sexta-feira, 12 de junho de 2009

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[Dia dos Namorados] Alma Mater #1 - Hipátia de Alexandria

Por Dolphin*

 

hipatia

"Reserve o seu direito a pensar, mesmo pensar errado é melhor do que não pensar."

Hipátia de Alexandria

Quando tive a idéia de escrever sobre a vida das Grandes Mulheres do Passado a primeira personagem real que me veio à cabeça foi Hipátia de Alexandria. Me lembro do dia que li sobre ela em um de meus livros relacionado ao Império Romano. Havia apenas um pequeno parágrafo… a sensação que passava era de que só estava ali para preencher espaço e dizia apenas: Hipátia de Alexandria, matemática e filósofa, foi diretora da Academia de Alexandria (Biblioteca de Alexandria) e morreu em 415. Nada mais, apenas essa curta frase, porém foi o suficiente para despertar em mim a curiosidade. Afinal, quem fora essa mulher que não só fora matemática e filósofa numa época impensável para as mulheres exercerem tais funções, como chegou a ser diretora de uma das maiores escolas da antiguidade?! Dali para frente procurei pesquisar tudo o que podia. Infelizmente não nos chegou muito sobre a vida dessa Grande Mulher, mas o que temos vale como lição para se carregar para sempre.

Hipátia nasceu em Alexandria por volta do ano 370 D.C. Para aqueles que não lembram, Alexandria é uma cidade do Egito e foi fundada por Alexandre da Macedônia, popularmente conhecido como Alexandre, O Grande.

Na antiguidade Alexandria foi um grande pólo de cultura e livre expressão, mas, na época em que Hipátia nasceu, a cidade encontrava-se em uma disputa entre a Igreja Católica, que crescia em poder rapidamente, e as correntes filosóficas que punham em cheque as doutrinas da nova religião.

Filha de Theon, filósofo, matemático e astrônomo, diretor do Museu de Alexandria; Hipátia creceu em um ambiente cercado de cultura sendo guiada por seu pai nos estudos da Matemática e Filosofia. Ele acreditava no ideal grego da “mente sã em um corpo sadio” (“men sana in corpore sano”) estimulando a filha a exercitar tanto a mente como o corpo, contam as lendas que ele desejava torna-la “um ser perfeito”.

Ainda jovem viajou a Atenas para complementar seus estudos. Era conhecida na Grécia como “A Filósofa”, já demonstrando cedo sua profunda sabedoria. Sócrates Escolástico relata:

 

“Havia em Alexandria uma mulher chamada Hipátia, filha do filósofo Theon, que fez tantas realizações em literatura e ciência que ultrapassou todos os filósofos de seu tempo. Tendo progredido na escola de Platão e Plotino, ela explicava os princípios da filosofia a quem a ouvisse, e muitos vinham de longe para receber seus ensinamentos.”

Ainda em Atenas tornou-se discípula de Plutarco e professava ensinamentos Neoplatônicos. Ao retornar a sua pátria, foi convidada para assumir uma cadeira na Academia de Alexandria como professora. Por volta dos 30 anos, tornou-se diretora da Academia. Seus conhecimentos abrangiam a Filosofia, a Matemática, Astronomia, Religião, poesia e artes. Era versada em oratória e retórica. Escreveu diversos livros e tratados sobre álgebra e aritmética. Seu interesse por mecânica e tecnologia a levaram a conceber instrumentos utilizados na Física e na Astronomia, como o astrolábio plano, o planisfério e um hidrômetro. Infelizmente suas obras foram perdidas durante o incêndio que destruiu a Biblioteca de Alexandria. Tudo o que chegou-nos vem através de suas correspondências. Um de seus alunos Hesíquio o hebreu, escreveu:

 

“Vestida com o manto dos filósofos, abrindo caminho no meio da cidade, explicava publicamente os escritos de Platão e de Aristóteles, ou de qualquer filósofo a todos os que a quisessem ouvi-la... Os magistrados costumavam consulta-la em primeiro lugar para administração dos assuntos da cidade”.

Hipátia foi uma Grande Mulher que nasceu na época errada. Sua defesa fervorosa ao livre pensamento, seus ensinamentos Neoplatônicos, sua observação de que o universo era regido pela leis da matemática a caracterizaram como herege em um momento onde o Cristianismo triunfava sobre o Paganismo. Enquanto Orestes, um ex-aluno, fora prefeito da cidade, sua vida estivera protegida. Mas quando Cirilo tornou-se bispo de Alexandria, determinado a destruir todo o movimento pagão, sua morte foi anunciada.

 

hipatia_movie

Rachel Weisz, no filme Agora, de 2009

Em uma tarde de 415 D.C. retornando a sua casa, Hipátia foi abordada por uma turba de cristãos furiosos que a arrancaram de sua carruagem, arrastaram-na para uma igreja e lá rasgaram-lhe as roupas deixando-a completamente nua e assim puseram-se a retalhar seu corpo esfolando-lhe a carne de seus ossos utilizando para isso cascas de ostras afiadas. Por fim desmembraram-lhe o corpo e os atiraram as chamas.

Morria com ela toda uma era de liberdade e florescimento filosófico e cultural em Alexandria e certamente para todos que viviam sobre a espada afiada da nova religião.

Carl Sagan escreveu em seu livro Cosmos:

 

“Há cerca de 2000 anos, emergiu uma civilização científica esplêndida na nossa história, e sua base era em Alexandria. Apesar das grandes chances de florescer, ela decaiu. Sua última cientista foi uma mulher, considerada pagã. Seu nome era Hipátia. Com uma sociedade conservadora a respeito do trabalho da mulher e do seu papel, com o aumento progressivo do poder da Igreja, formadora de opiniões e conservadora quanto à ciências, e devido a Alexandria estar sob o domínio romano, após o assassinato de Hipátia, em 415, essa biblioteca foi destruída. Milhares dos preciosos documentos dessa biblioteca foram em grande parte queimados e perdidos para sempre, e com ela todo o progresso científico e filosófico da época.”

Essa Grande Mulher nutriu toda uma época com a luz do conhecimento e do saber. Calaram-lhe a voz e empurraram sua lembrança para as profundezas do esquecimento. Mas, dois milênios não foram suficientes para apagá-la da memória de todos os famintos pela verdade. Hipátia retorna forte e vibrante ao alcance daqueles que buscam por seus ensinamentos. Ainda há pouco, enquanto terminava minha última pesquisa para esse artigo, me deparei com a notícia de que o diretor Alejandro Amenábar recentemente lançou no festival de Cannes o filme Ágora, que conta ao mundo a vida de Hipátia de Alexandria.

______________________________________________________________

*Carina Delmas, a Dolphin, é amante da liberdade e fã de V, personagem de Alan Moore.

13 Comentaram...

Marshall disse...

A coluna Alma Mater estréia brilhantemente com Hipátia de Alexandria. É preciso lembrar que as trevas da intolerância e da ignorância que massacraram Hipátia e a Grande Biblioteca estão bem vivas neste início de século, no Vaticano, no Parlamento Europeu e nas nossas próprias casas, na alienação nossa de cada dia, trasmitida por via analógica e digital. Afogados que estamos num mar de "informações" inúteis, fúteis, frívolas, banais. Sinto que o espaço para a reflexão em nossas vidas diminui cada vez mais. Nesta era de sombria perspectiva para o espírito humano, a caríssima Dolphin nos brinda com um vislumbre do passado, um susurro em nossos ouvidos. Por detrás das belas palavras do texto, podemos ouvir o que elas (Hipátia e Dolphin) querem nos dizer: pensem.
E é só o começo.

Velho da Montanha disse...

otimo post, parabens !

Dolphin disse...

Obrigada por suas palavras André, muito me alegra ver que ainda há pessoas comprometidas com a busca do conhecimento.

A proposta do Alma Mater é justamente essa, abir o espaço para a reflexão e o debate saudável. Como você brilhantemente ressaltou, vemos o quanto os erros do passado se perpetuam demonstrando que a História é ciclica justamente pela falta de observação minunciosa. Ou não, talvez se repitam simplesmente por conta dos caprichos dos Seres Humanos. Alma Mater está aqui para quebrar esse ciclo e nutrir a todos com o passado para que se possa vislumbrar um futuro menos conformista e com muito mais possibilidades.

De fato é só o começo.

Ana Recalde disse...

AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHH Vai tudo se acabar!!!
O Mauro elogiou!!!! O_O OMG!!!

Moziel T.Monk disse...

Li pela primeira vez a história de Hipátia justamente em "Cosmos". E o que Carl Sagan chama a atenção em relação ao episódio é que, apesar do grande dano que a destruição da biblioteca de Alexandria causou, praticamente para a massa aquilo foi um fato banal que passou despercebido.

Como de praxe, ótimo post

Joelma Alves disse...

Adorei o post!!
Já estou anciosa pelo próximo!
É bom ver que esse blog TÃo masculino(rs) está abrindo mais espaço para as mulheres.
Devo confessar que já estava cansada de fotos de cosplays semi-nuas(não que não seja divertido).
Também vou aproveitar para parabenizar o NSM,o blog é ótimo,com mts matérias interessantes.
Parabéns!
^^

Awen disse...

Excelente artigo, Dolphin. Parabéns.

Amenábar é para mim o melhor cineasta espanhol em atividade. Vou procurar este filme.

Acid disse...

Hipátia está eternizada, quem diria, nas paredes do Vaticano, por Rafael, no quadro A Escola de Atenas
http://4.bp.blogspot.com/_I3_ctnHz5DQ/R-xNMiSTplI/AAAAAAAAACc/XvvqQ7Uw348/s1600-h/Escola+de+Atenas.jpg

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hip%C3%A1tia

Koppe disse...

Discordo do que disse o Moziel. O mais preocupante não é o fato de que algo tão grave passou despercebido por grande parte do povo, mas sim existirem pessoas que defendem a atitude dos cristãos que assassinaram Hipátia, afirmando que foi algo "necessário" para que o cristianismo se firmasse e livrasse a humanidade dos "horrores" do paganismo.

Unknown disse...

Por conta de minha procura sobre ASPÁSIA, acabei por me encontrar aqui ... e por fim, lendo sobre todas as outras "mulheres", "significativas" mulheres protagonistas de épocas tão importantes na feitura da "história".
Gostei demais Dolphin .... muito me acrescentou!

Abraços!

Anônimo disse...

já existe um grande livro sobre o tema, recomendo a "VIAGEM INICIÁTICA DE HIPÁTIA: NA DEMANDA DA ALMA DOS NÚMEROS" de José Carlos Fernández, Editora Nova Acrópole, 2010.

Anônimo disse...

Hipátia foi muito mais do que uma filósofa. Foi uma magnífica mulher,amiga e inventora. Além de bela e disciplinada,foi uma excelente aluna. Hipátia também adorava FELINOS assim como Dolphin(Carina Delmas). Ainda espero que continue com o mesmo carinho por esse magníficos animais.

Jéssica disse...

Eu ainda não havia lido sobre Hipátia de Alexandria. Ouvia breves comentários sobre ela na escola, mas nunca soube muito a respeito. Incrível como a sua importância da história parece ter sido marcante!

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