Páginas: 310

Nota: 9,5

4 Comentaram...

Roberttojr [Em Paralello] disse...

Realmente o livro deve ser muito bom. Eu não li ainda, mas assisti ao filme. O filme embora tenha uma boa mensagem eu achei uma porcaria, espero que o livro seja melhor como sempre é.

Anônimo disse...

Essa maneira de escrita é peculiar do Saramago, não se trata de algo criado para o livro com a intenção de causar incomodo ou "nos colocarmos na pele dos personagens". Diálogos separados por vírgula, personagens sem nome, falta de pontuação, a maioria dos livros do Saramago são assim. Pra quem começa Saramago lendo Ensaio Sobre a Cegueira talvez cometa essa falácia.

Eric disse...

Não li o livro, mas assisti ao filme...
achei bem feito e, pelo que li no post, é uma adaptação muito boa...
mas a sensação que fiquei depois de ver o filme foi péssima...uma angústia...um incômodo...uma história muito densa...pesada...tem que ter estômago para assistir e gostar mesmo do filme...

Akira Mistika disse...

Eu não li o livro, mas vi o filme. Particularmente goatei do filme, mas as cenas são bem fortes e revoltantes, teve horas que deu vontade de desistir de ver, mas a curiosidade de saber se eles voltarão a enchergar e o pq (ele não explicou o pq da cegueira!)que acabei vendo até o final. É um bom filme, mas é pra ser visto somente uma vez.
Curiosidade do filme: Os atores usaram lentes de contatos que o impediram de enchergar de verdade, para que as cenas fossem mais " reais".

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